terça-feira, 21 de maio de 2013

BC vira regulador do mercado de cartões

 

Por Felipe Marques, Mônica Izaguirre e Murilo Rodrigues Alves | De São Paulo e Brasília - Valor 21/05
 
O Banco Central (BC) passou ontem a ser, oficialmente, o "xerife" de todos os agentes do mercado de pagamentos eletrônicos e não apenas dos bancos. A Medida Provisória nº 615, publicada no Diário Oficial da União, deu poder à autoridade monetária para regulamentar e fiscalizar, entre outras, empresas como as bandeiras de cartões (Visa e MasterCard, por exemplo) ou as credenciadoras de pagamentos eletrônicos (como Cielo e Redecard). Paralelamente, a MP também lançou as primeiras bases legais para o desenvolvimento dos pagamentos móveis, via dispositivos como o celular.
"Faltava ao BC esse mandato legal de regulamentar o setor de credenciamento de lojistas", afirmou o diretor de política monetária do Banco Central (BC), Aldo Mendes, em entrevista coletiva sobre a medida. "Havia uma assimetria de regulamentação. Com a MP, o BC normatiza não apenas um lado do mercado [as instituições financeiras que emitem os cartões]."
A própria autoridade monetária já havia sinalizado, no ano passado, que ampliaria o escopo de sua supervisão sobre o setor de cartões. A questão agora é quão profunda será a interferência do BC nesse mercado. Em 180 dias, o Conselho Monetário Nacional (CMN) deve publicar a regulamentação da medida, podendo realizar consulta pública sobre os atos normativos que serão editados. O Congresso tem até 120 dias para apreciar uma MP.
Segundo Mendes, a autoridade vai encaminhar uma proposta ao CMN definindo quais arranjos de pagamento têm importância sistêmica e, portanto, serão regulados pelo BC. Por "arranjos de pagamentos", entenda-se a série de procedimentos montados entre bancos emissores de cartões, bandeiras, credenciadores, lojistas e consumidores que regem o funcionamento do mercado de pagamentos eletrônicos.
Mendes afirmou que em alguns desses "arranjos", não é necessária uma regulação tão pesada. É o caso, por exemplo, dos cartões de lojas ("private label", em inglês) e as moedas sociais, situações em que não há importância sistêmica. "São meios restritos a um ambiente pequeno", afirmou.
Com os poderes que ganhou na medida, o BC poderá, se julgar necessário, regular também atuação de operadoras de telefonia em pagamentos eletrônicos, as empresas que oferecem vales-refeições e outras companhias não-financeiras que atuam em cartões, como as administradoras de cartões pré-pagos.
Isso significa que a autoridade passa a ser capaz de aprofundar a abertura do mercado de cartões, iniciada em 2010, com o fim das exclusividades de captura entre Cielo/Visa e Redecard/MasterCard. Em outubro do ano passado, o próprio Aldo Mendes pressionou pelo fim dos acordos exclusivos de captura remanescentes entre credenciadoras e empresas de vale-alimentação. Hoje, por exemplo, os vales da Alelo (antiga Visa Vale) só são capturados pela Cielo. A MP também dá poderes para que o BC possa intervir sobre taxas como as que as credenciadoras cobram de lojistas, entre outras tarifas.
A MP 615 também muda a regulamentação do sistema de pagamentos brasileiro para incluir oficialmente a possibilidade de empresas de telecomunicações oferecerem serviços de "mobile payment" (pagamentos por meio de dispositivos móveis, como celulares). As quatro maiores operadoras de telefonia do país já têm algum tipo de produto na área de pagamentos móveis, seja cartão de crédito ou pré-pago. Claro, Tim e Oi têm parcerias com bancos. Já a Vivo /Telefônica tem com a Mastercard uma "joint-venture".
Segundo o texto da medida, o BC, o CMN, o Ministério das Comunicações e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) serão responsáveis por "adotar medidas de incentivo ao desenvolvimento de arranjos de pagamento que utilizem terminais de acesso aos serviços de telecomunicações de propriedade do usuário". O objetivo da autoridade, expresso na medida, é avançar no processo de inclusão financeira no Brasil.
O Ministério das Comunicações reforçou essa meta. O secretário de telecomunicações da pasta, Maximiliano Martinhão, disse, em entrevista coletiva, que a intenção do governo é usar a capilaridade das empresas do setor para ampliar a oferta de serviços financeiros a uma parte da população brasileira que não tem acesso a bancos. "Essa é uma agenda importante para o país porque permitirá que um número grande de pessoas alheias ao sistema financeiro possa ter acesso a meios de pagamentos eletrônicos", afirmou.
O secretário avaliou que a população brasileira está preparada para essa tecnologia. Os pagamentos via celulares, segundo ele, serão tão fáceis como enviar um SMS. Atualmente, são enviados 260 milhões de SMS por dia, segundo Martinhão.
Mendes, do BC, reforçou que a MP permite que empresas não-financeiras façam parte do universo de pagamentos móveis. Tanto que a medida cria a "conta de pagamento móvel", que será uma espécie de conta corrente eletrônica para os clientes de pagamentos móveis. As tais "contas de pagamento" não se confundem com contas bancárias e não dependem delas para ser abertas junto a instituições que vão tornar disponível o novo serviço. O dinheiro depositado nessas contas eletrônicas será apartado dos ativos próprios da empresa, não podendo ser oferecido em garantia de nenhuma operação e ficando fora da massa falida em caso de liquidação.
Não há ainda previsão de uma garantia individual aos portadores da "contas de pagamento". Em princípio, elas não são cobertas pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC) porque não são contas bancárias, mas o BC estuda maneiras de criar tais seguranças.

