segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Investindo em inclusão financeira



Por Daniel Schydlowsky - Valor 08/10

A crise financeira de 2008 ressaltou a profunda importância do sistema financeiro para a economia globalizada. Mas 2,5 bilhões de pessoas em todo o mundo ainda não têm acesso a serviços bancários formais, facilidades de crédito ou instrumentos de poupança. Trazer esse amplamente ignorado "mercado reprimido" para o sistema financeiro formal enriqueceria e fortaleceria a economia mundial.

Os "sem banco", que vivem principalmente nos países em desenvolvimento, constituem quase metade da população mundial em idade economicamante ativa. Em alguns países, até 90% da população não têm acesso ao sistema financeiro formal. Isso impede sua participação na economia mundial, restringindo sua capacidade de comprar bens e serviços, de tomar empréstimos e de poupar ou de investir em seu futuro e no de sua comunidade e de seu país.

A maior parte dos esforços mundiais de redução da pobreza dependem de soluções "de cima para baixo" - fluxos de ajuda ao desenvolvimento dos países ricos para os países pobres - que em grande parte se concentram em educação, segurança alimentar e gestão e prevenção de doenças. Mas melhorar o acesso ao setor financeiro formal é um desafio ímpar que não pode ser combatido com a ajuda externa ou doações de governos.

Em geral, as soluções domésticas têm provado ser mais eficazes do que políticas impostas de fora. Embora não haja uma solução única e universal, a compreensão de fatores comuns a diferentes países sugere uma maneira útil de avançar. Por exemplo, em todo o mundo as populações estão abraçando a tecnologia, especialmente os serviços móveis. No entanto, as pessoas em todo o mundo em desenvolvimento frequentemente carecem de identificação adequada, endereço fixo ou empregador formal.
Soluções que capitalizam tendências ou atacam desafios comuns têm maior chance de produzir um impacto. Uma política que dê certo em um ou dois mercados pode então ser compartilhada, analisada e adaptada para aplicação em outro país.

Nos países em desenvolvimento, cerca de 1,7 bilhão de pessoas possuem telefones móveis, mas não têm acesso a serviços bancários. Aproveitar essa tecnologia para expandir a inclusão financeira proporcionaria uma alavancagem econômica, especialmente a pequenos agricultores e comerciantes em comunidades rurais, que poderiam usar seus celulares para acessar de dados de preços em mercados, transferir dinheiro, fazer compras no varejo, depositar renda e pagar contas - e tudo isso sem deixar suas lavouras ou lojas.

Isso incentivaria a poupança, que é crucial para abrir firmas e para disponibilizar capital de investimento para outros. E opções legais e regulamentadas para salvaguardar a poupança e o acesso ao crédito reduziriam a dependência em relação ao mercado negro ou à economia informal, onde a exploração financeira floresce.

No Quênia, uma agência regulamentadora criou as condições necessárias para o florescimento de um inovador sistema de serviços financeiros via telefonia móvel, o M-Pesa. Desde sua inauguração, em 2008, o M-Pesa já atraiu cerca de 14 milhões de quenianos - quase um terço da população total do país - que o usa para transferências de dinheiro, poupança e outras transações financeiras.

Agências regulamentadoras e instituições privadas locais podem colaborar para criar instrumentos bancários e creditícios seguros e acessíveis. Foi assim que o Brasil desenvolveu um referencial regulamentador que permitiu aos bancos construir uma rede de 95 mil agências bancárias. Em consequência, um número estimado em 13 milhões de brasileiros - em quase todos os cerca de 5,6 mil municípios no país, da Amazônia às favelas de São Paulo e do Rio de Janeiro - foram incorporados ao sistema financeiro.
De modo similar, um banco estatal indonésio, o Banco Rakyat Indonésia, oferece financiamento de microsserviços a 30 milhões de pessoas, enquanto na Índia contas de poupança básicas atraíram 12,5 milhões de clientes. Outras histórias de êxito regulamentador nasceram no México, Peru, Bolívia, Uganda, África do Sul, Filipinas, Tailândia e Mongólia.

Líderes financeiros já começaram a propagandear tais casos de sucesso, e as políticas que os viabilizaram, para reforçar e expandir a inclusão financeira. A Aliança para a Inclusão Financeira (AIF) - um grupo (do qual participo) de presidentes de bancos centrais, autoridades regulamentadoras e ministros das Finanças de mais de 80 países em desenvolvimento na Ásia, África, América Latina e Oriente Médio - está compartilhando conhecimento para desenvolver e implementar políticas eficazes.

Em setembro de 2011, no Fórum Mundial de Políticas da AFI, no México, 17 autoridades financeiras adotaram a Declaração Maya, iniciativa inédita que reúne um conjunto de compromissos específicos e mensuráveis que visam ampliar a inclusão financeira. A partir de então, outras sete instituições se comprometeram com a declaração acredita-se que ainda outras manifestem sua adesão antes da realização do fórum deste ano na Cidade do Cabo, na África do Sul, onde experiências serão compartilhadas e progressos avaliados.

A Aliança entende que a globalização não é um jogo de soma zero. Os países em desenvolvimento podem se beneficiar da abertura dos mercados a novas iniciativas de comércio e investimento, ao passo que o mundo desenvolvido pode beneficiar-se da infusão de novos clientes, fornecedores e capital (possivelmente na casa dos trilhões de dólares). Se os 2,5 bilhões de pessoas sem banco no mundo aderirem à economia mundial, todos os setores econômicos experimentarão inovação e crescimento.

Em vez de esperar por soluções de banqueiros americanos, europeus ou de outros países avançados, os países em desenvolvimento estão liderando o caminho rumo à inclusão financeira e, nesse processo, remodelando dramaticamente a economia mundial. A abertura do sistema financeiro às pessoas mais pobres do mundo vai desbloquear seu potencial econômico e social - para benefício de todos. (Tradução de Sergio Blum)



Daniel Schydlowsky foi conselheiro para assuntos econômicos e financeiros do presidente peruano e presidente da Corporação Financeira para o Desenvolvimento do Peru e é atualmente diretor da Superintendência de Banca, Seguros y Administradoras Privadas de Pensiones, que supervisiona o setor financeiro no Peru. Copyright: Project Syndicate, 2012.



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