quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
O Pibinho desacelerou o investimento?
Por Francisco Lafaiete Lopes - Valor 12/12
Com a publicação do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre, consolidou-se a sensação de que o país vive numa espécie de "armadilha do pibinho". O modelo de crescimento está esgotado e o investimento não deslancha, a despeito de todos os incentivos monetários e fiscais colocados em ação pelo governo. Um observador arguto como Delfim Netto concluiu que a verdadeira tragédia é que o investimento permanece em queda nos últimos dois anos. Não faltam agora especialistas e curiosos para explicar que o problema é o excesso de intervencionismo do governo, que está aumentando a incerteza e inibindo os espíritos animais do empresariado.
Economistas vivem num mundo de modelos teóricos que muitas vezes têm relação tênue com a realidade. Em geral, o contato dos modelos com o mundo real é intermediado por bases de dados produzidas por diversas instituições públicas ou privadas, mas nem sempre há a preocupação em entender exatamente o que está sendo medido. Pouco adianta ter boa metodologia se informações brutas adequadas não estão disponíveis.
No Brasil, um problema particularmente grave é a quase total inexistência de informações sobre a evolução dos estoques. O IBGE simplesmente não calcula a componente de variação de estoques nos números do PIB trimestral. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) publica uma sondagem sobre estoques industriais, mas somente a partir de 2011, tendo infelizmente descontinuado suas séries mais antigas.
Apesar da carência de dados, nosso acompanhamento da conjuntura nos convenceu de que a economia brasileira passou por oscilações inusitadamente intensas nos estoques industriais nos últimos anos. Primeiro, ao longo de 2008, consolidou-se a percepção de que a crise americana seria realmente séria e que poderia sim nos contaminar, inclusive com restrições de crédito e problemas de liquidez. A partir do final do ano, empresas e cadeias de distribuição produziram forte queda na produção de modo a reduzir ao máximo os níveis de estoque. Esse movimento começou a ser revertido em meados de 2009 e, como consequência, a reposição de estoques produziu rápido crescimento da indústria no primeiro semestre de 2010. Por exemplo, nos quatro trimestres terminados em março de 2010, o crescimento da indústria de transformação foi de 18%. No junho seguinte foi de 14% e essas taxas excepcionais constituem a principal explicação para o Pibão de 2010, com crescimento médio anual de 10% para a indústria de transformação e de 7,5% para o PIB total.
O problema é que a partir de 2010 os gestores e planejadores das empresas, assim como o distinto público dentro e fora do país, resolveram acreditar que o Brasil se transformara em tigre asiático. A crença foi estimulada pela forte expansão do crédito. O resultado foi que o aumento planejado na produção se mostrou excessivo, particularmente tendo em vista que em meados de 2011 já estava claro que o ritmo de crescimento sustentável seria muito menor. Isto iniciou uma nova fase de correção para baixo nos estoques, que perdura até agora. Como a correção agora está sendo mais gradual, também é mais alongada no tempo.
Alguma evidência para essa interpretação da evolução recente da economia pode ser obtida se compararmos os dados de produção industrial do IBGE com os dados de faturamento real da CNI. Esses dados mostram que nos últimos sete trimestres desde o início de 2011 o faturamento real da indústria de transformação aumentou 8,3%, enquanto que a produção caiu 4,9%. Essa diferença de 13 pontos percentuais sugere uma redução continuada nos estoques: a indústria contraiu a produção, mas seguiu aumentando as vendas, o que só é possível quando o volume de estoques está caindo.
Esses movimentos fortes e inusitados nos estoques, que em última análise são ainda reflexo da crise de 2008, podem explicar boa parte da aparente armadilha do pibinho. Explicam também porque os dados de produção mostram dois anos de queda enquanto as vendas, em todos os níveis de comercialização, continuam evoluindo muito bem, obrigado. Por exemplo, na pesquisa mensal do comércio do IBGE, a taxa de variação em 12 meses do volume de vendas no varejo foi de 6% em dezembro de 2011 e de 9% em setembro de 2012.
Na realidade, os números de faturamento real da CNI mostram outro resultado muito importante. Enquanto nos sete trimestres a partir do início de 2011 a produção medida pelo IBGE para a indústria de máquinas e equipamentos caiu 8%, o faturamento real dessa mesma indústria, medido pelo CNI, aumentou 25%. Isto significa um crescimento médio anual do faturamento da ordem de 13%, contra uma queda média anual da produção de menos 4%. Aqui também tudo indica que há um processo de ajustamento para baixo nos estoques. Números semelhantes resultam quando usamos dados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) ou da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).
É verdade que essa diferença poderia resultar de a indústria estar vendendo e faturando máquinas e equipamentos importados, sem impacto, portanto, sobre a produção nacional. Isto, porém, não combina com o dado da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) que mostra que o quantum da importação de bens de capital caiu cerca 3% no período. Também não vale o argumento de que a diferença resultou de algum movimento no preço médio das máquinas, já que no período esse preço caiu tanto em relação ao Índice de Preços por Atacado (IPA) da indústria de transformação como em relação ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
O que não se pode ignorar é que nos últimos dois anos as vendas reais de máquinas e equipamentos cresceram fortemente, acima de 10% ao ano. Simplesmente não há como conciliar isso com a noção de que o espírito animal dos empresários está deprimido e que a economia perdeu sua capacidade de investir. Afinal se os vendedores estão entregando mais máquinas, os compradores só podem estar comprando essas máquinas para aumentar sua capacidade de produção, isto é, para investimento. A falta de um entendimento correto dessa fase conjuntural do pibinho, que é em grande parte explicada por violentas oscilações nos estoques industriais, parece estar levando a uma avaliação totalmente equivocada do que se passa na economia brasileira.
Francisco Lafaiete Lopes é Ph.D. em economia pela Universidade de Harvard e ex-presidente do Banco Central.
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