Cidadania não é consumo

 

Por José Garcez Ghirardi - Valor 21/05


Os sorrisos de Camila Pitanga e de Ronaldo Gianecchini nos comerciais da Caixa e do Banco do Brasil, respectivamente, abriram caminho para a notícia de que os dois bancos superaram, com lucros recordes, seus rivais privados em 2012. A conjunção de apelo popular e dirigismo econômico não é acidente e ilustra uma das escolhas políticas mais decisivas da gestão da presidente Dilma Rousseff.
Acreditando que a fórmula para avançar na agenda social sem desagradar os mercados é criar um país de classe média ("no mínimo", para usarmos os termos da presidente), o governo tem abraçado a ideia de inclusão via consumo. Críticas a esse modelo são sumariamente rechaçadas como fruto de ressentimento ou de má-vontade. Mas é preciso ter a coragem de fazê-las porque as contradições entre as demandas muitas diversas de inclusão e consumo, silenciadas neste momento, ameaçam a qualidade de vida futura de todos os brasileiros. E o que é pior: arriscam fragilizar, de modo particularmente cruel, justamente aqueles grupos mais vulneráveis, tornando efêmeras as conquistas atuais.
É preciso deixar claro, em primeiro lugar, que há vários modelos de países de classe média - a Suécia, a Austrália e o Canadá, são exemplos dessas diferentes versões - e várias formas de se pensar a relação entre consumo e bem estar social, assim como há vários modos de construir a regulação que tal relação solicita do Estado. Dizer "país de classe média" não significa dizer, portanto, sociedade justa ou funcional, nem tampouco primazia do interesse coletivo.


No que tange aos pressupostos dessa premissa, não está dado que a expansão do consumo leve necessariamente à inclusão - a história recente dos Estados Unidos tem algo a nos ensinar nesse ponto. No que tange a questões mais diretamente econômicas - a pressão inflacionária, o crescente endividamento familiar, a fragilização estrutural do setor produtivo, apenas para citarmos alguns exemplos - não está dado que o modelo atual seja sustentável.
Além disso, e de modo mais grave, há uma diferença crucial entre estimular o consumo e referendar a lógica do consumismo - diferença que o atual paradigma de gestão parece desconsiderar. No primeiro caso, a ampliação do poder aquisitivo é objetivo atrelado à consolidação e melhoria dos bens coletivos. No segundo, há um sucateamento desses mesmos bens e uma ampliação dos espaços privados e individuais de consumo.
A recente opção do governo em relação à industria automotiva ilustra bem as implicações que resultam de uma escolha pelo segundo modelo. A agressiva ação governamental para que cada um adquirisse seu carro - por meio da longa e repetida redução de IPI e pela expansão do crédito- tornou mais evidente, pelo contraste, a timidez das iniciativas para efetivamente melhorar e ampliar a qualidade do transporte público.
A mensagem implícita é a de que o transporte é, em primeiro lugar, um problema individual e apenas residualmente um problema coletivo. Dentro dessa lógica, o melhor modo de saná-lo é transferir recursos (via crédito mais barato ou renúncia fiscal, por exemplo) para que cada um cuide do seu. O uso de ônibus, metrô e trem vai se tornando índice de falta de opção e não do seu oposto.
Esses meios coletivos de transporte atendem, em regra, àqueles que não podem adquirir seu veículo e, assim, livrar-se do desrespeito quotidiano de ter que submeter-se a condições muitas vezes desumanas para chegar ao trabalho e à casa. No processo, a qualidade geral de vida decai, e a locomoção nas cidades se torna cada vez mais lenta e cada vez mais desgastante.
O argumento do emprego que é tantas vezes utilizado para justificar tal opção, apenas confirma a tendência do consumismo de remediar o presente às custas do futuro. A manutenção e a ampliação sustentável do emprego, em médio e longo prazo, solicitam políticas mais complexas de inovação tecnológica e de qualificação profissional que não combinam com o afã imediatista do consumismo e do ganho político - sobretudo quando os próprios governantes tendem a absolutizar o hoje e a minimizar a importância de ajustes estruturais pregressos. Para quem promove esta agenda, a deterioração das cidades, o aumento dos custos mais básicos do dia a dia e o ataque ao meio-ambiente são secundários ao apoio político passageiro e ao fetiche da propriedade individual, em um movimento que revela o quanto têm em comum os imediatismos gêmeos do populismo e do lucro.
O trânsito, como já se apontou, é uma dos indicadores mais precisos para revelar as opções de fundo feitas pelas sociedades e seus governantes. A dinâmica quotidiana do transporte público espelha, sem disfarces, o desenho e a qualidade da convivência democrática nos espaços político e social. Viajando lado a lado, indivíduos com histórias, condições e interesses divergentes percebem que têm que saber construir juntos algo que sirva efetivamente a todos. Percebem que esta opção prevê regras de conduta e de cooperação, de respeito à diferença, de busca de aperfeiçoamento do que é coletivo, de zelo pelo que é patrimônio comum. Eles podem optar pela tarefa difícil de construir este espaço comum ou podem priorizar resoluções de cunho individual.
Se a alegoria do trânsito nos ajuda a refletir sobre questões mais amplas, a imagem que temos do país a partir da circulação nas ruas preocupa, e muito. Ela indica uma sociedade em que o individualismo consumista ganha força, em que o diálogo democrático se empobrece e em que grupos específicos têm excessiva capacidade de pressão junto ao governo, sendo capazes de impor agendas corporativas e de retardar agendas genuinamente coletivas. O legítimo desejo do país de ser uma nova potência, deve começar pela opção de ser uma potência nova. Isto requer criatividade e coragem para contrapor-se à lógica reinante que fomenta o reducionismo perverso de confundir consumo e cidadania.

