quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Petróleo: um erro estratégico


Por Fabio Giambiagi - Valor 29/11

Nesta semana, foi publicado um livro que ajudei a organizar, chamado "Petróleo - reforma e contrarreforma do setor petrolífero brasileiro" (Editora Campus). A organização foi conjunta com Luiz Paulo Vellozo Lucas e o livro, além dos organizadores, contou com artigos de 19 autores, entre eles alguns dos mais conceituados analistas do setor de energia.

Na sua apresentação, fazemos uma distinção entre erros simples e estratégicos. Uma pessoa pode ir a um restaurante e escolher mal o prato. É algo sem maiores consequências. Já casar com a pessoa errada pode ser fonte de dor de cabeça por muitos anos para ambas partes.

Analogamente, uma empresa pode planejar a produção de um mês julgando que a demanda vai ser X e a demanda ser 10% maior, perdendo a chance de aproveitar melhor o momento, mas podendo se recuperar no mês seguinte. Já o erro poderá ser fatal se ela escolher apostar tudo num produto que está sendo abandonado pelos consumidores.

Esse tipo de equívoco é o que se denomina de "erro estratégico". Trata-se de atos que moldam a ação de um agente durante anos e podem, no limite, levar à falência (quando se trata de uma empresa).

A comparação é válida para as economias. Um país pode reduzir juros quando deveria aumentá-los ou aumentá-los quando deveria reduzir, mas nada disso é muito grave, pois trata-se de uma decisão errada com efeitos limitados e que pode ser corrigida pouco tempo depois. Opções estratégicas, porém, têm efeitos duradouros.

Países fazem opções. O Chile fez a escolha certa quando montou uma estratégia voltada para o Pacífico, com ênfase na abertura comercial. Em contraste, o Brasil nos anos 80 fez uma escolha desastrosa quando adotou a Lei de Informática, que atrasou o desenvolvimento do país durante anos, impedindo acesso aos avanços tecnológicos justamente quando o "boom" de informática estava se iniciando. Foi uma opção pela autarquia que se revelou errada em termos históricos, míope em termos econômicos e calamitosa em termos práticos, com péssimas consequências para o país.

Os historiadores que analisarem no futuro a primeira década do atual século provavelmente qualificarão de forma parecida a mudança de regime feita pelo Brasil em 2010 no setor de petróleo, quando adotou a partilha e resolveu privilegiar a política de conteúdo local, jogando pela janela um modelo que tinha dado certo durante 13 anos, com resultados espetaculares. Enquanto o modelo de concessão vigorou sozinho, foram realizadas diversas rodadas de licitação, as reservas provadas do país dobraram, a produção elevou-se em 150 % e a arrecadação acumulada da soma da participação especial e dos royalties alcançou mais de R$ 160 bilhões. Tudo funcionava muito bem, até o setor ser atropelado pela agenda ideológica que orientou a mudança de regime.

Confirmando mais uma vez o sarcasmo de Delfim Netto, de que "quando o governo compra um circo, o anão começa a crescer", a intervenção oficial travou o setor. Embora o cidadão comum possa julgar que o setor de petróleo vai de vento em popa, os fatos demonstram o contrário: as metas de produção não têm sido alcançadas, o país - cada vez mais distante da autossuficiência - importa quantidades crescentes de derivados e as empresas - incluindo a Petrobras - penam por conta do radicalismo da política de conteúdo local. No longo prazo, nada poderia ser mais preocupante do que a redução da área exploratória, do pico de mais de 340 mil km2 em 2009, para apenas um terço disso atualmente, devido à falta de novos leilões nos últimos anos.

A presidente queixa-se da falta de investimentos no país e, nos meios oficiais, as reclamações são contra o ambiente internacional de crise. A questão, porém, é que apesar da crise, há países da América Latina que estão muito bem, com destaque para Chile, Peru e Colômbia. Este último, especificamente, tem uma empresa de petróleo (Ecopetrol) que tem dado um "show de bola" no mercado internacional, seguindo os passos da Petrobras de 1997/ 2009 e rivalizando com ela em valor de mercado, apesar de ter ativos que são uma fração modesta dos ativos da nossa estatal.

Como diz corretamente Wagner Freire, antigo quadro histórico da Petrobras e que ajudou a escrever a história de sucesso da empresa, em um dos capítulos do livro, "as diferenças [entre as empresas] são enormes, mas o que conta mesmo para o valor de mercado é o que o mercado pensa sobre a administração da companhia e o comando do controlador". Nesse sentido, a combinação de 1) incerteza regulatória; 2) guerra federativa; 3) ausência de leilões; 4) excessos da política de conteúdo local; e 5) controle de preços, está sendo uma "bola de ferro" que impede o retorno do ciclo virtuoso do setor, que poderia ter um papel fundamental para o crescimento do PIB. A revisão do modelo regulatório do setor deveria entrar na agenda, sob pena de perdermos uma oportunidade histórica de utilizar adequadamente a riqueza de nosso solo.


Fabio Giambiagi, economista, coorganizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010" (Editora Campus)

Taxa média de juro cai para nova mínima histórica em outubro, diz BC



Valor 29/11

BRASÍLIA – A taxa média de juros das operações referenciais de crédito do sistema financeiro caiu 0,6 ponto percentual entre setembro e outubro, atingindo 29,3% ao ano, o menor nível da série histórica calculada pelo Banco Central (BC), com início em junho de 2000. Já a taxa de inadimplência considerando atrasos há mais de 90 dias não cede e permaneceu em 5,9% pelo quarto mês seguido.

