Por Martin Wolf - Valor 31/01
"Nós evitamos o colapso, mas precisamos nos resguardar contra qualquer recaída. 2013 será um ano do tipo ou vai ou racha". Essas foram as palavras de Christine Lagarde, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, no Fórum Econômico Mundial, na semana passada. Ela tem razão. Empresários, políticos e especialistas em Davos deram um suspiro de alívio. Pela primeira vez desde 2007, o foco da discussão não foi a calamidade financeira. No entanto, o fato de as economias dos países de alta renda não terem caído de sua frágil ponte não garante um retorno rápido ao crescimento. Isso poderá, muito bem, acontecer. Mas ainda não está assegurado.
A confiança melhorou. Um indicador é o diferencial entre a taxa interbancária de Londres (Libor) e a taxa de swap indexado no overnight (OIS, em inglês), uma medida do risco de inadimplência em empréstimos interbancários. Esses diferenciais caíram para apenas 10 pontos base em euros e 16 pontos base em dólares americanos. Os mercados de ações também apresentam forte recuperação a partir dos mínimos atingidos em março 2009, especialmente nos EUA. Os diferenciais entre os rendimento dos títulos soberanos de países vulneráveis na zona do euro e os Bunds alemães caíram substancialmente: na Itália, o diferencial caiu de 5,3 pontos percentuais no fim de julho de 2012 para 2,6 pontos percentuais em 25 de janeiro de 2013; na Espanha, esse diferencial caiu de 6,4 para 3,4 pontos percentuais. À medida que melhorou a confiança nos títulos soberanos, melhorou também a confiança nos bancos.
A melhoria na confiança não se limita aos países de alta renda. Em seu relatório "Global Economic Prospects" de janeiro, o Banco Mundial observa que "os fluxos internacionais de capital para os países em desenvolvimento... atingiram novos máximos", que "os diferenciais entre os títulos de países em desenvolvimento... diminuíram em 127 pontos base desde junho [de 2012]", e que "os mercados de ações nos países em desenvolvimento subiram 12,6% desde junho". Isso, portanto, representa uma mudança mundial.
O que explica o crescente otimismo? Uma razão é que desastres temidos - uma ruptura da zona do euro ou uma queda dos EUA no abismo fiscal - foram evitados. Outra razão é que ocorreu um substancial ajuste pós-crise, sobretudo nos EUA, onde a alavancagem do setor privado e os preços dos imóveis sofreram um reequilíbrio significativo: por exemplo, a dívida privada nos EUA está de volta aos níveis de 2003 como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Mas outra explicação é a crescente confiança na competência nas autoridades econômicas. Acima de tudo, os banqueiros centrais vêm utilizando há bastante tempo políticas monetárias ultraexpansionistas para aquecer as economias pelas quais serão responsáveis. A taxa referencial de juros definida pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) está em 0,25% há mais de quatro anos, e assim permanecerá por mais anos. Até mesmo o Banco Central Europeu (BCE), o mais cauteloso dos grandes bancos centrais, adotou o que teria parecido uma política irresponsavelmente frouxa em qualquer época anterior, com uma taxa de juros de 0,75% desde julho do ano passado.
Mesmo assim, o futuro parece longe de róseo. Em uma atualização de suas projeções para o "World Economic Outlook", o Fundo Monetário Internacional pintou um quadro longe de róseo: crescimento de 2% nos EUA, 1,2% no Japão, 1% no Reino Unido e - 0,2% para a zona do euro neste ano, embora as previsões para os países emergentes e em desenvolvimento sejam muito mais vigorosas, com crescimento de 5,5%. A economia mundial em duas velocidades persiste.
A grande razão para pessimismo é que os países de alta renda permanecem presos em uma depressão contida. O prolongado período de política monetária ultrafrouxa, envolvendo taxas de juro baixas e enormes expansões nos balanços dos bancos centrais, é um indicador disso.
os seis maiores países de alta renda, apenas os EUA e a Alemanha tiveram maior produção no terceiro trimestre do ano passado do que em seus picos pré-crise e, mesmo assim, o aumento foi pequeno, de 2,5% nos EUA e 2% na Alemanha. A produção na França, Japão, Reino Unido e Itália ficaram abaixo do pico pré-crise.