José Garcez Ghirardi é professor da Direito GV/SP



 
http://www.valor.com.br/opiniao/3131566/cidadania-nao-e-consumo#ixzz2Tx1yEktE
 

Cresce temor na Ásia de uma ampla desaceleração


 

Por Jeremy Grant | Financial Times, de Cingapura




A economia tailandesa cresceu mais lentamente do que o esperado nos primeiros três meses deste ano, somando-se a uma enorme série recente de dados decepcionantes sobre as economias asiáticas. Eles projetaram uma sombra sobre as perspectivas para uma das regiões que mais crescem no mundo.
A economia tailandesa cresceu 5,3% em relação ao mesmo trimestre do ano passado, mas teve contração de 2,2%, em percentual ajustado pela sazonalidade, em relação ao trimestre anterior.
O crescimento menor foi o resultado de fraca demanda da China, dos Estados Unidos e da zona do euro, bem como de um baht (a moeda tailandesa) valorizado, que apenas recentemente caiu em relação a uma cotação recorde em 16 anos, o que vem prejudicando as exportações.
Essa desaceleração está ocorrendo após um surto de expansão em 2012, quando a economia do país recuperou-se das enchentes devastadoras de 2011.
Os dados tailandeses foram divulgados num momento em que as exportações de muitas economias asiáticas estão desacelerando. O crescimento da China caiu para uma taxa anual de 7,7% no primeiro trimestre deste ano. Coreia do Sul, Indonésia, Taiwan, Malásia e Cingapura também reportaram, todos, um crescimento econômico mais lento nas últimas semanas.
"O quadro geral [desenhado pelos dados econômicos] é que a Ásia está esfriando, e essa tendência está sendo puxada pelo setor exportador", afirmou Daniel Martin, economista para Ásia na consultoria Capital Economics, em Cingapura.
O Japão, onde um novo governo e um novo presidente do banco central têm feito o máximo para estimular o crescimento, está dando alguma esperança à região (leia texto abaixo). Na semana passada, o governo disse que sua economia japonesa cresceu a uma taxa anual de 3,5% nos primeiros três meses deste ano. O primeiro-ministro, Shinzo Abe, também estabeleceu uma série de novas metas para tentar garantir o retorno do crescimento no longo prazo na segunda maior economia da Ásia.
Entretanto, para algumas economias do Sudeste Asiático, a política econômica de Abe no Japão representa uma faca de dois gumes, tendo em vista a enorme flexibilização monetária promovida pelo Banco do Japão (o BC japonês) como parte de sua guerra contra a deflação.
São grandes as preocupações de que o excesso de ienes contagie os mercados emergentes na Ásia, ameaçando criar bolhas de ativos. Os japoneses foram compradores líquidos de títulos estrangeiros nas três semanas até 11 de maio, segundo os dados disponíveis mais recentes.
Apesar dos sinais de desaceleração em vários países, muitos economistas continuam otimistas quanto às perspectivas de crescimento na Ásia.
"Os dados recentes têm se revelado de modo geral mais fracos do que esperava a maioria dos analistas, mas em minha opinião isso se deve ao fato de que as expectativas estavam exageradamente altas", disse Mark Williams, da Capital Economics.
"Para a Tailândia e a Malásia, por exemplo, foram fatores de curta duração que provocaram as altas taxas de crescimento recentes. Como esses fatores desapareceram, o crescimento abrandou. Mas a Tailândia e a Malásia ainda deverão crescer 4% ou 5% neste ano, o que não seria um resultado ruim, em relação ao pano de fundo de uma desaquecida economia mundial", afirmou Williams.
Na semana passada, a Malásia relatou seu mais lento ritmo de expansão desde o terceiro trimestre de 2009 e o crescimento da Indonésia no primeiro trimestre caiu para 6%, ano sobre ano.



 

Salários crescem na China, apesar de expansão menor

 

Por Tom Orlik | The Wall Street Journal, de Pequim
 
A China está registrando um rápido aumento nos salários e há indícios de que o ritmo das contratações está resistindo à desaceleração do crescimento, sinais animadores para um governo que vem tentando colocar mais dinheiro no bolso dos cidadãos. Mas essa tendência pode ser difícil de ser mantida diante da ameaça dos países vizinhos ao predomínio da China no setor de manufatura.
Os salários no setor privado da China subiram 14% em 2012, segundo dados divulgados na semana passada, uma boa notícia para a iniciativa do governo de dar ao consumo interno um papel mais importante no crescimento. Mas os custos mais altos da mão de obra também prejudicam os lucros das empresas e a competitividade das exportações chinesas - o que poderia acabar ameaçando a própria recuperação da economia.
Países como Bangladesh, Camboja e Vietnã vêm fortalecendo seus setores de vestuário para atrair varejistas mundiais que procuram por alternativas à China.