Os dados foram divulgados nesta quinta-feira pela autoridade monetária. O governo iniciou em abril uma cruzada pela redução das tarifas bancárias. Este é o oitavo mês consecutivo de queda nas taxas médias. O corte acumulado de janeiro a outubro é de 7,8 pontos percentuais.

A queda foi um pouco maior nas operações direcionadas às empresas, cujo custo caiu 0,5 ponto percentual no mês passado, para 22,1% ao ano. Para as famílias, a média caiu de 35,8% para 35,4% ao ano. Tanto as taxas médias de juros das pessoas físicas como as das pessoas jurídicas atingiram as mínimas históricas em outubro.

O spread bancário (diferença entre as taxas de captação dos bancos e as aplicadas aos clientes) caiu de 22,3 pontos percentuais em setembro para 22 pontos em outubro, também novo piso histórico. Nas operações com pessoas físicas, o spread, que era de 27,9 pontos em setembro, caiu para 27,8 pontos percentuais. As empresas, por sua vez, contrataram crédito com spread de 15 pontos em setembro, ante 15,3 pontos no mês anterior.

Inadimplência

Desde o início do ano, o BC vem repetindo o discurso de que a inadimplência vai recuar neste segundo semestre. No entanto, pelos dados disponíveis, faltando apenas dois meses para terminar o ano, a taxa continua no mesmo patamar, o mais alto da série histórica, pelo quarto mês consecutivo.

Nos dez primeiros meses do ano, a taxa variou entre o intervalo curto de 5,7% a 5,9%. No acumulado do ano e nos 12 meses terminados em outubro, a taxa caiu apenas 0,4 ponto percentual.

Nos empréstimos e financiamentos referenciais a empresas, a inadimplência subiu para 4,1% em outubro, 0,1 ponto percentual a mais do que em setembro. No segmento de pessoas físicas, a taxa de atrasos continuou em 7,9%, também pelo quarto mês consecutivo.

O levantamento da autoridade monetária engloba as operações de crédito que são referenciais para o cálculo da taxa média de juros, que inclui quase todo o crédito livre.

A taxa de inadimplência de todas as operações de crédito do sistema financeiro, livre e direcionado, continuou em 3,8% em outubro – o mesmo nível que se repete desde abril. O volume de operações que tinha pelo menos uma prestação em atrasos há mais de 90 dias somou R$ 85,314 bilhões no mês passado.

Estoque

Ainda de acordo com os números do BC, o estoque de crédito no Brasil cresceu 1,4% em outubro, um ritmo melhor que o verificado em setembro. A carteira de empréstimos e financiamentos do sistema financeiro encerrou o período em R$ 2,269 trilhões.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Os poluidores têm de pagar




Por Jeffrey D. Sachs - Valor 28/11

Quando a BP e suas parceiras petrolíferas causaram o vazamento no poço Deepwater Horizon, no Golfo do México, em 2010, o governo dos EUA exigiu que a BP arcasse com os custos da limpeza, indenizasse as partes que tivessem sofrido danos e pagasse multas criminais pelas violações que causaram o desastre. A BP já reservou mais de US$ 20 bilhões para o saneamento ambiental e pagamento de multas. Com base em um acordo firmado na semana passada, a BP agora pagará a maior pena criminal na história dos Estados Unidos: US$ 4,5 bilhões1.

Os mesmos padrões de limpeza ambiental precisam ser impostos a empresas multinacionais que operam nos países mais pobres, onde seu poder tem sido normalmente tão grande em relação ao de governos, que muitas delas atuam impunemente, causando estragos no ambiente e assumindo pouca ou nenhuma responsabilidade. Os poluidores têm de pagar, seja em países ricos ou pobres. As grandes companhias precisam aceitar a responsabilidade por suas ações.

A Nigéria foi a mais importante prova da impunidade ambiental empresarial. Durante décadas, importantes companhias petrolíferas como a Shell, a ExxonMobil e a Chevron vêm produzindo petróleo no delta do Níger, um ambiente ecologicamente frágil de florestas em pântanos de água doce, manguezais, florestas tropicais em várzeas e ilhas barreiras costeiras. Esse habitat rico suporta uma biodiversidade notável - ou suportava, antes que as companhias de petróleo lá chegassem - e mais de 30 milhões de habitantes locais que dependem dos ecossistemas locais que asseguram sua saúde e meios de subsistência.

Vinte anos atrás, a União Internacional para Conservação da Natureza e Recursos Naturais classificou o delta do Níger como uma região de grande biodiversidade de flora e fauna marinha e costeira e por essa razão classificou-a como de prioridade muito alta para a conservação. No entanto, a União também observou que a biodiversidade da região está sob grande ameaça, com pouca ou nenhuma proteção.

As companhias multinacionais que operam no delta derramaram petróleo e queimaram gás natural durante décadas sem dar importância ao ambiente natural e às comunidades empobrecidas e envenenadas por suas atividades. Segundo uma estimativa2, os vazamentos acumulados ao longo dos últimos 50 anos somam cerca de 10 milhões de barris - o dobro da dimensão do vazamento pelo qual a BP foi responsável.

Os dados são incertos: houve vários milhares de vazamentos durante esse período - muitas vezes mal documentados, com suas dimensões ocultas ou simplesmente não mensuradas, seja pelas empresas ou pelo governo. De fato, exatamente no momento em que a BP era alvo de novas penalidades criminais, a ExxonMobil anunciou mais um vazamento em um oleoduto no delta do Níger.

