quarta-feira, 28 de novembro de 2012
Os poluidores têm de pagar
Por Jeffrey D. Sachs - Valor 28/11
Quando a BP e suas parceiras petrolíferas causaram o vazamento no poço Deepwater Horizon, no Golfo do México, em 2010, o governo dos EUA exigiu que a BP arcasse com os custos da limpeza, indenizasse as partes que tivessem sofrido danos e pagasse multas criminais pelas violações que causaram o desastre. A BP já reservou mais de US$ 20 bilhões para o saneamento ambiental e pagamento de multas. Com base em um acordo firmado na semana passada, a BP agora pagará a maior pena criminal na história dos Estados Unidos: US$ 4,5 bilhões1.
Os mesmos padrões de limpeza ambiental precisam ser impostos a empresas multinacionais que operam nos países mais pobres, onde seu poder tem sido normalmente tão grande em relação ao de governos, que muitas delas atuam impunemente, causando estragos no ambiente e assumindo pouca ou nenhuma responsabilidade. Os poluidores têm de pagar, seja em países ricos ou pobres. As grandes companhias precisam aceitar a responsabilidade por suas ações.
A Nigéria foi a mais importante prova da impunidade ambiental empresarial. Durante décadas, importantes companhias petrolíferas como a Shell, a ExxonMobil e a Chevron vêm produzindo petróleo no delta do Níger, um ambiente ecologicamente frágil de florestas em pântanos de água doce, manguezais, florestas tropicais em várzeas e ilhas barreiras costeiras. Esse habitat rico suporta uma biodiversidade notável - ou suportava, antes que as companhias de petróleo lá chegassem - e mais de 30 milhões de habitantes locais que dependem dos ecossistemas locais que asseguram sua saúde e meios de subsistência.
Vinte anos atrás, a União Internacional para Conservação da Natureza e Recursos Naturais classificou o delta do Níger como uma região de grande biodiversidade de flora e fauna marinha e costeira e por essa razão classificou-a como de prioridade muito alta para a conservação. No entanto, a União também observou que a biodiversidade da região está sob grande ameaça, com pouca ou nenhuma proteção.
As companhias multinacionais que operam no delta derramaram petróleo e queimaram gás natural durante décadas sem dar importância ao ambiente natural e às comunidades empobrecidas e envenenadas por suas atividades. Segundo uma estimativa2, os vazamentos acumulados ao longo dos últimos 50 anos somam cerca de 10 milhões de barris - o dobro da dimensão do vazamento pelo qual a BP foi responsável.
Os dados são incertos: houve vários milhares de vazamentos durante esse período - muitas vezes mal documentados, com suas dimensões ocultas ou simplesmente não mensuradas, seja pelas empresas ou pelo governo. De fato, exatamente no momento em que a BP era alvo de novas penalidades criminais, a ExxonMobil anunciou mais um vazamento em um oleoduto no delta do Níger.
A destruição ambiental do delta faz parte de uma saga maior: companhias corruptas que operam em conluio com funcionários governamentais corruptos. As empresas rotineiramente subornam funcionários para obter concessões petrolíferas, mentir sobre volumes produzidos, sonegar impostos e esquivar-se à responsabilidade pelos danos que causam ao ambiente. Autoridades nigerianas tornaram-se fabulosamente ricas devido a décadas de pagamentos por parte de companhias internacionais que saquearam as riquezas naturais do delta. A Shell, maior operadora estrangeira no delta do Níger, foi criticada diversas vezes por suas práticas escandalosas e por evitar ser responsabilizada.
Enquanto isso, a população local continuou pobre e vitimada por doenças causadas por ar insalubre, água potável envenenada e por poluição da cadeia alimentar. Essa terra sem lei gerou guerras entre gangues e persistente acesso ilegal aos oleododutos para roubar petróleo, produzindo mais enormes vazamentos de petróleo e frequentes explosões que matam dezenas de pessoas, inclusive inocentes.
Na era colonial, o objetivo oficial do poder imperial era extrair riqueza dos territórios administrados. No período pós-colonial, os métodos são mais disfarçados. Quando as empresas petrolíferas comportam-se mal na Nigéria ou em outros países, são protegidas pelo poder de seus países de origem. Não mexa com essas empresas, dizem os EUA e a Europa. De fato, um dos maiores subornos (supostamente, US$ 180 milhões) recentemente pagos na Nigéria saíram da Halliburton, uma empresa fortemente imbricada com o poder político americano.
No ano passado, o Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP, sigla em inglês) publicou um relatório sobre Ogoniland3, um importante berço étnico no delta do Níger, epicentro do conflito entre as comunidades locais e as companhias petrolíferas internacionais. O relatório foi tão contundente quanto claro. Apesar de muitas promessas de que uma limpeza seria empreendida, Ogoniland permanece em agonia ambiental, empobrecida e adoentada pela indústria petrolífera.
A UNEP também apresentou recomendações claras e detalhadas, entre elas medidas emergenciais para assegurar água potável; atividades de limpeza focadas nos manguezais e solos; estudos de saúde pública para identificar e neutralizar as consequências da poluição e um novo referencial regulamentador.
Governos em todo o mundo chegaram recentemente a um consenso em torno da adoção de um novo referencial para o desenvolvimento sustentável, declarando sua intenção de adotar Metas para um Desenvolvimento Sustentável (MDS) na Cúpula Rio+204, realizada em junho. As MDSs proporcionam ao mundo uma oportunidade crucial para definir normas claras e convincentes para o comportamento governamental e empresarial.
A limpeza do delta do Níger constituiria o exemplo mais vigoroso possível de uma nova era de responsabilidade. Shell, Chevron, ExxonMobil e outras grandes companhias petrolíferas deveriam manifestar-se e ajudar a financiar a limpeza necessária, inaugurando uma nova era de responsabilidade.
A responsabilidade do próprio governo nigeriano está em jogo. É animador que vários senadores nigerianos tenham recentemente assumido a vanguarda dos esforços para fortalecer o império da lei sobre o setor petrolífero.
A limpeza do delta do Níger constitui uma oportunidade ideal para que a Nigéria, a indústria petrolífera e a comunidade internacional mostrem de forma convincente que raiou uma nova era. A partir de agora, o desenvolvimento sustentável não deve ser mais um mero slogan, mas sim uma abordagem operacional à governança e ao bem-estar mundial em um planeta estressado e superpovoado. (Tradução de Sergio Blum)
Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É também assessor especial do secretário-geral das Nações Unidas no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio. Copyright: Project Syndicate, 2012.
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