A Crystal Group, que fabrica roupas para Marks & Spencer, Abercrombie & Fitch e Gap, afirma que mais do que triplicou a sua força de trabalho no Vietnã nos últimos três anos, mas aumentou só um pouco a da China. "Para nós, é uma simples questão de economia", diz Andrew Lo, diretor-presidente da empresa, que é sediada em Hong Kong, já que se tornou mais caro produzir camisetas e jeans básicos na China.
O aumento de 14% nos salários dos trabalhadores do setor privado em 2012, divulgado pela Agência Nacional de Estatísticas da China na semana passada, foi maior que o de 12,3% registrado em 2011. Já o crescimento econômico anual caiu de 9,3% em 2011 para 7,8% em no ano passado.
Uma onda recente de acidentes, inclusive o desabamento de um edifício de fábricas têxteis em Bangladesh que matou mais de 1.100 pessoas, renovou a atenção sobre o deslocamento da produção à medida que os custos sobem na China. Alguns especialistas dizem que os receios de que os custos na China estejam tirando a liderança do país no setor de manufatura podem ser exagerados. Uma cadeia de produção interligada, infraestrutura desenvolvida e acesso ao próprio mercado chinês ajudariam o país a manter essa liderança.
No geral, a maioria dos fabricantes que opera na China continua lucrando, ainda que suas margens tenham diminuído, diz Nigel Knight, que chefia as atividades de consultoria da Ernst & Young na região da China. "Não vejo uma debandada geral", afirma Knight. "Os fundamentos lógicos da estratégia de se fabricar na China ainda são muito fortes."
Enquanto isso, a criação de empregos e os aumentos de salários são a prioridade dos líderes chineses. No passado, um crescimento econômico acelerado era visto como essencial para criar oportunidades de trabalho suficientes para uma força de trabalho em crescimento. Numa visita esta semana a Tianjin, uma cidade no norte do país, o líder máximo da China, o presidente Xi Jinping, deu mostras do contínuo foco no emprego ao visitar um centro de qualificação e prometer melhorias nos serviços para aqueles que estão procurando trabalho.
A força contínua do mercado de trabalho indica que a China pode agora criar empregos suficientes para sustentar a estabilidade social com um ritmo de crescimento substancialmente menor. "O mercado de trabalho robusto significa que há menos necessidade de medidas de estímulo de curto prazo", disse Louis Kuijs, economista do banco RBS.
Grandes aumentos de salários também ajudam a reequilibrar a economia da China, um dos principais objetivos do novo governo. Com os salários subindo a um ritmo mais rápido que o resto da economia, cresce a fatia do bolo que cabe às famílias. O governo espera que isso gere altos níveis de consumo, ajudando a economia a se livrar da dependência das exportações e dos investimentos para crescer.
Os custos crescentes da manufatura na China foram uma das razões que levaram a firma de investimento em participações Grumman Hill Group a decidir colocar a fabricante de calçados Aerosoles à venda neste ano, segundo disse uma pessoa a par do assunto. A empresa de calçados, que tem sede no Estado de Nova Jersey, fabrica praticamente todos os seus produtos na China, mas a inflação dos salários lá estava pressionando as margens, disse a pessoa.
Os salários no setor industrial da China subiram 71% desde 2008, segundo a Agência Nacional de Estatísticas. Melhorias na produtividade do trabalho, que o Banco Mundial estima estar crescendo cerca de 8,3% ao ano, anularam parte, mas não todo, o custo com aumento de salários.
Um executivo da Guangdong Sunrise Houseware Corp., um fabricante de utensílios de cozinha para exportação, disse no ano passado que os custos com mão de obra saltaram pelo menos 30%. "Temos mais de 600 empregados, muitos dos quais saíram no ano passado", afirmou ele. "Quando você contrata pessoas novas, você descobre que o salário médio já aumentou."
Com este fenômeno se reproduzindo em fábricas por toda a China, os lucros da indústria diminuíram durante boa parte de 2012. O aumento das exportações caiu de 20,3%, em 2011, para 7,9%, à medida que empresas chinesas perdiam na concorrência com o Vietnã e outros países de baixo custo. Isso sugere que os líderes da China estão diante da difícil escolha: ou manter a tendência de alta dos salários para impulsionar o consumo doméstico, ou controlar os custos dos fabricantes, que criam tantos empregos no país.
Outros dados mostram sinais de que a força dos salários se prolongou por este ano, apesar da diminuição do crescimento econômico. Dados fornecidos ao "The Wall Street Journal" pela Zhaopin.com, uma das maiores websites de recrutamento da China, indica que o total de empregos anunciados aumentou 24,65% em abril, comparado com o mesmo mês de 2012. Ao mesmo tempo, números do governo mostram que a demanda por trabalhadores superou a oferta numa proporção recorde no primeiro trimestre.
Um trabalhador migrante de Wuhan, no centro da China, que se identificou pelo sobrenome Chang, é um dos que se beneficiaram. Em fevereiro, ele pediu as contas de seu emprego numa fábrica de autopeças em Shenzhen, no sul do país, porque não estava satisfeito com o salário mensal de 2.800 yuans (cerca de US$ 455). Em abril, depois de ter passado um mês procurando, ele arrumou um novo emprego numa fabricante de capas para celulares, ganhando 4.200 yuans por mês. "Eu não estava tão ansioso para encontrar um emprego, então demorou algum tempo", afirmou Chang.
Nem todos os indicadores recentes do mercado de trabalho chinês são positivos. O índice oficial de gerentes de compra da China, e um dado semelhante divulgado pelo HSBC Holdings e pela firma de pesquisas de mercado Markit Economics, mostram que algumas fábricas demitiram em abril.
Um porta-voz do Zhaopin.com também disse que há sinais de que as contratações estão perdendo força neste segundo trimestre. "Muitas empresas estão pessimistas quanto ao mercado chinês em 2013, e isso vem se refletindo nos planos de contratação", afirmou o porta-voz do website, "depois de um pico de contratações no primeiro trimestre, a confiança diminuiu um pouco".
"Até agora não vimos as taxas de desemprego subirem, e os setores imobiliário, de infraestrutura e o de serviços estão alimentando uma forte criação de empregos", disse Haibin Zhu, economista do banco J.P. Morgan para a China. "Mas o aumento dos salários não pode se sustentar sem o aumento dos lucros. Se o setor empresarial continuar fraco, será difícil sustentar um rápido aumento dos salários."