A destruição ambiental do delta faz parte de uma saga maior: companhias corruptas que operam em conluio com funcionários governamentais corruptos. As empresas rotineiramente subornam funcionários para obter concessões petrolíferas, mentir sobre volumes produzidos, sonegar impostos e esquivar-se à responsabilidade pelos danos que causam ao ambiente. Autoridades nigerianas tornaram-se fabulosamente ricas devido a décadas de pagamentos por parte de companhias internacionais que saquearam as riquezas naturais do delta. A Shell, maior operadora estrangeira no delta do Níger, foi criticada diversas vezes por suas práticas escandalosas e por evitar ser responsabilizada.

Enquanto isso, a população local continuou pobre e vitimada por doenças causadas por ar insalubre, água potável envenenada e por poluição da cadeia alimentar. Essa terra sem lei gerou guerras entre gangues e persistente acesso ilegal aos oleododutos para roubar petróleo, produzindo mais enormes vazamentos de petróleo e frequentes explosões que matam dezenas de pessoas, inclusive inocentes.

Na era colonial, o objetivo oficial do poder imperial era extrair riqueza dos territórios administrados. No período pós-colonial, os métodos são mais disfarçados. Quando as empresas petrolíferas comportam-se mal na Nigéria ou em outros países, são protegidas pelo poder de seus países de origem. Não mexa com essas empresas, dizem os EUA e a Europa. De fato, um dos maiores subornos (supostamente, US$ 180 milhões) recentemente pagos na Nigéria saíram da Halliburton, uma empresa fortemente imbricada com o poder político americano.

No ano passado, o Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP, sigla em inglês) publicou um relatório sobre Ogoniland3, um importante berço étnico no delta do Níger, epicentro do conflito entre as comunidades locais e as companhias petrolíferas internacionais. O relatório foi tão contundente quanto claro. Apesar de muitas promessas de que uma limpeza seria empreendida, Ogoniland permanece em agonia ambiental, empobrecida e adoentada pela indústria petrolífera.

A UNEP também apresentou recomendações claras e detalhadas, entre elas medidas emergenciais para assegurar água potável; atividades de limpeza focadas nos manguezais e solos; estudos de saúde pública para identificar e neutralizar as consequências da poluição e um novo referencial regulamentador.

Governos em todo o mundo chegaram recentemente a um consenso em torno da adoção de um novo referencial para o desenvolvimento sustentável, declarando sua intenção de adotar Metas para um Desenvolvimento Sustentável (MDS) na Cúpula Rio+204, realizada em junho. As MDSs proporcionam ao mundo uma oportunidade crucial para definir normas claras e convincentes para o comportamento governamental e empresarial.

A limpeza do delta do Níger constituiria o exemplo mais vigoroso possível de uma nova era de responsabilidade. Shell, Chevron, ExxonMobil e outras grandes companhias petrolíferas deveriam manifestar-se e ajudar a financiar a limpeza necessária, inaugurando uma nova era de responsabilidade.

A responsabilidade do próprio governo nigeriano está em jogo. É animador que vários senadores nigerianos tenham recentemente assumido a vanguarda dos esforços para fortalecer o império da lei sobre o setor petrolífero.

A limpeza do delta do Níger constitui uma oportunidade ideal para que a Nigéria, a indústria petrolífera e a comunidade internacional mostrem de forma convincente que raiou uma nova era. A partir de agora, o desenvolvimento sustentável não deve ser mais um mero slogan, mas sim uma abordagem operacional à governança e ao bem-estar mundial em um planeta estressado e superpovoado. (Tradução de Sergio Blum)


Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É também assessor especial do secretário-geral das Nações Unidas no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio. Copyright: Project Syndicate, 2012.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

O teorema de Thomas



Por Antonio Delfim Netto - Valor 27/11

Há uma proposição justamente famosa, de W.I. Thomas: "Se as pessoas definem suas circunstâncias como reais, então elas serão reais em suas consequências." (Merton, R. - "Social Theory and Social Structure", 1957: 421-436).

Ela ajuda a entender o paradoxo de um governo extremamente bem avaliado pela sociedade e, ao mesmo tempo, visto com profunda desconfiança pelo seu setor produtivo privado, particularmente, o financeiro.

É sempre difícil, se não impossível, encontrar um indicador que revele o estado de "bem-estar", incorpore a esperança de que as coisas caminham relativamente bem e não há razão evidente para esperar o contrário.

As pesquisas empíricas sugerem que o sentimento de "bem-estar" depende, fundamentalmente, de duas variáveis: 1) do crescimento da renda real dos cidadãos, que pode ser aproximada pela sua renda média; e 2) da distribuição entre os cidadãos da renda produzida. Elas sugerem, cada vez mais fortemente que uma melhoria do nível de igualdade aumenta o "bem-estar" de todos.

Diante desses fatos, o grande economista Amartya Sen, ganhador do Nobel de 1998), propôs uma medida engenhosa para simular o "bem-estar social". Se o índice de Gini (que vai de 0 a 1) "mede" a concentração da renda, o seu complemento (1 menos o índice de Gini) sugere uma medida de "desconcentração", ou seja, de maior igualdade na distribuição da renda.

É bom lembrar que o índice de Gini mede a "distância média" entre as pessoas, não o seu nível de bem-estar. A sugestão de Sen é construir um indicador composto da renda média real multiplicada pelo índice de "desconcentração", de forma a captar um pouco melhor as duas variáveis a que nos referimos acima.