Na zona do euro, o BCE conseguiu eliminar o risco de cauda de uma ruptura da zona euro, conquistando apoio alemão a uma promessa de compra de títulos soberanos. O BCE foi vitorioso sem disparar um tiro.
Alguns argumentam que um recrudescimento da inflação já está à vista. Agora que o Japão aderiu à festa com sua "Abenomics" (a estratégia econômica do primeiro-ministro japonês), esse parece ser um risco maior do que antes. No entanto, duvido que esses até hoje falsos profetas provarão ter razão - temo bem mais um aperto prematuro. Mas a incerteza é grande. A capacidade das autoridades econômicas de administrar esses riscos com sucesso é duvidosa, como observou Gavyn Davies em um comentário sobre a contribuição de Mark Carney, próximo presidente do Banco de Inglaterra, perante um painel em Davos.
Mas também há razões para otimismo sobre o futuro. As economias emergentes têm revelado um dinamismo sustentado, ainda que tenha havido decepções. Com o reequilíbrio ocorrido, bem como devido a uma revolução energética, os EUA poderão surpreender positivamente. O Japão poderá escapar da estagnação deflacionária. Por fim, o retorno do capital privado à periferia da zona do euro poderá iniciar uma espiral virtuosa ascendente de confiança e gastos. A chave para o sucesso em todos os países dependerá da escolha do momento exato de abandonar as políticas excepcionais.
As autoridades econômicas reagiram com sucesso. No caso da zona do euro, elas quase agiram tarde demais. No fim das contas, porém, o BCE prometeu ação. Essa promessa revelou-se extremamente eficiente - até agora. Uma chance de um retorno ao crescimento sustentado está agora emergindo, embora no mais baixo grau, na Europa. Substancial apoio fiscal e monetário ainda são essenciais. Se as autoridades econômicas mantiverem a sustentação, o mundo poderá estar muito mais perto de uma recuperação total daqui a um ano. (Tradução de Sergio Blum)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
http://www.valor.com.br/opiniao/2988612/o-perigoso-caminho-da-recuperacao#ixzz2JfQMcWys
A confiança melhorou. Um indicador é o diferencial entre a taxa interbancária de Londres (Libor) e a taxa de swap indexado no overnight (OIS, em inglês), uma medida do risco de inadimplência em empréstimos interbancários. Esses diferenciais caíram para apenas 10 pontos base em euros e 16 pontos base em dólares americanos. Os mercados de ações também apresentam forte recuperação a partir dos mínimos atingidos em março 2009, especialmente nos EUA. Os diferenciais entre os rendimento dos títulos soberanos de países vulneráveis na zona do euro e os Bunds alemães caíram substancialmente: na Itália, o diferencial caiu de 5,3 pontos percentuais no fim de julho de 2012 para 2,6 pontos percentuais em 25 de janeiro de 2013; na Espanha, esse diferencial caiu de 6,4 para 3,4 pontos percentuais. À medida que melhorou a confiança nos títulos soberanos, melhorou também a confiança nos bancos.
A melhoria na confiança não se limita aos países de alta renda. Em seu relatório "Global Economic Prospects" de janeiro, o Banco Mundial observa que "os fluxos internacionais de capital para os países em desenvolvimento... atingiram novos máximos", que "os diferenciais entre os títulos de países em desenvolvimento... diminuíram em 127 pontos base desde junho [de 2012]", e que "os mercados de ações nos países em desenvolvimento subiram 12,6% desde junho". Isso, portanto, representa uma mudança mundial.