 
 

Confiança, confiança e confiança

 

Por Antonio Delfim Netto - Valor 21/05
 
Durante muitos anos o excelente colégio Dante Alighieri cultivou uma interessante reunião anual, a "Jornada das Profissões", que ocupava a manhã de um sábado. Elas antecediam o momento da escolha das carreiras pelos seus alunos. Participavam alguns professores que expunham as excelências de suas disciplinas na construção de uma vida bem realizada e capaz de proporcionar os meios materiais para poder gozá-la. A professora Ilda Loschiavo honrou-me muitas vezes com convites para tais tertúlias. Punham-nos diante de uma plateia de jovens atentos (menos de 17 anos). Alguns, arguidores excepcionais que se tornavam objeto da atração de todos os expositores para convertê-los à sua própria profissão.

A tarefa para um economista era ingrata. Tinha de competir com as promessas de outras disciplinas sociais que expunham, com extrema competência e elegância uma nova organização social, onde as injustiças do "capitalismo" seriam eliminadas e um homem "novo", basicamente altruísta, se realizaria plenamente. A "escolha" da profissão não era, portanto, um problema de menor importância. A concorrência mais dura era com as ciências exatas (física, química, biologia) e com a matemática, cuja sedução é conhecida.

Ingrata, mas com alguma vantagem. A economia desenvolveu um ar de "ciência" com modelos formalizados matematicamente que eram um atrativo para jovens mais ambiciosos e talentosos. A nossa "conversa" começava defensiva e conservadora: 1º) o homem só realiza plenamente a sua humanidade no exercício de sua atividade natural, o trabalho criativo. É este que estimula da melhor forma possível a explicitação dos diferentes talentos e das habilidades que cada um de nós carrega dentro de si; 2º) cada um de nós será inserido numa estrutura social produtiva historicamente construída quase por seleção natural no sentido de mais liberdade e igualdade; e 3º) mas essa mudança é lenta de forma que a escolha é importante, porque deverá proporcionar-lhe os recursos materiais para uma vida confortável.
Mas como mostrar o interesse do conhecimento da economia para um conjunto de jovens para os quais um mundo encantado aparece "pronto" nas vitrines das lojas e ao qual eles têm acesso graças às rendas de seus pais? Como desencantar esse mundo? Fazendo uma pergunta ingênua: "Vocês sabem como esse lápis que têm à mão foi parar aí?" Ele começou a ser produzido há 20 anos quando alguém plantou uma árvore na Malásia para atender a um pedido de alguém na Alemanha que, "descobriu" que juntando madeira e grafite poderia fazer um conveniente e limpo instrumento de escrita.

Que misteriosas forças se juntaram para que esse lápis fosse produzido? Que agentes e que interesses tiveram de ser mobilizados? A resposta simples, aparentemente ingênua e preliminar do "descobridor" da economia, Adam Smith (1723-1790), é que uma espécie de "mão invisível" (o lucro do plantador da Malásia, do transportador da madeira, do produtor do grafite, do produtor do lápis, da loja que o vendeu) produziu uma "coordenação" no tempo e no espaço dessa longa cadeia de atividade, que transformou uma árvore plantada na Malásia há 20 anos, num pequeno lápis que hoje está aqui nas suas mãos, na Alameda Jaú, em São Paulo!

O motivo de tudo é o "incentivo" apropriado por agentes anônimos. O "mistério" que a economia tenta explicar é como esses incentivos são traduzidos em suas ações práticas de oferta e procura em "mercados" que emergem espontaneamente organizados da interação entre todos eles. Adam Smith mostrou em 1759, na "Teoria dos Sentimentos Morais", e em 1776, na "Riqueza das Nações', que todo esse complexo sistema de relações está apoiado num fato fundamental: a existência da "confiança" entre os agentes. Na relativa certeza de que cada um cumprirá as suas promessas (os seus contratos) porque é do seu interesse. Se a confiança diminuiu os agentes deixam de responder aos estímulos, os mercados se degradam e o nível de atividade se reduz.

Essa lição era tão válida então quanto é hoje. Alguém pode ter qualquer dúvida que a grande depressão dos anos 30 do século passado e a grande recessão de 2008 foram casos absolutamente evidentes dos efeitos mortais da quebra generalizada da "confiança" entre os agentes econômicos?
O Brasil vive hoje uma relação desconfortável de desconfiança mútua entre o setor privado e o governo. O mesmo ocorre, aliás, com as relações entre o Executivo e sua base no Congresso em atritos de comunicação que não levam a nada. No Congresso toda proposição (que não fira as cláusulas pétreas da Constituição) é aceitável. Ele é o palco de todos os interesses que podem ser publicamente explicitados. A legitimidade da proposta é o Congresso que julga, mas o seu interesse nacional espera-se que seja o poder incumbente quem defina. A arbitragem final é o "veto", que pode ser aceito ou rejeitado.

No Congresso, também, é a "confiança" que permite o seu funcionamento. Ele tem as suas leis: 1º) com relação ao voto não há arrependimento; 2º) ninguém pode pedir "explicação" para o voto do outro; e 3º) a palavra vale: o que é acordado entre o governo por seus representantes e a oposição deve ser respeitado ou haverá uma paralisia crescente do processo legislativo.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.