Felizmente, um interessante trabalho do Ipea ("A Década Inclusiva (2001-2011)", Comunicações do Ipea nº 155, 25/10/2012) construiu o tal índice, que reproduzimos no gráfico abaixo. Vemos claramente que na octaetéride (1995-2002) ele permaneceu estagnado.

O gráfico acima mostra a mudança de situação a partir de 2003, onde o indicador cresce fortemente (quase 5% ao ano), impulsionado por múltiplos fatores: 1) o aprofundamento da política econômica; 2) a colheita da estabilidade monetária e fiscal; 3) o aumento da produtividade produzida pelas privatizações e pequenas reformas estruturais; 4) e, mas não menos importante, pela ênfase à inclusão introduzida nas políticas sociais e consequente redução das distâncias entre a renda dos indivíduos, o que explica por que o governo é popular.

No período, o crescimento do PIB foi superior (3,9% contra 2,3%) e a inflação menor (5,9% contra 9,3%). Vamos terminar 2012 com um crescimento medíocre, em torno de 1,6%, e uma taxa de inflação em torno de 5,5%. A expansão do terceiro trimestre sobre quarto trimestre (talvez ligeiramente superior a 1%), e a expectativa de um quarto trimestre sobre o terceiro um pouco menor, já mostra um crescimento anualizado em torno de 4%.
A sua sustentação ao longo de 2013 dependerá do comportamento da política econômica, da aceleração dos investimentos públicos e da cooptação da confiança do setor privado, para que esse recupere o seu "espírito animal" e desamarre o seu navio do ilusório cais da segurança.

Aqui entra outra vez o teorema de Thomas. Se o setor privado erroneamente supõe que o governo é hostil ao mercado, e que deseja ampliar o seu tamanho, ele tira as consequências dessa sua crença, buscando uma posição defensiva segura, até que a tempestade (o governo passageiro) dê lugar ao sol. Não adianta discutir ou ficar triste: "as circunstâncias pensadas como reais levam à consequências reais". Para cooptar o investimento privado indispensável para uma ampliação do crescimento é preciso mudar tal crença.

O governo precisa insistir que é "pró-mercado", não "pró-negócio", a favor da competição regulada e ágil e que não pretende realizar diretamente aquilo que, por sua natureza, o setor privado sabe fazer melhor. Mais ainda, que não se envolve com os "negócios" que caracterizam o "capitalismo de compadres". Trata-se de cooptar a massa gigantesca de pequenos, médios e grandes empresários, assustados com o fantasma da "estatização" que, se divulga, seria o verdadeiro objetivo do governo.

O fundamento da crítica é que o governo teria abandonado o famoso tripé: 1) déficits nominais modestos e convergência da relação dívida/PIB; 2) o sistema de metas inflacionárias e 3) o regime de câmbio flutuante, cuja pureza existe apenas nos livros-textos.

O que houve (e o presidente do Banco Central do Brasil, Alexandre Tombini, acaba de mostrar no Senado da República) foi apenas um ajuste pragmático para enfrentar as novidades da economia mundial. Ninguém acredita, nem ele, que, no longo prazo, a política de câmbio fixo e o sistema de metas de inflação sejam compatíveis.



Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A era da repressão financeira



Por Sylvester Eijffinger e Edin Mujagic - Valor 26/11

Quase imediatamente após sua reeleição, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, voltou suas atenções para domar a crescente dívida nacional do país. Na realidade, quase todos os países ocidentais vêm adotando políticas para reduzir - ou pelo menos conter - o volume da dívida pública.

Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, em ensaio amplamente citado, "Growth in a Time of Debt"1 (crescimento em tempos de dívidas, em inglês), argumentam que quando o endividamento governamental supera 90% do Produto Interno Bruto (PIB), os países passam a ter menor crescimento econômico. A dívida nacional de muitos países ocidentais agora está perigosamente próxima e em alguns casos acima desse limite crítico.

De fato, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)2, até o fim deste ano a relação entre PIB e dívida nacional dos EUA vai aumentar para 108,6%. O endividamento público da região do euro está em 99,1% do PIB, encabeçado pela França e Reino Unido, onde a relação deverá chegar a 105,5% e 104,2%. Mesmo a bem disciplinada Alemanha deverá chegar perto do limite de 90%, com 88,5%.

Um país pode reduzir suas dívidas nacionais por meio do corte do déficit orçamentário ou de superávits primários (o equilíbrio fiscal, sem contar o pagamento de juros das dívidas). Isso pode ser obtido via aumentos de impostos, cortes nos gastos governamentais, maior crescimento econômico ou alguma combinação desses componentes.

Quando a economia cresce, estabilizadores automáticos fazem sua mágica. À medida que mais pessoas trabalham e ganham mais dinheiro, aumentam as obrigações tributárias e diminuem os benefícios sociais, como o seguro-desemprego. Com uma arrecadação maior e gastos menores, o déficit no orçamento diminui.

Em tempos de baixo crescimento econômico, no entanto, as opções das autoridades são amargas. Aumentar impostos não é apenas uma medida impopular; pode ser contraproducente, tendo em vista a tributação já elevada em muitos países. Também é difícil conquistar apoio público a cortes nos gastos. Como resultado, muitas autoridades ocidentais vêm buscando soluções alternativas - muitas das quais pode ser classificadas como uma repressão financeira.

Repressões financeiras ocorrem quando os governos tomam medidas para canalizar para si mesmos recursos que, em um mercado desregulamentado, rumariam em outra direção. Por exemplo, muitos governos adotaram regulamentações para bancos e empresas de seguros que aumentaram o volume de dívidas governamentais que essas firmas detêm em seu poder.