O que explica o crescente otimismo? Uma razão é que desastres temidos - uma ruptura da zona do euro ou uma queda dos EUA no abismo fiscal - foram evitados. Outra razão é que ocorreu um substancial ajuste pós-crise, sobretudo nos EUA, onde a alavancagem do setor privado e os preços dos imóveis sofreram um reequilíbrio significativo: por exemplo, a dívida privada nos EUA está de volta aos níveis de 2003 como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Mas outra explicação é a crescente confiança na competência nas autoridades econômicas. Acima de tudo, os banqueiros centrais vêm utilizando há bastante tempo políticas monetárias ultraexpansionistas para aquecer as economias pelas quais serão responsáveis. A taxa referencial de juros definida pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) está em 0,25% há mais de quatro anos, e assim permanecerá por mais anos. Até mesmo o Banco Central Europeu (BCE), o mais cauteloso dos grandes bancos centrais, adotou o que teria parecido uma política irresponsavelmente frouxa em qualquer época anterior, com uma taxa de juros de 0,75% desde julho do ano passado.
Mesmo assim, o futuro parece longe de róseo. Em uma atualização de suas projeções para o "World Economic Outlook", o Fundo Monetário Internacional pintou um quadro longe de róseo: crescimento de 2% nos EUA, 1,2% no Japão, 1% no Reino Unido e - 0,2% para a zona do euro neste ano, embora as previsões para os países emergentes e em desenvolvimento sejam muito mais vigorosas, com crescimento de 5,5%. A economia mundial em duas velocidades persiste.
A grande razão para pessimismo é que os países de alta renda permanecem presos em uma depressão contida. O prolongado período de política monetária ultrafrouxa, envolvendo taxas de juro baixas e enormes expansões nos balanços dos bancos centrais, é um indicador disso.
os seis maiores países de alta renda, apenas os EUA e a Alemanha tiveram maior produção no terceiro trimestre do ano passado do que em seus picos pré-crise e, mesmo assim, o aumento foi pequeno, de 2,5% nos EUA e 2% na Alemanha. A produção na França, Japão, Reino Unido e Itália ficaram abaixo do pico pré-crise.
Na zona do euro, o BCE conseguiu eliminar o risco de cauda de uma ruptura da zona euro, conquistando apoio alemão a uma promessa de compra de títulos soberanos. O BCE foi vitorioso sem disparar um tiro.
Alguns argumentam que um recrudescimento da inflação já está à vista. Agora que o Japão aderiu à festa com sua "Abenomics" (a estratégia econômica do primeiro-ministro japonês), esse parece ser um risco maior do que antes. No entanto, duvido que esses até hoje falsos profetas provarão ter razão - temo bem mais um aperto prematuro. Mas a incerteza é grande. A capacidade das autoridades econômicas de administrar esses riscos com sucesso é duvidosa, como observou Gavyn Davies em um comentário sobre a contribuição de Mark Carney, próximo presidente do Banco de Inglaterra, perante um painel em Davos.
Mas também há razões para otimismo sobre o futuro. As economias emergentes têm revelado um dinamismo sustentado, ainda que tenha havido decepções. Com o reequilíbrio ocorrido, bem como devido a uma revolução energética, os EUA poderão surpreender positivamente. O Japão poderá escapar da estagnação deflacionária. Por fim, o retorno do capital privado à periferia da zona do euro poderá iniciar uma espiral virtuosa ascendente de confiança e gastos. A chave para o sucesso em todos os países dependerá da escolha do momento exato de abandonar as políticas excepcionais.
As autoridades econômicas reagiram com sucesso. No caso da zona do euro, elas quase agiram tarde demais. No fim das contas, porém, o BCE prometeu ação. Essa promessa revelou-se extremamente eficiente - até agora. Uma chance de um retorno ao crescimento sustentado está agora emergindo, embora no mais baixo grau, na Europa. Substancial apoio fiscal e monetário ainda são essenciais. Se as autoridades econômicas mantiverem a sustentação, o mundo poderá estar muito mais perto de uma recuperação total daqui a um ano. (Tradução de Sergio Blum)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
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