 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Caçando bolhas

 

Por Otaviano Canuto e Matheus Cavallari - Valor 16/05
 
A crise financeira global e os eventos que a geraram nos deram, entre outras, uma lição definitiva: "Não há espaço para complacência em relação a booms nos preços de ativos". Sabemos dos custos expressivos das bolhas quando estouram e, portanto, os gestores de política monetária não podem observar passivamente a evolução desses preços. Nesse sentido, para que uma economia apresente tanto estabilidade macroeconômica quanto financeira, há que ocorrer coordenação entre política monetária e supervisão financeira, de forma a garantir que elas sejam complementares e implementadas de forma articulada.
Em um recente estudo sobre regulação macroprudencial, política monetária e preços de ativos, discutimos algumas das perguntas frequentemente feitas sobre como conjugar seu uso (Canuto e Cavallari, 2013)*.
Primeiro, deveriam os gestores de política monetária considerar os preços dos ativos, juntamente com os desvios da inflação em relação a metas ao tomar decisões sobre as taxas de juros? Eles deveriam elevar as taxas de juros para estourar bolhas antes que elas inflem completamente? Há um consenso crescente em torno da ideia de que as bolhas sustentadas em crédito (por exemplo, imóveis nos EUA) devem ser diferenciadas das demais, pois elas usualmente se fazem acompanhar por crises sistêmicas, enquanto as demais em geral possuem impactos mais limitados. Interessante notar que a regulação macroprudencial fornece instrumentos mais específicos para lidar com várias situações.

Segundo, o que é a regulação macroprudencial, e por que ela deve ser coordenada com a política monetária? Regulação macroprudencial envolve a formulação de regras que tornam a estrutura de incentivos das empresas coerentes e consistentes entre si. Assim, as externalidades (os efeitos das decisões de um agente econômico sobre os demais) podem ser internalizadas. A ideia é criar um conjunto de regras que possa reduzir a contribuição de cada instituição para aumentos no risco sistêmico. Esse conjunto de medidas tende a suavizar o ciclo financeiro, ou seja, reduz o risco sistêmico que inerentemente se acumula em booms, e que tem consequências nefastas nos estouros dessas bolhas, pois a alavancagem, a tomada de riscos, o crédito e os preços dos ativos são pró-cíclicos e as crises normalmente sucedem os booms acentuados.
Refletindo dois tipos distintos de riscos macrofinanceiros, os instrumentos macroprudenciais possuem uma dimensão no tempo e uma dimensão de secção-transversal ("cross-section"). Quando o comportamento sistêmico ao longo do tempo é considerado, a questão chave é como os riscos podem ser amplificados por interações dentro do sistema financeiro e entre o sistema financeiro e a economia real. Por sua vez, a dimensão da secção transversal se refere à exposição comum das instituições em cada ponto no tempo. A simples correlacão entre preços de ativos, ou as relações entre contrapartes, podem criar tal ligação entre as instituições financeiras.
Na dimensão temporal, a política monetária e os instrumentos macroprudenciais são claramente complementares para reduzir a pró-ciclicidade na economia. No entanto, a calibragem conjunta pode ser menos óbvia no caso da regulação macroprudencial lidando com a dimensão secção-transversal, onde a calibragem é melhor realizada numa abordagem de cima para baixo.


Como regra geral, a integração da política monetária com a regulação macroprudencial deve reter alguma divisão de trabalho, mesmo quando a conjugação é o melhor caminho. O ajuste fino via política monetária deve ser favorecido quando problemas de estabilidade são de natureza mais homogênea e reversível. Além disso, os instrumentos macroprudenciais tendem a exigir mais em termos de defasagens e de custos de transação para as instituições financeiras. Ou ainda, os movimentos nos juros de curto prazo são mais rápidos, mais simples e mais fácil de comunicar com o público em geral.
Em terceiro lugar, comparativamente aos ciclos de preços de ativos puramente domésticos, os fluxos de capitais internacionais e a transmissão potencial das bolhas de preços de ativos impõem camadas adicionais de complexidade? A resposta é sim e está fundamentada em evidência esmagadora. As políticas de gestão de fluxos de capital fazem parte da caixa de ferramentas para enfrentar os riscos de vulnerabilidades macrofinanceiras. Este é particularmente o caso das economias sujeitas aos transbordamentos significativos dos ciclos de preços de ativos e das políticas monetárias de outros países, em especial quando as políticas macroprudencial, monetária e fiscal são insuficientes para mitigar tais impactos. No entanto, dada a vida curta dos controles de capitais, e em geralmente sua baixa efetividade, convém explorar as políticas mais convencionais antes de se considerar esta ferramenta.
A crise financeira mundial abalou a confiança de muitos princípios estabelecidos na gestão da política monetária e da supervisão financeira, incluindo a ideia de que as duas deveriam manter-se separadas. Contudo, para tornar-se um casamento de sucesso sua união deve estar sujeita a constante calibração e elaboração.
*Canuto, Otaviano e Matheus Cavallari. 2013. "Monetary Policy and Macroprudential Regulation: Whither Emerging Markets." World Bank Policy Research Working Paper 6310, Washington, DC.

Otaviano Canuto é conselheiro sênior para Brics no Banco Mundial e foi vice-presidente e chefe da Network de Política Econômica e Redução da Pobreza na mesma instituição
Matheus Cavallari trabalha na Network de Política Econômica e Redução da Pobreza no Banco Mundial.




 
 

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Tombini e o cambio


Por Cristiano Romero - Valor 15/05

Está claro que, do ponto de vista do controle da inflação, o principal equívoco da política econômica em 2012 foi ter forçado a desvalorização do real. Pelas contas do Banco Central (BC), mencionadas no Relatório de Inflação de março, entre fevereiro, mês em que a taxa média mensal de câmbio atingiu o vale, e junho do ano passado, a depreciação alcançou 19,3%.
O repasse da desvalorização aos preços respondeu por 0,6 ponto percentual do IPCA em 2012. O câmbio foi responsável, portanto, por 10,2% da variação da inflação. Grosso modo, se o governo não tivesse forçado a depreciação do real frente ao dólar, o IPCA poderia ter fechado o ano em 5,2% e não em 5,84%.
O câmbio pode ter acentuado um fator exógeno (fora do controle da autoridade monetária) na segunda metade do ano: os choques de oferta de produtos agrícolas. Com a forte queda da inflação em 12 meses entre setembro de 2011 e junho de 2012, o BC vinha conseguindo melhorar as expectativas dos agentes econômicos. Em julho, com o início dos choques, o IPCA voltou a subir e as expectativas se deterioraram novamente.