Vejamos as normas bancárias internacionais do acordo da Basileia 33. Entre outros pontos, o acordo estipula que os bancos não precisam reservar dinheiro para garantir seus investimentos em bônus governamentais com classificações de "AA-" ou superiores. Além disso, os investimentos em bônus emitidos por seus governos nacionais não precisam de cobertura de capital, independentemente do "rating".

Paralelamente, os bancos centrais ocidentais usam outro tipo de repressão financeira, ao manter taxas de juros reais negativas (que dão rendimento inferior ao da inflação), o que lhes permite honrar o serviço de suas dívidas de forma gratuita. Os juros básicos do Banco Central Europeu (BCE) estão em 0,75%, enquanto a inflação anual da região do euro é de 2,5%. Da mesma forma, o Banco da Inglaterra mantém a taxa referencial em apenas 0,5%, apesar de uma inflação que paira acima dos 2%. E, nos EUA, onde a inflação também supera os 2%, os juros referenciais para os fundos federais do Federal Reserve (Fed) são os mais baixos da história, entre 0% e 0,25%.

Além disso, tendo em vista que o BCE, Banco da Inglaterra e Fed aventuram-se pelos mercados de capitais - por meio da flexibilização monetária quantitativa (QE, na sigla em inglês) nos EUA e Reino Unido e do programa de "Transações Monetárias Diretas" (OMT, na sigla em inglês) do BCE na região do euro -, as taxas de juros reais de longo prazo também estão negativas (a taxa real de 30 anos nos EUA é positiva, mas por muito pouco).

Tais táticas4, em que os bancos são instigados, embora não coagidos, a investir em títulos de dívidas governamentais, constituem uma repressão financeira "suave". Os governos, entretanto, podem ir além desses métodos e exigir que as instituições financeiras mantenham ou elevem os títulos soberanos em seu poder, como a Autoridade de Serviços Financeiros (FSA, órgão regulador do mercado financeiro britânico) fez em 20095.

De forma similar, em 2011, os bancos espanhóis ampliaram a concessão ao governo em quase 15%, embora as concessões do setor privado para os captadores como um todo tenham se contraído e o governo espanhol tenha ficado com menor capacidade creditícia. Um alto executivo bancário italiano disse em certa ocasião que os bancos da Itália seriam enforcados pelo Ministério das Finanças se vendessem qualquer título do governo. E um executivo bancário português afirmou que, embora os bancos devessem reduzir sua exposição a bônus governamentais de risco, a pressão governamental para que comprassem mais era avassaladora.

Além disso, em muitos países, como França, Irlanda e Portugal, os governos invadiram seus fundos de previdência para financiar os déficits orçamentários. O Reino Unido está prestes a adotar medida similar, "permitindo" que seus fundos de pensão públicos invistam em projetos de infraestrutura.

O financiamento monetário, direto ou indireto, dos déficits orçamentários costumava figurar entre os pecados mais graves que um banco central poderia cometer. A QE e as OMTs são, simplesmente, novas encarnações dessa velha transgressão. Tais políticas dos bancos centrais, combinadas com o acordo da Basileia 3, significam que a repressão financeira provavelmente definirá o cenário econômico por pelo menos mais dez anos. (Tradução de Sabino Ahumada).


Sylvester Eijffinger é professor de Economia Financeira na Tilburg University, na Holanda.



Edin Mujagic é economista na Tilburg University. Copyright: Project Syndicate, 2012.



quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Madri quer estimular compra de imóveis por estrangeiros



Valor 21/11

Quem passeia pelas ruas de Madri ou outra grande cidade espanhola não escapará de constatar o forte número de cartazes de apartamentos à venda, refletindo a tentativa desesperada de seus proprietários de se desembaraçarem de dívidas. A oferta é bem visível inclusive no rico bairro de Salamanca, na capital espanhola.

Consequência da bolha imobiliária, a Espanha tem estoque de 800 mil a um milhão de imóveis sem conseguir comprador. Alem disso, até o fim do ano o "bad bank" criado pelo governo, reunindo ativos podres da banca nacionalizada, colocará a venda outros 89 mil imóveis no mercado, equivalente a 13 milhões de metros quadrados de construção.

Como há muito para vender, e dos compradores locais nada se espera, o governo espanhol planeja agora atrair estrangeiros com autorização de residência quase automática aos que adquirirem um imóvel no país por montante superior a € 160 mil (R$ 426 mil), que é o preço médio das moradias no país.

A ideia é dar autorização de residência por dois a três anos ao comprador. Ele será dispensado da obrigação de passar cada ano pelo menos seis meses e um dia na Espanha, tempo exigido hoje dos demais residentes estrangeiros.

Essa exceção, em estudo, para investidores na lei de estrangeiros se baseia no que já fizeram outros países em crise na região, como Irlanda e Portugal, para tentar dinamizar o estagnado mercado imobiliário, em meio à pior recessão das últimas décadas na Europa.

O governo espanhol diz querer aproveitar o interesse que o país desperta no estrangeiro, diante do atrativo que é a queda de 30% em média nos preços dos imóveis desde o pico anterior à crise.

O anúncio do plano do governo causou críticas fortes do Partido Socialista e outras oposições, que acusam o governo de "mercantilizar" a autorização de residência. Associações de imigrantes por sua vez denunciam "discriminação".

Mas o secretário de Estado de Comércio, Jaime García-Legaz, argumentou na imprensa local que "o mercado nacional de imóveis está muito parado e não se vê no horizonte muita capacidade de compra por falta de crédito e a difícil situação que atravessam muitas famílias espanholas".

