quinta-feira, 16 de maio de 2013

Caçando bolhas

 

Por Otaviano Canuto e Matheus Cavallari - Valor 16/05
 
A crise financeira global e os eventos que a geraram nos deram, entre outras, uma lição definitiva: "Não há espaço para complacência em relação a booms nos preços de ativos". Sabemos dos custos expressivos das bolhas quando estouram e, portanto, os gestores de política monetária não podem observar passivamente a evolução desses preços. Nesse sentido, para que uma economia apresente tanto estabilidade macroeconômica quanto financeira, há que ocorrer coordenação entre política monetária e supervisão financeira, de forma a garantir que elas sejam complementares e implementadas de forma articulada.
Em um recente estudo sobre regulação macroprudencial, política monetária e preços de ativos, discutimos algumas das perguntas frequentemente feitas sobre como conjugar seu uso (Canuto e Cavallari, 2013)*.
Primeiro, deveriam os gestores de política monetária considerar os preços dos ativos, juntamente com os desvios da inflação em relação a metas ao tomar decisões sobre as taxas de juros? Eles deveriam elevar as taxas de juros para estourar bolhas antes que elas inflem completamente? Há um consenso crescente em torno da ideia de que as bolhas sustentadas em crédito (por exemplo, imóveis nos EUA) devem ser diferenciadas das demais, pois elas usualmente se fazem acompanhar por crises sistêmicas, enquanto as demais em geral possuem impactos mais limitados. Interessante notar que a regulação macroprudencial fornece instrumentos mais específicos para lidar com várias situações.

Segundo, o que é a regulação macroprudencial, e por que ela deve ser coordenada com a política monetária? Regulação macroprudencial envolve a formulação de regras que tornam a estrutura de incentivos das empresas coerentes e consistentes entre si. Assim, as externalidades (os efeitos das decisões de um agente econômico sobre os demais) podem ser internalizadas. A ideia é criar um conjunto de regras que possa reduzir a contribuição de cada instituição para aumentos no risco sistêmico. Esse conjunto de medidas tende a suavizar o ciclo financeiro, ou seja, reduz o risco sistêmico que inerentemente se acumula em booms, e que tem consequências nefastas nos estouros dessas bolhas, pois a alavancagem, a tomada de riscos, o crédito e os preços dos ativos são pró-cíclicos e as crises normalmente sucedem os booms acentuados.
Refletindo dois tipos distintos de riscos macrofinanceiros, os instrumentos macroprudenciais possuem uma dimensão no tempo e uma dimensão de secção-transversal ("cross-section"). Quando o comportamento sistêmico ao longo do tempo é considerado, a questão chave é como os riscos podem ser amplificados por interações dentro do sistema financeiro e entre o sistema financeiro e a economia real. Por sua vez, a dimensão da secção transversal se refere à exposição comum das instituições em cada ponto no tempo. A simples correlacão entre preços de ativos, ou as relações entre contrapartes, podem criar tal ligação entre as instituições financeiras.
Na dimensão temporal, a política monetária e os instrumentos macroprudenciais são claramente complementares para reduzir a pró-ciclicidade na economia. No entanto, a calibragem conjunta pode ser menos óbvia no caso da regulação macroprudencial lidando com a dimensão secção-transversal, onde a calibragem é melhor realizada numa abordagem de cima para baixo.


Como regra geral, a integração da política monetária com a regulação macroprudencial deve reter alguma divisão de trabalho, mesmo quando a conjugação é o melhor caminho. O ajuste fino via política monetária deve ser favorecido quando problemas de estabilidade são de natureza mais homogênea e reversível. Além disso, os instrumentos macroprudenciais tendem a exigir mais em termos de defasagens e de custos de transação para as instituições financeiras. Ou ainda, os movimentos nos juros de curto prazo são mais rápidos, mais simples e mais fácil de comunicar com o público em geral.
Em terceiro lugar, comparativamente aos ciclos de preços de ativos puramente domésticos, os fluxos de capitais internacionais e a transmissão potencial das bolhas de preços de ativos impõem camadas adicionais de complexidade? A resposta é sim e está fundamentada em evidência esmagadora. As políticas de gestão de fluxos de capital fazem parte da caixa de ferramentas para enfrentar os riscos de vulnerabilidades macrofinanceiras. Este é particularmente o caso das economias sujeitas aos transbordamentos significativos dos ciclos de preços de ativos e das políticas monetárias de outros países, em especial quando as políticas macroprudencial, monetária e fiscal são insuficientes para mitigar tais impactos. No entanto, dada a vida curta dos controles de capitais, e em geralmente sua baixa efetividade, convém explorar as políticas mais convencionais antes de se considerar esta ferramenta.
A crise financeira mundial abalou a confiança de muitos princípios estabelecidos na gestão da política monetária e da supervisão financeira, incluindo a ideia de que as duas deveriam manter-se separadas. Contudo, para tornar-se um casamento de sucesso sua união deve estar sujeita a constante calibração e elaboração.
*Canuto, Otaviano e Matheus Cavallari. 2013. "Monetary Policy and Macroprudential Regulation: Whither Emerging Markets." World Bank Policy Research Working Paper 6310, Washington, DC.

Otaviano Canuto é conselheiro sênior para Brics no Banco Mundial e foi vice-presidente e chefe da Network de Política Econômica e Redução da Pobreza na mesma instituição
Matheus Cavallari trabalha na Network de Política Econômica e Redução da Pobreza no Banco Mundial.




 
 

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