quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

É necessário mais do que flertar com as políticas keynesianas



Por Fernando Ferrari Filho e André Moreira Cunha - Valor 19/12

Recentemente, alguns economistas têm argumentado que o tripé de política macroeconômica - regime de metas de inflação, metas de superávit fiscal e flexibilidade cambial -, em curso desde 1999, tem sido descaracterizado pelas autoridades monetárias no governo Dilma Rousseff. Argumenta-se que o Banco Central (BC) tem se preocupado mais com o crescimento do que com as metas de inflação, a política fiscal tem se tornado predominantemente contracíclica, comprometendo, assim, os superávits primários e as autoridades monetárias têm perseguido uma meta de câmbio. Nesse sentido, as críticas são direcionadas não somente para a descaracterização da referida política, mas, também, para a substituição dela por políticas intervencionista-keynesianas.

Serão consistentes tal argumentação e crítica? A recente política macroeconômica vem experimentando um período de transição, sem, contudo, romper com o arcabouço institucional herdado do período neoliberal. Ademais, não há garantias de que eventuais elementos tipicamente keynesianos introduzidos de forma ad hoc, e em momentos de crise externa, venham a se configurar em nova base filosófica e prática para a gestão econômica.

Conforme a teoria keynesiana, em um mundo incerto - em que os agentes econômicos, consumidores, firmas e instituições financeiras, tomam decisões de gastos, consumo, investimento e oferta de crédito, respectivamente - políticas macroeconômicas, fiscal, monetária e cambial, devem ser articuladas para expandir a demanda efetiva, estabilizar o nível de preços e equilibrar o balanço de pagamentos. Para tanto, o papel do Estado é fundamental, tanto para a operacionalização da política macroeconômica quanto para, por meio do que John Maynard Keynes na "Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda", chamou de "socialização do investimento" - criar um ambiente institucional favorável às decisões de gastos dos referidos agentes.

No período recente, o governo brasileiro vem respondendo ao efeito-contágio da crise fiscal-financeira da zona do euro com um conjunto de medidas econômicas contracíclicas, cujo objetivo é mitigar os efeitos desta crise na atividade econômica. Entre as medidas implementadas, destacam-se: redução da taxa Selic para 7,25% ao ano; queda do IOF para as linhas de crédito ao consumidor; diminuição dos spreads bancários e aumento da oferta de crédito, especialmente, dos bancos públicos; redução e isenção, momentânea, de IPI e outros impostos para alguns setores econômicos, tais como automotivo, moveleiro, "linha branca" de consumo duráveis e construção civil; e adoção de mecanismos de controle de capitais - com o aumento do IOF sobre várias modalidades de transações financeiras entre não residentes e residentes - e intervenções recorrentes no mercado cambial a fim de estabelecer uma taxa de câmbio mais competitiva.

Além do mais, o governo Dilma Rousseff criou o Plano Brasil Maior - ou seja, uma nova política industrial visando promover setores econômicos estratégicos e investimentos em inovação tecnológica, pesquisa e desenvolvimento - e o Programa de Concessões e Parcerias que buscam expandir e melhorar as condições de oferta do setor industrial e de infraestrutura do país.

Apesar de reconhecermos que, desde 2011, há não somente uma inflexão pragmática da política macroeconômica, mas, também, um ajuste em seu foco - isto é, a preocupação, agora, não diz respeito apenas às questões de curto prazo e inflacionárias, mas o crescimento e o longo prazo entraram na agenda das autoridades monetárias -, sugerimos cautela em sua caracterização como keynesiana, pois: 1) assim como no segundo mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva, em que as políticas macroeconômicas contracíclicas foram implementadas em resposta aos desdobramentos da crise do subprime, no governo Dilma Rousseff as medidas fiscais, monetárias e cambial vieram ex-post à crise fiscal-financeira da zona do euro; 2) as autoridades monetárias não admitem, implícita e explicitamente, em seus discursos e relatórios econômicos (tanto do Ministério da Fazenda quanto das atas do Comitê de Política Monetária do BC), a substituição do tripé de política macroeconômica; e 3) a adoção de políticas macroeconômicas efetivamente keynesianas tem que ser observadas não somente em resposta às crises financeiras internacionais, mas, principalmente, em tempos normais, nas áreas fiscal, monetária e cambial.

Nesse sentido, ao contrário de austeridade fiscal, regime de metas de inflação, câmbio flexível e livre mobilidade de capitais, a política macroeconômica deve objetivar: responsabilidade fiscal, bem como não deve sacrificar todos os outros objetivos para garantir o pagamento dos rentistas; a política monetária deve ser orientada para, simultaneamente, garantir a manutenção de níveis elevados de emprego e de renda e controlar a inflação (quando essa for predominantemente de demanda); a taxa de câmbio deve ser administrada pelo BC; e mecanismos antiespeculação, com o intuito de regular os movimentos de capitais, que devem ser permanentes.

Concomitantemente, políticas estruturais devem ser aprofundadas para garantir a capacidade do Estado de redistribuir renda - para tanto, a regressividade do sistema tributário precisa ser enfrentada, com ampliação da contribuição das camadas de alta renda para o financiamento das políticas públicas - e, principalmente, ampliar os investimentos públicos para superar os gargalos de infraestrutura, imprescindíveis para dinamizar o setor produtivo.

Concluindo, o baixo e frustrante crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre corrobora o argumento de que é necessário mais do que flertar com Keynes. Esperamos, assim, que o governo Dilma cristalize sua gestão keynesiana indo nessa direção, propiciando, assim, um ambiente institucional que melhore o estado de confiança do animal spirits dos empreendedores e, por conseguinte, haja expansão dos investimentos, condição necessária para dinamizar, sustentavelmente, o crescimento econômico.

Fernando Ferrari Filho é professor titular da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS e pesquisador do CNPq.



André Moreira Cunha é professor associado da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS e pesquisador do CNPq.

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