Segundo o governo, haveria já demanda de imóveis por parte especialmente de russos e chineses. Os brasileiros também são bem apreciados. Os preços de imóveis no Brasil hoje fazem os custos na Espanha serem bem acessíveis.

Está fácil agora ser inclusive vizinho do rei Juan Carlos. A alguns metros do palácio Real, uma placa anuncia para venda um apartamento de 70 metros quadrados. Logo adiante, ao lado do teatro Real, um apartamento de 120 metros quadrados está sendo oferecido por € 510 mil, com bom abatimento, segundo seu proprietário.

O número de imóveis a serem colocados no mercado só não será maior proximamente porque o governo suspendeu os despejos em casos extremos. De toda maneira, imóveis tomados por Bankia, Catalunya Bank, Banco de Valencia e NCG Banco, agora acumulados no "bad bank", serão colocados no mercado em dezembro, com abatimento ainda maior, na expectativa de analistas.

A Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, lembra que a autorização de residência é competência de cada país. Há um mês, Portugal passou a dar carta de residência para todo estrangeiro que transferir ao país mais de € l milhão, criar em sua empresa 30 empregos ou comprar um imóvel de pelo menos € 500 mil. Esse estrangeiro não precisa residir seis meses em Portugal, como os outros. Pode residir 30 dias no primeiro ano do investimento e 60 dias nos restantes, desde que se comprometa com a manutenção do investimento por cinco anos.

Na Irlanda, o estrangeiro recebe autorização de residência especial se investir entre € 500 mil e € 1 milhão, conforme o tipo de projeto, e comprar imóveis. O jornal "El País" mostra ainda que no Reino Unido pode-se obter a autorização com compra de imóvel de € 1,25 milhão, pelo menos. Na França, a barra é mais alta: o investimento em imóveis deve ser de € 10 milhões.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Dólar ignora melhora externa e sustenta R$ 2,08



Valor 20/11

A trégua observada no cenário externo ontem foi incapaz de ofuscar no mercado doméstico as saídas de recursos, reforçando o debate sobre o patamar de câmbio com que o governo está disposto a trabalhar - se acima ou abaixo de R$ 2,10.

Depois de atravessar boa parte da segunda-feira em baixa ante o real, seguindo a tendência externa de apreciação das divisas de países exportadores, o dólar por aqui recuperou o fôlego para fechar estável, a R$ 2,082 - repetindo a maior cotação desde maio de 2009.

Já no mercado futuro, o contrato de dólar para dezembro cedeu 0,16%, para R$ 2,085.

Segundo operadores, o impacto das saídas de recursos ontem foi potencializado pelo menor volume de negócios, entre uma sessão espremida pelo feriado prolongado na semana passada e por outra parada, hoje, em São Paulo. Os profissionais de corretoras disseram que um sinal do fluxo negativo foi a alta do cupom cambial [taxa de juros em dólar] para janeiro de 2013.

O mercado segue debatendo se de fato houve uma mudança no patamar da banda cambial. Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor de política monetária do Banco Central e atual economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), partilha da visão de que o BC não só toleraria o dólar acima de R$ 2,10 como, no caso de uma piora acentuada nos mercados, conseguiria apenas minimizar um viés de apreciação da moeda americana.

"Só acho que ele vai intervir se o dólar disparar, se ultrapassar em muito a resistência de R$ 2,10, o que, se acontecer, deverá ser por uma deterioração no exterior", avalia Freitas. Para ele, o BC está numa "encruzilhada", uma vez que qualquer intervenção pode levar a moeda a testar os extremos da banda.

Já o estrategista da Votorantim Corretora, Rafael Espinoso, diz que ainda não consegue enxergar evidências claras de que o dólar tende a se sustentar nesse nível. Para ele, a combinação do fim do impasse relacionado ao programa fiscal americano com a retomada mais firme da atividade doméstica no próximo ano darão suporte às estimativas de dólar perto de R$ 2,00.

No mercado de juros, as taxas negociadas na BM&F cederam pela segunda sessão, influenciadas por dois fatores: revisões para baixo nas projeções feitas pelos agentes econômicos para indicadores de inflação e de atividade, conforme apurou o Boletim Focus do Banco Central; e a deflação registrada pelo Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), da Fundação Getulio Vargas, na segunda prévia de novembro.

Mudou a banda cambial ou foi a liquidez?

É cedo e arriscado contar com uma mudança na banda de flutuação da taxa de câmbio no Brasil, hoje praticamente fixa entre R$ 2 e R$ 2,10. Após uma sequência de altas, na sexta-feira passada, o dólar subiu a R$ 2,08 - preço mais alto em três anos e meio - e alimentou a expectativa de que o Banco Central (BC) já estaria promovendo um deslocamento dessa banda para um patamar mais elevado. Será? A pressão claramente identificada não seria consequência de uma prudente antecipação de operações às vésperas de feriados?

O movimento do mercado financeiro em geral, e do câmbio em particular, vem sendo comprometido desde meados da semana passada diante da aproximação dos feriados. Na quinta-feira, os negócios foram suspensos por um feriado nacional. Hoje, a liquidez tende a sofrer uma queda brutal com a interrupção das operações em São Paulo, graças ao recesso do Dia da Consciência Negra.

E não para por aí. Na quinta-feira, portanto logo após a retomada dos negócios domésticos, as operações estarão sujeitas a nova baixa. Desta vez, com a paralisação dos mercados nos Estados Unidos pelo Dia de Ação de Graças.

