segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A era da repressão financeira



Por Sylvester Eijffinger e Edin Mujagic - Valor 26/11

Quase imediatamente após sua reeleição, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, voltou suas atenções para domar a crescente dívida nacional do país. Na realidade, quase todos os países ocidentais vêm adotando políticas para reduzir - ou pelo menos conter - o volume da dívida pública.

Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, em ensaio amplamente citado, "Growth in a Time of Debt"1 (crescimento em tempos de dívidas, em inglês), argumentam que quando o endividamento governamental supera 90% do Produto Interno Bruto (PIB), os países passam a ter menor crescimento econômico. A dívida nacional de muitos países ocidentais agora está perigosamente próxima e em alguns casos acima desse limite crítico.

De fato, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)2, até o fim deste ano a relação entre PIB e dívida nacional dos EUA vai aumentar para 108,6%. O endividamento público da região do euro está em 99,1% do PIB, encabeçado pela França e Reino Unido, onde a relação deverá chegar a 105,5% e 104,2%. Mesmo a bem disciplinada Alemanha deverá chegar perto do limite de 90%, com 88,5%.

Um país pode reduzir suas dívidas nacionais por meio do corte do déficit orçamentário ou de superávits primários (o equilíbrio fiscal, sem contar o pagamento de juros das dívidas). Isso pode ser obtido via aumentos de impostos, cortes nos gastos governamentais, maior crescimento econômico ou alguma combinação desses componentes.

Quando a economia cresce, estabilizadores automáticos fazem sua mágica. À medida que mais pessoas trabalham e ganham mais dinheiro, aumentam as obrigações tributárias e diminuem os benefícios sociais, como o seguro-desemprego. Com uma arrecadação maior e gastos menores, o déficit no orçamento diminui.

Em tempos de baixo crescimento econômico, no entanto, as opções das autoridades são amargas. Aumentar impostos não é apenas uma medida impopular; pode ser contraproducente, tendo em vista a tributação já elevada em muitos países. Também é difícil conquistar apoio público a cortes nos gastos. Como resultado, muitas autoridades ocidentais vêm buscando soluções alternativas - muitas das quais pode ser classificadas como uma repressão financeira.

Repressões financeiras ocorrem quando os governos tomam medidas para canalizar para si mesmos recursos que, em um mercado desregulamentado, rumariam em outra direção. Por exemplo, muitos governos adotaram regulamentações para bancos e empresas de seguros que aumentaram o volume de dívidas governamentais que essas firmas detêm em seu poder.

Vejamos as normas bancárias internacionais do acordo da Basileia 33. Entre outros pontos, o acordo estipula que os bancos não precisam reservar dinheiro para garantir seus investimentos em bônus governamentais com classificações de "AA-" ou superiores. Além disso, os investimentos em bônus emitidos por seus governos nacionais não precisam de cobertura de capital, independentemente do "rating".

Paralelamente, os bancos centrais ocidentais usam outro tipo de repressão financeira, ao manter taxas de juros reais negativas (que dão rendimento inferior ao da inflação), o que lhes permite honrar o serviço de suas dívidas de forma gratuita. Os juros básicos do Banco Central Europeu (BCE) estão em 0,75%, enquanto a inflação anual da região do euro é de 2,5%. Da mesma forma, o Banco da Inglaterra mantém a taxa referencial em apenas 0,5%, apesar de uma inflação que paira acima dos 2%. E, nos EUA, onde a inflação também supera os 2%, os juros referenciais para os fundos federais do Federal Reserve (Fed) são os mais baixos da história, entre 0% e 0,25%.

Além disso, tendo em vista que o BCE, Banco da Inglaterra e Fed aventuram-se pelos mercados de capitais - por meio da flexibilização monetária quantitativa (QE, na sigla em inglês) nos EUA e Reino Unido e do programa de "Transações Monetárias Diretas" (OMT, na sigla em inglês) do BCE na região do euro -, as taxas de juros reais de longo prazo também estão negativas (a taxa real de 30 anos nos EUA é positiva, mas por muito pouco).

Tais táticas4, em que os bancos são instigados, embora não coagidos, a investir em títulos de dívidas governamentais, constituem uma repressão financeira "suave". Os governos, entretanto, podem ir além desses métodos e exigir que as instituições financeiras mantenham ou elevem os títulos soberanos em seu poder, como a Autoridade de Serviços Financeiros (FSA, órgão regulador do mercado financeiro britânico) fez em 20095.

De forma similar, em 2011, os bancos espanhóis ampliaram a concessão ao governo em quase 15%, embora as concessões do setor privado para os captadores como um todo tenham se contraído e o governo espanhol tenha ficado com menor capacidade creditícia. Um alto executivo bancário italiano disse em certa ocasião que os bancos da Itália seriam enforcados pelo Ministério das Finanças se vendessem qualquer título do governo. E um executivo bancário português afirmou que, embora os bancos devessem reduzir sua exposição a bônus governamentais de risco, a pressão governamental para que comprassem mais era avassaladora.

Além disso, em muitos países, como França, Irlanda e Portugal, os governos invadiram seus fundos de previdência para financiar os déficits orçamentários. O Reino Unido está prestes a adotar medida similar, "permitindo" que seus fundos de pensão públicos invistam em projetos de infraestrutura.

O financiamento monetário, direto ou indireto, dos déficits orçamentários costumava figurar entre os pecados mais graves que um banco central poderia cometer. A QE e as OMTs são, simplesmente, novas encarnações dessa velha transgressão. Tais políticas dos bancos centrais, combinadas com o acordo da Basileia 3, significam que a repressão financeira provavelmente definirá o cenário econômico por pelo menos mais dez anos. (Tradução de Sabino Ahumada).


Sylvester Eijffinger é professor de Economia Financeira na Tilburg University, na Holanda.



Edin Mujagic é economista na Tilburg University. Copyright: Project Syndicate, 2012.



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