"Não devo ajudar um vizinho distante à custa daquele que está mais perto." Esta expressão usada frequentemente por Mahatma Gandhi, o líder nacionalista indiano, descreve muito bem a situação em que se encontra a poderosa indústria do minério de ferro da Índia.
Uma série de restrições à produção e aumento das tarifas de exportação - estabelecidas para ajudar as siderúrgicas locais - levou as exportações de minério de ferro da Índia à beira do colapso. O país, que até recentemente era o terceiro maior exportador mundial da commodity usada na siderurgia, perdendo apenas para a Austrália e o Brasil, corre o risco de ter de importar grandes quantidades de minério de ferro pela primeira vez em décadas.
A crise do minério de ferro vai bem mais além da Índia. Por ser a principal matéria-prima na produção de aço, o minério de ferro é crucial para a economia mundial e muito importante para a lucratividade de duas das maiores indústrias pesadas do mundo: a mineradora e a siderúrgica.
Com a interrupção do fornecimento pela Índia, os preços mundiais dispararam para US$ 155 a tonelada, aumento de mais de 75% desde setembro. A alta inflou os lucros de companhias brasileiras como Vale, Rio Tinto, BHP Billiton e Fortescue.
"O preço hoje está US$ 40 maior do que estaria [com o fornecimento indiano]", diz Jim Lennon, diretor da área de análises de commodities da Macquerie em Londres, que acredita que os preços continuarão subindo este ano.
"Sem dúvida, é um impacto significativo... Enquanto a Índia perde mais de US$ 10 bilhões em sua balança comercial ao não exportar, outros produtores de minério de ferro estão colhendo muitos frutos inesperados", diz Lennon.
O impacto é exatamente o oposto na indústria siderúrgica: os produtores domésticos indianos estão com um fornecimento abundante e preços um pouco menores. Mas companhias internacionais como a chinesa Baosteel, a Nippon Steel do Japão e a ThyssenKrupp da Alemanha estão pagando mais pela mesma matéria-prima.
Após atingir o pico de 119 milhões de toneladas em 2009, as exportações indianas começaram a cair depois que alegações de que a mineração ilegal estava disseminada no país resultaram no fechamento de minas no maior estado minerador, Karnataka, e na implementação de restrições em outras partes ricas em recursos, como as regiões central e oriental da Índia.
No fim do ano passado, o fluxo praticamente parou, com a Índia embarcando apenas 1,4 milhão de toneladas nos três meses até dezembro - geralmente um período de pico de vendas para a China -, depois de uma segunda proibição total no estado litorâneo de Goa.
As restrições provocaram uma reação violenta das mineradoras que tiveram operações desativadas. A Sesa Goa, o braço de minério de ferro da Vedanta Resources, uma companhia do bilionário Anil Agarwal listada na Bolsa de Valores de Londres, disse que agora está tentando abrir novos depósitos na África.
No começo do mês, PK Mukherjee, diretor-gerente do grupo, confirmou os planos de um investimento de até US$ 2,62 bilhões em um projeto na Libéria, como parte de uma tentativa de revitalização de sua deficitária divisão mineradora.
"Este é um período de crise para todas as companhias mineradoras de Goa, incluindo a Sesa Goa, e como somos os maiores, o problema é muito grande", disse ele ao "Financial Times". "Precisamos garantir um crescimento sustentável no futuro, por isso precisamos olhar para a Índia e para fora...Na Libéria, nossa experiência até agora tem sido fantástica."
A Sesa Goa não é a única companhia indiana que está de olho no mercado externo. "Muitos em Karnataka fizeram as malas, pegaram suas pás, e estão agora na Malásia ou no Marrocos", diz um comerciante europeu de minério de ferro, que prefere não se identificar.
A crise do minério de ferro na Índia também serve de alerta aos perigos do nacionalismo aplicado aos recursos naturais, uma vez que países como a Indonésia já consideram fazer o mesmo que a Índia e restringir suas exportações. A mais recente - as restrições impostas pelo governo indiano - surgiu no começo do ano passado, quando os impostos foram aumentados para 30%.
Desde então, as exportações indianas caíram acentuadamente, mas a produção doméstica também vem caindo, o que significa que as companhias siderúrgicas sem acesso a minas de minério de ferro também estão sendo forçadas a buscar a commodity fora do país. As chances de uma retomada da oferta estão agora nas mãos do sistema judiciário indiano, notório por sua morosidade e que autorizou a limitação da mineração em Karnataka no começo do ano passado e agora também vai rever o prosseguimento das restrições em Goa.
Mas há outras ameaças, mesmo que a atividade tenha uma lenta retomada nessas áreas. Elas incluem a exigência, por outros estados mineradores, de impostos sobre lucros inesperados, e o problema mais básico da corrupção.
"Por que a produção de minério de ferro da Índia foi tão alta por tanto tempo? Porque grande parte dela era flagrantemente ilegal", diz Sasha Riser-Kositsky, analista da consultoria de risco da Eurasia Group.
"Na verdade é muito difícil ser uma mineradora em grande escala na Índia e ter toda a papelada em ordem... a experiência toda mostra que há uma dificuldade fundamental de se fazer negócios lá."
Poucos analistas esperam uma recuperação para este ano, mas alguns estão pelo menos otimistas com uma eventual reação. "Nossa visão é de que a Índia vai enfrentar os desafios do momento e encontrar uma solução", diz um executivo graduado de uma companhia de comércio exterior.
Mas outros temem que o tombo do minério de ferro na Índia possa ser permanente. "Pelo que entendemos, as coisas não vão mudar no curto prazo", diz outro executivo de uma grande negociadora de minério de ferro. As exportações continuarão próximas de zero por pelo menos três a quatro anos, possivelmente pela próxima década, diz o executivo.
De qualquer maneira, pelo menos no curto prazo a indústria do minério de ferro da Índia enfrenta um futuro tórrido.
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