O mercado de câmbio vê o dólar orbitando os R$ 2,08 e aguarda um sinal do BC, sancionando uma elevação da banda de flutuação que pode não se confirmar. Ontem, a pesquisa Focus trouxe projeções medianas para taxas de câmbio ao fim de 2012 e 2013 em, respectivamente, R$ 2,03 e R$ 2,02, sem surpresas.

Mas a elite das instituições participantes da sondagem do BC, agrupadas no ranking Top 5 de curto e médio prazo, já vinha sinalizando uma alta discreta da taxa de câmbio. As Top 5 com maior número de acertos em projeções de curto prazo esperam dólar a R$ 2,06 em dezembro de 2012 e R$ 2,08 em dezembro de 2013.

O grupo Top 5 com mais acertos no médio prazo também sinaliza dólar a R$ 2,06 para o fim deste ano. E, há três meses, conta com R$ 2,10 em dezembro de 2013. Ontem, a moeda fechou estável a R$ 2,082.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Nível dos reservatórios das hidrelétricas continua em queda



Na Região Nordeste, lagos das hidrelétricas estão em 32,3%, apenas 5,8 pontos acima do limite de segurança

19 de novembro de 2012
2h 07

Notícia
O Estado de S.Paulo

As chuvas que caíram nas últimas semanas não foram suficientes para recuperar o nível dos reservatórios das hidrelétricas. Pelo contrário. O porcentual de armazenamento continuou caindo na semana passada para níveis próximos ao do pré-racionamento, em 2000. No sistema Sudeste/Centro-Oeste, o nível dos reservatórios está em 34,6%; no Norte, 39,6%; e no Sul, 40,7%.

A Região Nordeste vive a pior situação, com um nível de reservatório em 32,3%, apenas 5,8 pontos acima do limite de segurança para o abastecimento do mercado - um mecanismo de alerta criado pelo governo federal após o racionamento de 2001.

Trata-se do pior nível desde 2003, quando o volume de água nas represas caiu para 18,97%. A esperança é que as chuvas do final de novembro e de dezembro sejam mais consistentes e consigam recompor os lagos das hidrelétricas. Mas, pelas previsões dos institutos de meteorologia, no Nordeste, as chuvas virão apenas em janeiro, e ainda assim abaixo do previsto. Só em novembro, o nível dos reservatórios da região recuou 1,8 ponto porcentual.

Nesse quesito, no entanto, o sistema Sudeste/Centro-Oeste teve uma depreciação mais rápida de seus lagos, de 2,6 pontos. Foi para evitar esse desgaste que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) acionou os cerca de 11 mil megawatts (MW) de energia das térmicas. Mas nem todas estão conseguindo gerar o volume total programado pelo operador, o que continua pressionando o nível de água nas represas.

Para completar o cenário, vários parques eólicos que poderiam estar poupando água nos reservatórios estão parados no meio do Nordeste por falta de linha de transmissão. No total, são 32 usinas prontas e sem gerar um único MW. Em alguns casos, o sistema de transmissão só ficará pronto dentro de um ano, na melhor das hipóteses. O problema é que a estatal Chesf, responsável pela construção das linhas, não conseguiu concluir - em alguns casos, nem começar - as obras dentro do prazo previsto.

Térmicas. Na opinião de especialistas, o Brasil ficará cada vez mais dependente da geração termoelétrica. A explicação é a construção de grandes usinas, sem reservatório, distantes dos centros urbanos, e de uma série de pequenas centrais elétricas, como as eólicas e as usinas a biomassa. Todas essas unidades dependem das variações climáticas e, portanto, podem gerar mais ou menos energia.

Por causa das restrições ambientais, a maioria das grandes usinas hidrelétricas são construídas a fio d'água - ou seja, não têm represa para guardar água, a exemplo das hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio. Isso significa que o Brasil está perdendo capacidade de poupança para suportar períodos com hidrologia desfavorável, como o que está ocorrendo agora.

Dados do ONS mostram que, em 2001, a capacidade dos reservatórios era suficiente para atender seis meses de carga de energia de todo o sistema interligado nacional. Em 2009, o volume já tinha caído para cinco meses. E, em 2019, será suficiente para apenas três meses. Sem reserva suficiente, o País terá de recorrer às térmicas - mais caras e poluentes. Até lá, espera-se que todas estejam preparadas para gerar conforme o volume programado.

Empresas deixam no exterior dólares das captações



Por Fernando Travaglini e Filipe Pacheco - Valor 19/11
De São Paulo

Apesar de as empresas terem captado US$ 17,55 bilhões nos últimos quatro meses, desde a reabertura do mercado externo, menos de um terço dessa enxurrada de recursos aportou por aqui. A grande parcela do capital ficou mesmo no exterior, contribuindo para o fraco fluxo de moeda estrangeira registrado pelo país desde então.

Apenas companhias que não têm subsidiária no exterior, como é o caso da Caixa Econômica Federal, por exemplo, são obrigadas a trazer os recursos. Quem não tem essa necessidade prefere deixar os dólares nas contas no exterior, seja para pagar fornecedores, seja para capital de giro.

Do total captado nesse período, menos de 30% foi feito pelas unidades brasileiras das empresas, e não por subsidiárias em paraísos fiscais, como as Ilhas Cayman. Isso representa algo em torno de US$ 5 bilhões que precisaram obrigatoriamente passar pelo país. O restante, ficou depositado em contas de bancos internacionais.

Dessa forma, as companhias evitam o custo do swap cambial, hoje elevado, e não precisam arcar com o Imposto de Renda de 15% na hora de honrar com os pagamentos semestrais de juros (cupom).

