quinta-feira, 8 de novembro de 2012
Choque de realidade para Romney
Por Jonathan Schell - Valor 08/11
Está em curso hoje nos Estados Unidos uma batalha entra fato e fantasia. A reeleição do presidente Barack Obama representou uma vitória, limitada, mas inconfundível, dos fatos.
Os acontecimentos nos dias que antecederam a eleição presidencial dos EUA foram um exemplo cabal dessa disputa. Circulava entre os principais auxiliares do republicano Mitt Romney a crença de que ele estava perto da vitória. Essa convicção não tinha base em resultados de pesquisas mas ainda assim esse sentimento cresceu de tal forma a ponto de os auxiliares começarem a chamar Romney de "senhor presidente".
Desejar que isso fosse verdade, no entanto, não foi suficiente para tornar isso realidade. Essa crença seria o mais próximo da presidência a que Romney chegaria; e ele, aparentemente, quis aproveitar o momento enquanto pôde, mesmo que prematuramente. Então, na noite da eleição, quando as redes de TV projetaram a derrota de Romney em Ohio e, portanto, a reeleição de Obama, a campanha de Romney, em mais uma negação dos fatos, recusou-se a aceitar o resultado. Passaram-se incômodos 60 minutos antes de Romney aceitar a realidade e proferir um agradável discurso admitindo a derrota.
A mesma desconsideração com a realidade foi a marca não apenas da campanha republicana, mas de todo o Partido Republicano nos últimos tempos. Quando a Agência de Estatísticas Trabalhistas (BLS, na sigla em inglês) dos EUA divulgou seu relatório de outubro mostrando que o índice nacional de desemprego estava "essencialmente inalterado em 7,9%"1, técnicos republicanos buscaram desacreditar a altamente respeitada BLS. Quando as pesquisas mostraram Romney atrás do presidente Barack Obama, eles buscaram desacreditar as pesquisas. Quando o apartidário Serviço de Pesquisas do Congresso (CRS)2 relatou que o plano tributário republicano não faria nada para impulsionar o crescimento econômico, senadores republicanos pressionaram o CRS para retirar o informe de circulação.
Essa recusa em aceitar fatos simples reflete um padrão ainda mais amplo. Cada vez mais, o partido Republicano, outrora um partido político razoavelmente normal, permitiu-se viver em uma realidade alternativa - um mundo em que George W. Bush encontrou as armas de destruição em massa que ele imaginava existir no Iraque; em que cortes de impostos eliminam déficits orçamentários; em que Obama não é apenas muçulmano, mas nasceu no Quênia e, portanto, deveria ser desqualificado para a presidência; e em que o aquecimento global é uma farsa tramada por um grupo de cientistas socialistas (os democratas, por sua vez, também têm um pé para fora da realidade nessa questão).
De todas as crenças irreais dos republicanos, sua negação ruidosa das mudanças climáticas induzidas pelo homem, certamente foi a mais significativa. Afinal, se deixado incontrolado, o aquecimento global tem potencial para degradar e destruir as condições climáticas que sustentaram e possibilitaram a ascensão da civilização humana nos últimos dez milênios.
Romney, como governador do Massachusetts, disse acreditar na realidade do aquecimento global. Como candidato presidencial, no entanto, juntou-se aos que a negam - uma mudança que ficou clara quando aceitou a indicação do partido, em Tampa, Flórida, em agosto. "O presidente Obama prometeu começar a tornar mais lenta a elevação [no nível] dos oceanos", disse Romney na convenção republicana e, então, fez uma pausa e abriu o sorriso de expectativa dos comediantes que esperam para que o público capte a piada.
E captou. Houve um estampido de risadas. Romney deixou os risos aumentarem de intensidade e, então, arremeteu com a conclusão: "E [prometeu] curar o planeta". A multidão rachou de rir. Talvez tenha sido o momento mais memorável e lamentável de uma campanha lamentável - um momento que, na história sendo escrita agora sobre os esforços da humanidade para preservar um planeta habitável, está destinado a ter notoriedade imortal.
Houve um evento subsequente impressionante. Oito semanas depois, o furacão Sandy3 assolou a costa de Nova Jersey e da cidade de Nova York. O nível do mar subiu mais de quatro metros, além do que já havia subido após um século de aquecimento global, e o alcance e a intensidade da tempestade foram alimentados pelas águas oceânicas mais quentes de um planeta mais quente. Essa maré de realidade - o que certa vez Alexander Solzhenitsyn chamou de "a cruel alavanca dos eventos" - rompeu a bolha dentro da qual a campanha de Romney havia se fechado, com suas paredes sendo invadidas de forma tão avassaladora quanta as de Lower Manhattan ou Far Rockaway.
Na disputa entre fato e fantasia, os fatos repentinamente haviam ganhado um poderoso aliado. O mapa político foi redesenhado, de forma sutil, mas com consequências. Obama entrou em ação, agora não apenas como um candidato suspeito, mas como um presidente confiável, cujos serviços eram urgentemente necessários pela assolada população da costa leste. De cada dez eleitores, oito viram seu desempenho de forma favorável, segundo mostraram as pesquisas, e muitos declararam que essa impressão influenciou seu voto.
Em uma reviravolta surpreendente e de grande força política, o governador de Nova Jersey, Chris Christie, que havia sido orador de abertura na convenção republicana em que Romney havia caçoado dos perigos do aquecimento global, foi um dos que acabaram ficando impressionados com o desempenho de Obama, algo que Christie demonstrou publicamente.
O mundo político dos EUA - não apenas os republicanos, mas também os democratas (embora em menor grau) - havia deixado de lado realidades ameaçadoras. Essas realidades, contudo, como se estivessem ouvindo e se manifestando, entraram na disputa. A Terra falou e os americanos, pelo menos desta vez, ouviram.
1 www.1.usa.gov/2eziqI
2 www.1.usa.gov/VEkUo7
3 www.bit.ly/Ulas4N
Jonathan Schell pesquisador no The Nation Institute e pesquisador visitante na Universidade Yale. É o autor de "The Seventh Decade: The New Shape of Nuclear Danger" (A sétima década: as novas formas do perigo nuclear). Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
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