No fim do ano, quando ficou claro que um dos fatores de resistência da inflação era justamente o câmbio e que havia a percepção por parte do mercado de que o governo promoveria novas rodadas de desvalorização do real, o BC mudou a política. Primeiro, reverteu um pouco a depreciação ocorrida em novembro e dezembro e, depois, sinalizou que não deixaria o dólar correr muito acima de R$ 2,00.
Na prática, o BC mostrou ao restante do governo que foi e é um equívoco forçar a desvalorização do real, especialmente no momento em que o IPCA está pressionado por várias razões. É importante entender esse aspecto para saber o que esperar do Banco Central daqui em diante.
Desde quando era diretor de Normas, o presidente do BC, Alexandre Tombini, tinha em mente a agenda do juro baixo. No auge da crise de 2008, poucos dias após a quebra do banco Lehman Brothers, propôs, durante reunião extraordinária da diretoria num domingo em São Paulo, corte significativo da taxa Selic. Foi voto vencido.
Tombini sempre se preocupou com o efeito da desvalorização do real sobre os preços. Sua inquietação é com a taxa de juros: com a inflação pressionada, fica mais difícil diminuir o custo do dinheiro. Ainda nos tempos em que era diretor, nos momentos de depreciação abrupta da moeda nacional ele defendeu ação do BC para reverter o processo. No comando da instituição, manteve o câmbio apreciado durante o primeiro ano de sua gestão.
Em julho de 2011, a taxa de câmbio efetiva real, que leva em conta o peso relativo de cada parceiro comercial do país e a respectiva taxa de câmbio, atingiu o menor valor em 16 anos. Só não foi menor que a de abril de 1997, período do câmbio quase-fixo. Considerando junho de 1994 como base 100 (ou R$ 2,00), a taxa de câmbio efetiva real, que ontem fechou em R$ 2,02, estava em R$ 1,86 em julho de 2011.
No segundo semestre de 2011, o Ministério da Fazenda começou a adotar medidas para desestimular a entrada de capitais de curto prazo no país. Em 2012, passou a pressionar o BC para deixar a moeda se desvalorizar frente ao dólar.
Tombini, claro, se preocupa com os efeitos do "vento de cauda" ("tail wind", na expressão em inglês), provocado por fortes fluxos de capitais originados por políticas de afrouxamento monetário nas economias avançadas. A expressão "tail wind" é usada na aviação para designar os ventos de cauda que aumentam a velocidade do avião. No caso da economia, os fluxos de capitais geram elevação excessiva na oferta de crédito e, assim, fomentam desequilíbrios e pressionam a inflação.
O remédio usado pelo BC para enfrentar o problema em 2011 foram as chamadas medidas macroprudenciais - exigência de maior requerimento de capital em operações de crédito com funding externo, além de regras estritas para o parcelamento de empréstimos, entre outras. Ademais, para evitar apreciação excessiva da moeda, Tombini repetiu a receita do antecessor: a acumulação de reservas. Para ele, embora as reservas brasileiras sejam hoje bem maiores que no passado, ainda são relativamente pequenas quando comparadas ao PIB do país (cerca de 16%).
O tema "câmbio" é delicado dentro do governo Dilma. O BC, por exemplo, só foi atribuir parte do crescimento da inflação em 2012 à depreciação do real no Relatório de Inflação de março deste ano - "a dinâmica da taxa de câmbio foi inflacionária em 2012, ao contrário do ocorrido em 2011", informa o documento.
No discurso duro proferido em 25 de abril, dia em que o BC divulgou a última ata do Copom, o diretor Carlos Hamilton reiterou que a depreciação do real em 2012 é um dos cinco fatores que ajudam a entender a aceleração recente da inflação. Hamilton apontou a estabilidade do câmbio em 2013 como uma fonte de risco "favorável" ao controle da inflação doravante.
O BC conta, portanto, com o real estável (na prática, uma apreciação em termos reais) para combater a carestia nos próximos meses. Tão importante quanto isso é o desconforto da diretoria da instituição com as desvalorizações forçadas que, no governo Dilma, se transformaram, de forma explícita, em política para melhorar a competitividade da indústria.
Dias tensos virão. Há no governo quem defenda uma nova rodada de depreciação da moeda. Além disso, há forças de uma desvalorização vindo do mercado, motivadas principalmente pelo debate em torno da normalização monetária de economias ricas, como a americana, mas também pelo aumento do déficit em conta corrente do Brasil.

Cristiano Romero é editor-executivo do Valor



© 2000 – 2012. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. Este material não pode ser publicado, reescrito, redistribuído ou transmitido por broadcast sem autorização do Valor Econômico.

Leia mais em:
http://www.valor.com.br/brasil/3123928/tombini-e-o-cambio#ixzz2TOIsnlzQ
 

O mundo e o risco de caos no clima

 

Por Martin Wolf - Valor 15/05
 
Na semana passada, foi anunciado que - pela primeira vez nos últimos 4,5 milhões de anos - a concentração de dióxido de carbono na atmosfera ultrapassou 400 partes por milhão. Além disso, essa concentração também continua subindo a cerca de 2 partes por milhão por ano. Nesse ritmo, a concentração poderá chegar a 800 partes por milhão até o fim do século. Ou seja, todas as discussões sobre mitigar os riscos de uma catástrofe climática mostraram ser apenas palavras vazias.

