segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Desafios do novo diretor-geral da OMC

 

Por Umberto Celli Jr - Valor 04/02


Como noticiado nas últimas semanas, será escolhido em breve o novo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) que deverá tomar posse em setembro. O processo de seleção já teve início e nove candidatos foram indicados por diferentes países, entre eles o Brasil, que aposta suas fichas no atual chefe da missão brasileira na OMC em Genebra, Roberto Azevedo. Os desafios do sucessor de Pascal Lamy serão enormes, a começar das dificuldades para o encerramento da Rodada Doha, cujas negociações se arrastam há mais de dez anos. Outro aspecto que também deverá merecer especial atenção diz respeito aos efeitos da proliferação sem precedentes de acordos preferenciais de comércio regionais, subregionais, interregionais e, em especial, os bilaterais. O ceticismo de vários governos de seus países membros e do setor privado quanto às condições da organização de reordenar o sistema multilateral de comércio também não deverá ser desprezado.

Atualmente, são poucos os países que ainda não fazem parte de acordos preferenciais de comércio. Com o impasse nas negociações da Rodada Doha, a alternativa das principais economias do mundo, como Estados Unidos, União Europeia e China, foi buscar a celebração desses acordos como forma de consolidar e ter acesso a novos mercados.

O receio de boa parte de países desenvolvidos, de economias em transição e em desenvolvimento de perderem espaço em suas exportações levou-os a aderir a esses acordos. Informações constantes da página eletrônica da OMC dão conta de que há mais de 300 acordos preferenciais em vigor e muitos outros em negociação.

Os acordos preferenciais de comércio de última geração não mais possuem como objetivo primordial a liberalização do comércio via redução de barreiras tarifárias. Eles se transformaram em novos centros de regulação do comércio global. Sua proliferação resultou na criação de regimes normativos diferenciados que, apesar de reproduzirem regras básicas da OMC, contêm outras que tornam mais rígidas as disposições relativas à propriedade intelectual e imprimem em alguns casos um viés mais liberalizante às negociações sobre o comércio de serviços. Tratam ainda de áreas não abrangidas pela OMC, tais como regras de promoção e proteção de investimentos estrangeiros, concorrência (antitruste e formação de cartéis), meio ambiente, mudança climática e padrões trabalhistas.

As regras desses numerosos acordos conflitam e se sobrepõem às da OMC, o que tem colocado em xeque o status dessa organização internacional de autoridade máxima do sistema de governança global do comércio. Aliás, ocorrem sobreposições e conflitos entre as regras dos próprios acordos preferenciais de comércio. Regras de origem, procedimentos aduaneiros, padrões técnicos, mecanismos de solução de controvérsias, entre outros itens, poderão ser distintos ou contraditórios dependendo de qual regime normativo será aplicado. Esse quadro de insegurança jurídica implica elevados custos de transação para os agentes comerciais. Diante dessa multiplicidade de acordos que regulam suas relações comerciais, eles muitas vezes têm dificuldades em identificar quais são seus direitos, obrigações e as preferências que vão obter exportando ou importando produtos ou serviços para ou de um país determinado.


Para recuperar sua autoridade e reorganizar o sistema multilateral, será necessário que a OMC busque soluções que possam assegurar maior articulação, convergência e coerência de suas regras com as dos acordos preferenciais. Isso só será alcançado se houver vontade política de seus países membros de atualizá-las de modo que elas também possam endereçar as novas áreas que hoje estão sendo reguladas nos acordos preferenciais de comércio.

Essa tarefa torna-se ainda mais árdua quando se tem em mente o fato de que muitas das regras da OMC não mais refletem adequadamente as formas contemporâneas de organização da produção de bens e de prestação de serviços representadas pelas operações de cadeias globais de suprimento ou de valor. O setor privado parece ter uma clara percepção dessa realidade. Sabe que a competitividade da indústria e um melhor desempenho nas exportações dependem de forma crescente da integração dos países a essas cadeias globais de produção. Como ficam então as regras de origem da OMC para o efeito de aplicação pelos países membros de imposto de importação? E as regras de defesa comercial que visam proteger a indústria nacional? Mesmo o conceito de produto nacional tenderá a ficar mais fluido.

Essas questões não poderão passar despercebidas em qualquer processo de atualização de regras que venha a ser realizado pela OMC. A julgar pelo ceticismo atual de alguns países membros, de boa parte do setor privado e agentes comerciais, será difícil reunir a vontade política necessária para enfrentar tamanhos desafios. O que se observa é o surgimento de movimentos paralelos à OMC, como o Acordo de Associação Transpacífico (Trans-Pacific Partnership (TPP). Sob a liderança dos Estados Unidos, o TPP envolve amplas negociações entre países da região Ásia-Pacífico. Seu objetivo é o de redesenhar completamente o regime internacional de comércio e investimentos. Não parece se tratar de um movimento convergente com a OMC.

Umberto Celli Junior é professor de direito internacional da USP.

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