quarta-feira, 19 de junho de 2013

O legado tóxico da crise grega


 

Por Martin Wolf - Valor 19/06
 
Há 2,5 mil anos, a Grécia deu forma à mentalidade ocidental. Mais recentemente, deu forma às respostas para uma crise financeira. A Grécia sofreu uma calamidade - e o medo de que outros a seguissem justificou a passagem para um cenário de austeridade. O resultado foi uma recuperação fraca da recessão pós-crise, em especial na região do euro e no Reino Unido. A Grécia, infelizmente, teve a crise errada, no momento errado.
Simon Wren-Lewis, da Oxford University, conta a história em um texto excelente em seu blog. Ele aproveita uma avaliação crítica do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o programa de auxílio à Grécia acertado em maio de 2010. Aqui está o sumário dos fracassos: "A confiança do mercado não foi recuperada, o sistema bancário perdeu 30% de seus depósitos e a economia deparou-se com uma recessão muito mais profunda do que a prevista, com um desemprego excepcionalmente alto. A dívida pública continuou muito alta e acabou sendo reestruturada, com danos colaterais aos balanços patrimoniais dos bancos, também enfraquecidos pela recessão. A competitividade melhorou um pouco, sustentada pela queda nos salários, mas as reformas estruturais se detiveram e ganhos de produtividade mostraram-se elusivos".
Enquanto o programa projetava declínio de 5,5% no Produto Interno Bruto (PIB) real entre 2009 e 2012, o resultado foi uma queda de 17%. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a associação dos países de alta renda, a demanda privada real caiu 33% entre os primeiros trimestres de 2008 e de 2013, enquanto o desemprego subiu para 27% da população economicamente ativa.
O FMI supostamente só empresta a um país se sua dívida for sustentável. Esse, contudo, não foi o caso, nem de longe, como muitos comentaristas indicaram na época. Em vez de tornar as dívidas sustentáveis, o programa apenas deixou muitos credores privados escaparem ilesos. No fim das contas, uma redução na dívida aos credores privados foi imposta. A dívida pública grega, entretanto, continua alta demais: o FMI projeta que estará próxima a 120% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. Esse excesso de endividamento tornará mais difícil para a Grécia retornar aos mercados e à solidez econômica. Uma redução mais profunda da dívida ainda é necessária.
Tudo isso nos conta uma história deprimente sobre a politização do FMI e a incapacidade da região do euro para agir no melhor interesse de seus países-membros mais fracos. A crise grega também teve dois resultados internacionais.
Primeiro, dentro da região do euro, o fato de a Grécia ser o primeiro país a entrar em crise deu mais força ao ponto de vista dos norte-europeus de que a crise foi fiscal. Isso porque a Grécia, de fato, foi um caso de impressionante libertinagem fiscal, com o endividamento público líquido chegando a mais de 100% do PIB mesmo antes da crise. Em outros países, entretanto, foi bem diferente: as captações privadas foram a raiz das crises na Irlanda, Espanha e, em menor medida, em Portugal. A dívida pública italiana estava alta, mas não por algum relaxamento fiscal recente. Ao decidir que a crise era amplamente uma crise fiscal, as autoridades puderam ignorar a verdade de que a causa do desarranjo foram empréstimos irresponsáveis entre fronteiras, algo pelo qual os captadores são tão culpados quanto os que concedem o crédito. Se a culpabilidade dos dois lados - captadores e credores - tivesse sido compreendida, o argumento moral para o cancelamento de dívidas teria sido mais evidente.
Segundo, a crise grega assustou autoridades por todo o mundo. Em vez de concentrar os esforços em remediar o colapso do setor financeiro e reduzir o excesso de dívidas privadas, que foram os motivos da crise, voltaram as atenções para os déficits fiscais. Estes, contudo, em grande medida, foram um sintoma da crise, embora, também, em parte, uma resposta adequada a ela. Como destaquei, em junho de 2010, pouco depois do primeiro programa grego, os líderes do G-20, reunidos em Toronto, decidiram reverter os estímulos, declarando que "as economias avançadas se comprometeram a planos fiscais que vão cortar pelo menos pela metade os déficits em 2013". Seguiu-se um forte aperto. As autoridades justificaram a mudança com pesquisas acadêmicas: a ideia de que a contração fiscal poderia ser expansionista foi um encorajamento; a ideia de que o crescimento cairia, se a dívida pública aumentasse muito, foi um alerta.
O que parecia ser, até meados de 2010, uma recuperação sólida do pesadelo da "Grande Recessão" foi abortado, em especial, no Reino Unido e na região do euro. O maior grau de sucesso dos Estados Unidos em sobreviver à austeridade deveu-se provavelmente à limpeza mais agressiva do setor financeiro, à maior aceitação da desalavancagem pelas famílias e a sua política monetária mais agressiva, em particular, em comparação à região do euro. Se as previsões mais recentes da OCDE estiverem certas, o PIB da região do euro será menor no quarto trimestre de 2014 do que era no primeiro trimestre de 2008 e apenas 0,7% maior do que no primeiro trimestre de 2011. Foi o aperto fiscal que causou, por si só, essa fraca recuperação? Certamente, não. Mas retirou um contrapeso, ainda desesperadamente necessário, às forças contracionistas emanando dos setores privados atingidos pela crise.
O que torna essa história deprimente é que foi desnecessária. De início, pode ter havido lógica em sentir receio de que a crise grega era o primeiro surto de uma crise fiscal pandêmica. Logo ficou claro, no entanto, que os países com moedas com livre flutuação ainda podiam lançar títulos de dívidas públicas com juros ultrabaixos. Isso, em parte, graças à "flexibilização quantitativa" de seus bancos centrais. Ter seu próprio banco central dá a um governo certo grau de liberdade para administrar sua reação a uma crise financeira. Para esses países, o momento apropriado para um forte aperto fiscal estrutural chega apenas depois que seus setores privados começam a eliminar seus superávits financeiros estruturais. Isso ocorre apenas logo depois da crise. Também requer uma reestruturação anterior do setor financeiro e baixas contábeis de dívidas privadas excessivas.
Em resumo, a crise grega mostrou-se uma calamidade tripla: uma calamidade para os próprios gregos; uma calamidade para o ponto de vista popular sobre a crise dentro da região do euro; e uma calamidade para a política fiscal nos demais lugares. O resultado foi a estagnação - ou desempenho ainda pior, em particular, na Europa. Hoje, precisamos admitir que a enorme queda na produção em relação à tendência pré-crise pode muito bem nunca ser retomada. A reação das autoridades, contudo, não foi admitir os erros, mas redefinir, em um novo patamar, mais baixo, o que é um desempenho aceitável. É uma história triste.

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT




Nenhum comentário:

Postar um comentário