segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A tirania da economia política

 

Por Dani Rodrik - Valor 18/02
 
Houve um tempo em que nós, economistas evitávamos a política. Considerávamos nossa missão descrever como as economias de mercado funcionam, quando são malsucedidas e em que medida políticas bem estruturadas podem aumentar a eficiência. Nós analisamos pesos relativos entre objetivos concorrentes (por exemplo, igualdade versus eficiência) e as políticas prescritas para alcançar os resultados desejados, econômicos, inclusive redistribuição. Restava aos políticos aceitar nosso conselho (ou não) e aos burocratas implementá-las.
Então, alguns de nós nos tornamos mais ambiciosos. Frustrados diante da realidade de que grande parte do nossos conselhos eram ignorados, centramos nossas ferramentas de análise no comportamento dos próprios políticos e burocratas. Começamos a analisar o comportamento político usando a mesma estrutura conceitual que usamos ao analisar as decisões de consumidores e produtores em uma economia de mercado. Os políticos tornaram-se fornecedores de favores políticos em troca da maximização de sua renda; os cidadãos tornaram-se lobistas e grupos de interesses especiais foram em busca de remuneração; e os sistemas políticos tornaram-se mercados onde votos e influência política são negociados em troca de vantagens econômicas.
Assim nasceu o campo da economia política baseada em escolhas racionais, e um estilo de teorização que muitos cientistas políticos imediatamente passaram a imitar. A aparente recompensa era que então poderíamos explicar por que os políticos fazem tantas coisas que vão contra a racionalidade econômica. Com efeito, não havia nenhuma inadequação econômica que as palavras - "interesses adquiridos" - não fossem capazes de explicar.

Por que tantos setores econômicos permanecem fechados para a competição real? Porque os políticos estão nas "folhas de pagamento" de operadores estabelecidos que faturam com isso. Por que governos levantam barreiras ao comércio internacional? Porque os beneficiários das medidas de proteção comercial são concentrados e politicamente influentes, ao passo que os consumidores são difusos e desorganizados. Por que as elites políticas impedem reformas que poderiam estimular o crescimento e o desenvolvimento? Porque o crescimento e desenvolvimento prejudicariam o controle do poder político pelas elites. Por que acontecem crises financeiras? Porque os bancos capturam o processo decisório de tal modo que podem assumir riscos excessivos à custa da sociedade em geral.
Mas havia um paradoxo profundo em tudo isso. Quanto mais alegávamos estar explicando, menos espaço foi deixado para melhorar as coisas. Se o comportamento dos políticos é determinado pelos interesses adquiridos aos quais estão atrelados, a defesa de reformas políticas pelos economistas tenderá a cair em ouvidos moucos. Quanto mais completa nossa ciência social, mais irrelevante nossa análise política.
É aqui que ocorre a ruptura da analogia entre as ciências humanas e as ciências naturais. Consideremos a relação entre ciência e engenharia. À medida que a compreensão dos cientistas sobre as leis físicas da natureza torna-se mais sofisticada, os engenheiros podem construir pontes e edifícios melhores. Melhorias nas ciências da natureza ampliam, em vez de impedir, nossa capacidade de moldar nosso ambiente físico.
Se parece ao leitor haver algo errado nisso, estará na pista certa. Na realidade, nossas estruturas contemporâneas de economia política estão repletas de suposições não explicitadas sobre o sistema de ideias subjacente ao funcionamento dos sistemas políticos.


Há três maneiras pelas quais ideias moldam interesses. Primeiro, as ideias determinam como as elites políticas definem-se e os objetivos que perseguem - dinheiro, honra, status, longevidade no poder ou, simplesmente, um lugar na história. Essas questões de identidade são centrais em como as elites decidem agir.
Em segundo lugar, as ideias determinam pontos de vista dos atores políticos sobre como o mundo funciona. Interesses empresariais poderosos pressionam por políticas diferentes quando acreditam que estímulos fiscais produzem apenas inflação em contraposição a quando acreditam que geram maior demanda agregada. Governos sedentos por mais receita colocam em vigor impostos mais elevados quando julgam que pode haver evasão tributária, em contraposição a quando acreditam na impossibilidade de evasão.
Mais importante, do ponto de vista da análise de política é que as ideias determinam as estratégias que os atores políticos acreditam poder perseguir. Por exemplo, uma forma de elites se manterem no poder é suprimir toda a atividade econômica. Mas outra é incentivar o desenvolvimento econômico ao mesmo tempo em que diversificam sua própria base econômica, estabelecendo coalizões, incentivando a industrialização orientada pelo Estado ou praticando uma diversidade de outras estratégias limitada apenas pela imaginação das elites. Quando ampliamos o leque de estratégias viáveis (que é o que fazem boas concepções de projetos e boas lideranças), modificamos radicalmente comportamentos e resultados.
Com efeito, isso é o que explica algumas das reviravoltas mais surpreendentes no desempenho econômico nas últimas décadas, como a Coreia do Sul e do crescimento desenfreado na China (na década de 1960 e no fim dos anos 1970, respectivamente). Em ambos os casos, os maiores beneficiários foram os "interesses estabelecidos" (o establishment empresarial, na Coreia, e o Partido Comunista Chinês). O que permitiu a reforma não foi uma reconfiguração do poder político, mas o surgimento de novas estratégias. Mudanças econômicas muitas vezes acontecem não quando interesses estabelecidos são derrotados, mas quando diferentes estratégias são usadas para perseguir esses interesses.
A economia política, sem dúvida, continua a ser importante. Sem uma compreensão clara de quem ganha e quem perde com o status quo, é difícil compreender a lógica de nossas políticas existentes. Mas um foco excessivo em interesses estabelecidos pode facilmente nos fazer perder de vista a contribuição fundamental que a análise de políticas e empreendedorismo político podem fazer. As possibilidades de mudanças econômicas são limitadas não apenas pelas realidades do poder político, mas também pela pobreza de nossas ideias. (Tradução de Sergio Blum)

Dani Rodrik professor de Economia Política Internacional na Universidade de Harvard, é autor de "The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy (O paradoxo da globalização: a democracia e o futuro da economia mundial). Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org



 

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