A humanidade resolveu bocejar e deixar os perigos acumularem-se. O professor Brian Hoskins, diretor do Instituto Grantham para a Mudança no Clima, no Imperial College, em Londres, observa que na última vez em que as concentrações foram tão altas "o mundo ficou mais quente, em média, três ou quatro graus Celsius do que hoje. Não havia nenhuma camada de gelo permanente na Groenlândia, os níveis do mar eram muito mais elevados e o mundo era um lugar muito diferente, embora nem todas essas diferenças possam estar diretamente relacionadas com os níveis de CO2 ".

Essa ressalva é apropriada. Mas o reconhecimento do efeito estufa é resultado de análise científica básica: é por causa dele que a Terra tem um clima mais agradável do que o da Lua. O CO2 é um gás conhecido por sua contribuição para o efeito estufa. Existem efeitos de realimentação positiva decorrentes da elevação das temperaturas, por intermédio, por exemplo, da quantidade de vapor de água na atmosfera. Em suma, a humanidade está realizando uma gigantesca, descontrolada e quase certamente irreversível experiência climática na única casa que tem.
O que torna a omissão mais notável é que temos ouvido tanta histeria sobre as terríveis consequências do acúmulo de um grande fardo de dívida pública sobre os ombros de nossos filhos e netos. Mas tudo o que está sendo legado é endividamento financeiro de algumas pessoas em relação a outras. Se o pior se concretizar, ocorrerá um colapso financeiro. Algumas pessoas serão infelizes. Mas a vida vai continuar. Em vez disso, deixar como herança um planeta num caos climático é uma preocupação bem maior. Não há outro lugar para onde as pessoas possam ir e não há maneira de reinicializar o sistema climático do planeta. Se vamos assumir uma abordagem prudencial em face das finanças públicas, devemos certamente assumir uma abordagem prudencial diante de algo irreversível e muito mais caro.

Então por que estamos nos comportando assim?

A primeira razão - e a mais profunda - é que, assim como a civilização da antiga Roma foi construída com base em escravos, a nossa é construída com base em combustíveis fósseis. O que aconteceu no início do Século XIX não foi uma "revolução industrial", mas uma "revolução energética". Lançar carbono na atmosfera é o que fazemos. Como argumentei em "Climate Policy" (Políticas Climáticas), o que era o estilo de vida de alta intensidade energética nos atuais países de alta renda tornou-se uma característica mundial. A convergência econômica entre países emergentes e países de alta renda está fazendo crescer a demanda por energia mais rapidamente do que o aperfeiçoamento da eficiência energética a está reduzindo. Não apenas as emissões mundiais de CO2, mas até mesmo das emissões per capita, estão crescendo. As emissões per capita são, em parte, resultado da dependência da China em relação à geração de energia elétrica a partir do carvão.
A segunda razão é a oposição a qualquer intervenção no mercado livre. Parte disso, sem dúvida, é motivada por interesses estritamente econômicos. Mas não subestime o poder das ideias. Admitir que uma economia de livre mercado gera um enorme custo externo mundial é admitir ser justificada uma regulamentação governamental em larga escala tantas vezes proposta pelos odiados ambientalistas. Para muitos libertários ou liberais clássicos, a própria ideia é inadmissível. É muito mais fácil negar a relevância do conhecimento científico.

Um sintoma disso é agarrar-se a fiapos. Diz-se, por exemplo, que as temperaturas médias no mundo não subiram em períodos recentes, embora estejam muito mais altas do que um século atrás. No entanto, períodos de quedas de temperatura em meio a uma tendência de alta já ocorreram anteriormente.

Uma terceira razão pode ser a pressão no sentido de reagir a crises imediatas que consumiram quase toda a atenção das autoridades governamentais nos países de alta renda desde 2007.

A quarta é uma comovente confiança em que, caso o pior venha a se concretizar, a engenhosidade humana encontrará alguma maneira esperta de administrar os piores resultados da mudança climática.

A quinta é a complexidade para firmar acordos internacionais eficazes e aplicáveis ao controle das emissões por tantos países.

Uma sexta razão é a indiferença em face dos interesses de pessoas que nascerão em um futuro relativamente distante. Como diz um velho comentário: "Por que devo me preocupar com as futuras gerações? O que elas já fizeram por mim"?

Uma razão final é a necessidade de encontrar um equilíbrio justo entre países pobres e países ricos, entre aqueles que emitiram a maior parte dos gases causadores do efeito estufa no passado e aqueles que os emitirão.

Então, o que poderia alterar esse curso? Minha opinião é, cada vez mais, de que cobranças morais não fazem nenhum sentido. As pessoas não agirão nessa escala porque preocupam-se com os outros, inclusive até mesmo com seus próprios descendentes mais remotos.

A maioria das pessoas hoje acredita que a economia de baixo carbono criaria um mundo de privação universal. Elas nunca aceitarão tal situação. Isso é verdade tanto para as pessoas nos países de alta renda, que querem manter o que têm, com para as pessoas no resto do mundo, que querem desfrutar o que as pessoas dos países de alta renda têm. Assim, uma condição necessária, embora não suficiente, é uma visão politicamente vendável de uma economia de baixo carbono próspera. Recursos substanciais precisam ser investidos em tecnologias que, com credibilidade, produzam tal futuro.

Mas isso não é tudo. Se uma oportunidade assim parecer efetivamente mais crível, também precisarão ser desenvolvidas instituições capazes de concretizá-lo.

Neste momento, inexistem tanto as condições institucionais como tecnológicas. Não há vontade política para fazer algo real a respeito do processo que orienta a condução de nossa experiência com o clima. Há muita preocupação e falatório, mas não há nenhuma ação efetiva. Para que isso mude devemos oferecer à humanidade um futuro muito melhor. Medo diante de um horror distante não é suficiente. (Tradução de Sergio Blum).

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.