segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Empresas deixam no exterior dólares das captações



Por Fernando Travaglini e Filipe Pacheco - Valor 19/11
De São Paulo

Apesar de as empresas terem captado US$ 17,55 bilhões nos últimos quatro meses, desde a reabertura do mercado externo, menos de um terço dessa enxurrada de recursos aportou por aqui. A grande parcela do capital ficou mesmo no exterior, contribuindo para o fraco fluxo de moeda estrangeira registrado pelo país desde então.

Apenas companhias que não têm subsidiária no exterior, como é o caso da Caixa Econômica Federal, por exemplo, são obrigadas a trazer os recursos. Quem não tem essa necessidade prefere deixar os dólares nas contas no exterior, seja para pagar fornecedores, seja para capital de giro.

Do total captado nesse período, menos de 30% foi feito pelas unidades brasileiras das empresas, e não por subsidiárias em paraísos fiscais, como as Ilhas Cayman. Isso representa algo em torno de US$ 5 bilhões que precisaram obrigatoriamente passar pelo país. O restante, ficou depositado em contas de bancos internacionais.

Dessa forma, as companhias evitam o custo do swap cambial, hoje elevado, e não precisam arcar com o Imposto de Renda de 15% na hora de honrar com os pagamentos semestrais de juros (cupom).

Essa condição de alto custo para internalizar os recursos é nova para as empresas, especialmente as exportadoras. Antes, a grande maioria dos emissores frequentes de bônus podiam trazer moeda estrangeira usando o instrumento do pré-pagamento de exportação, isento de IR.

A modalidade, no entanto, foi limitada pelo governo a um prazo máximo de um ano, no início do ano. Os pré-pagamentos de exportação recuaram à metade desde a adoção da medida.

"Do total levantado nos últimos, acredito que muito pouco veio para o Brasil", disse Rodrigo Cabernite, diretor de mercado de capitais do Standard Chartered. Segundo ele, o principal impeditivo são mesmo as taxas elevadas do swap cambial (hedge) e a carga de impostos.

"Faz mais sentido trazer esse dinheiro apenas para empresas consideradas 'high yield' (com perfil de dívida mais arriscado), que conseguiram captar a custos relativamente mais baixos", acrescenta. "Ainda assim, o swap pode fazer com que a operação fique pouco viável", diz Cabernite.

Nessa categoria estão a construtora OAS e a BR Malls, que se aproveitaram de um bom momento para captar a custos baixos, mas que provavelmente terão de arcar com custos altos para trazer o dinheiro. "Para os que não têm essa obrigação, não é viável entrar com o dinheiro no país", diz um banqueiro que acompanha o mercado em Nova York. "O mais natural é que a maioria das empresas deixe esse dinheiro no exterior", completou a fonte.

Algumas companhias inovaram ao trazer os recursos externos por meio das novas debêntures de infraestrutura, que seguem a Lei 12.431 e são isentas de IR, como a OGX e a Minerva. Mas ainda há dúvidas sobre a viabilidade deste instrumento, devido ao excesso de exigências para enquadrar a oferta na lei.

Uma outra explicação para o fluxo de recursos externos tão limitado está no sistema bancário. A baixa demanda por modalidades de empréstimos em moeda estrangeira por parte das companhias tem feito os bancos brasileiros diminuírem a captação externa.

Não por acaso, grande parte das emissões feitas pelas instituições financeiras lá fora tem sido para reforçar o capital próprio (bônus subordinado), dinheiro que não é usado para fomentar diretamente o crédito.

Cabernite explica que os grandes bancos que emitiram dívida lá fora ao longo do ano têm usado as suas unidades estrangeiras para emprestar diretamente a empresas brasileiras envolvidas em grandes projetos de infraestrutura na África e na Ásia, por exemplo, ou para companhias que estão em processo de internacionalização.

Mesmo as linhas usadas tradicionalmente como capital de giro, como o adiantamento de contrato de câmbio (ACC), estão em queda. Em relação ao primeiro semestre, o recuo nas liberações de ACC chega a 35%.

Dessa forma, mesmo com o bom momento para tomar recursos no exterior, esse capital não tem se revertido em investimentos no país nem em capital de giro, sinal da fraca capacidade da economia doméstica e também das exportações brasileiras.

Por fim, vale lembrar que as medidas do governo no sentido de controlar a entrada de capital externo, aliado à queda da taxa Selic, também têm responsabilidade no fraco fluxo de moeda estrangeira para o país, especialmente no segundo semestre.

As barreiras impostas pelo governo - seja via limite à entrada física de moedas por meio de tributação, seja pela criação de impostos diretamente no mercado de derivativos cambiais - foram exitosas em afastar o capital externo, para o bem e para o mal.

Segundo o diretor-executivo da NGO Associados Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, a fuga de recursos tem se dado principalmente para o pagamento de importações, além de um saldo a pagar da ordem de US$ 14 bilhões herdado do exercício anterior entre remessas de dividendos, juros sobre capital próprio, saídas da bolsa e desinvestimentos.

Para ele, o movimento, que vem desde maio, confirma que o país não atrai mais capitais especulativos. O lado negativo é que a liquidez do mercado de dólar tem sido afetada, trazendo de volta a expectativa de que o Banco Central possa fazer leilões de venda de dólar no mercado à vista para suprir a falta de divisas - caso não intervenha, pode ser um sinal de que sancionou a nova banda cambial mais depreciada.

A moeda americana fechou em alta em seis dos últimos sete pregões, atingindo R$ 2,082, na sexta-feira, a maior cotação desde maio de 2009, com uma alta acumulada de 2,46% nesse período, em relação ao dia 6 (R$ 2,032).

Os primeiros dados do fluxo cambial relativos ao mês de novembro mostraram um certo alívio no fluxo de divisas, somando US$ 2,661 bilhões, no fim da semana passada, segundo o BC.

Nehme pondera, no entanto, que essa mudança pode ter sido pontual, já que o movimento de alta da moeda americana pode indicar que o fluxo voltou a ficar deficitário. "A tendência de fluxo negativo está efetivamente se acentuando e com evidências claras desde maio", diz.

A situação, que hoje pode se mostrar favorável ao exportador brasileiro, tem seus efeitos colaterais. Nehme, que defende uma taxa mais desvalorizada, acredita que o ideal seria flexibilizar a taxação dos empréstimos externos, para tentar atrair mais moeda estrangeira no futuro. "Vamos precisar de mais dólares no ano que vem, caso contrário o fluxo cambial pode se consolidar no terreno negativo", alerta.

O mercado de empréstimos externos sindicalizados (aqueles em que vários bancos dividem o risco da operação) ficou praticamente fechado ao longo deste ano. No ano passado, o instrumento permitiu o financiamento de US$ 27,4 bilhões.

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