Essa condição de alto custo para internalizar os recursos é nova para as empresas, especialmente as exportadoras. Antes, a grande maioria dos emissores frequentes de bônus podiam trazer moeda estrangeira usando o instrumento do pré-pagamento de exportação, isento de IR.

A modalidade, no entanto, foi limitada pelo governo a um prazo máximo de um ano, no início do ano. Os pré-pagamentos de exportação recuaram à metade desde a adoção da medida.

"Do total levantado nos últimos, acredito que muito pouco veio para o Brasil", disse Rodrigo Cabernite, diretor de mercado de capitais do Standard Chartered. Segundo ele, o principal impeditivo são mesmo as taxas elevadas do swap cambial (hedge) e a carga de impostos.

"Faz mais sentido trazer esse dinheiro apenas para empresas consideradas 'high yield' (com perfil de dívida mais arriscado), que conseguiram captar a custos relativamente mais baixos", acrescenta. "Ainda assim, o swap pode fazer com que a operação fique pouco viável", diz Cabernite.

Nessa categoria estão a construtora OAS e a BR Malls, que se aproveitaram de um bom momento para captar a custos baixos, mas que provavelmente terão de arcar com custos altos para trazer o dinheiro. "Para os que não têm essa obrigação, não é viável entrar com o dinheiro no país", diz um banqueiro que acompanha o mercado em Nova York. "O mais natural é que a maioria das empresas deixe esse dinheiro no exterior", completou a fonte.

Algumas companhias inovaram ao trazer os recursos externos por meio das novas debêntures de infraestrutura, que seguem a Lei 12.431 e são isentas de IR, como a OGX e a Minerva. Mas ainda há dúvidas sobre a viabilidade deste instrumento, devido ao excesso de exigências para enquadrar a oferta na lei.

Uma outra explicação para o fluxo de recursos externos tão limitado está no sistema bancário. A baixa demanda por modalidades de empréstimos em moeda estrangeira por parte das companhias tem feito os bancos brasileiros diminuírem a captação externa.

Não por acaso, grande parte das emissões feitas pelas instituições financeiras lá fora tem sido para reforçar o capital próprio (bônus subordinado), dinheiro que não é usado para fomentar diretamente o crédito.

Cabernite explica que os grandes bancos que emitiram dívida lá fora ao longo do ano têm usado as suas unidades estrangeiras para emprestar diretamente a empresas brasileiras envolvidas em grandes projetos de infraestrutura na África e na Ásia, por exemplo, ou para companhias que estão em processo de internacionalização.

Mesmo as linhas usadas tradicionalmente como capital de giro, como o adiantamento de contrato de câmbio (ACC), estão em queda. Em relação ao primeiro semestre, o recuo nas liberações de ACC chega a 35%.

Dessa forma, mesmo com o bom momento para tomar recursos no exterior, esse capital não tem se revertido em investimentos no país nem em capital de giro, sinal da fraca capacidade da economia doméstica e também das exportações brasileiras.

Por fim, vale lembrar que as medidas do governo no sentido de controlar a entrada de capital externo, aliado à queda da taxa Selic, também têm responsabilidade no fraco fluxo de moeda estrangeira para o país, especialmente no segundo semestre.

As barreiras impostas pelo governo - seja via limite à entrada física de moedas por meio de tributação, seja pela criação de impostos diretamente no mercado de derivativos cambiais - foram exitosas em afastar o capital externo, para o bem e para o mal.

Segundo o diretor-executivo da NGO Associados Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, a fuga de recursos tem se dado principalmente para o pagamento de importações, além de um saldo a pagar da ordem de US$ 14 bilhões herdado do exercício anterior entre remessas de dividendos, juros sobre capital próprio, saídas da bolsa e desinvestimentos.

Para ele, o movimento, que vem desde maio, confirma que o país não atrai mais capitais especulativos. O lado negativo é que a liquidez do mercado de dólar tem sido afetada, trazendo de volta a expectativa de que o Banco Central possa fazer leilões de venda de dólar no mercado à vista para suprir a falta de divisas - caso não intervenha, pode ser um sinal de que sancionou a nova banda cambial mais depreciada.

A moeda americana fechou em alta em seis dos últimos sete pregões, atingindo R$ 2,082, na sexta-feira, a maior cotação desde maio de 2009, com uma alta acumulada de 2,46% nesse período, em relação ao dia 6 (R$ 2,032).

Os primeiros dados do fluxo cambial relativos ao mês de novembro mostraram um certo alívio no fluxo de divisas, somando US$ 2,661 bilhões, no fim da semana passada, segundo o BC.

Nehme pondera, no entanto, que essa mudança pode ter sido pontual, já que o movimento de alta da moeda americana pode indicar que o fluxo voltou a ficar deficitário. "A tendência de fluxo negativo está efetivamente se acentuando e com evidências claras desde maio", diz.

A situação, que hoje pode se mostrar favorável ao exportador brasileiro, tem seus efeitos colaterais. Nehme, que defende uma taxa mais desvalorizada, acredita que o ideal seria flexibilizar a taxação dos empréstimos externos, para tentar atrair mais moeda estrangeira no futuro. "Vamos precisar de mais dólares no ano que vem, caso contrário o fluxo cambial pode se consolidar no terreno negativo", alerta.

O mercado de empréstimos externos sindicalizados (aqueles em que vários bancos dividem o risco da operação) ficou praticamente fechado ao longo deste ano. No ano passado, o instrumento permitiu o financiamento de US$ 27,4 bilhões.

Só competitividade não salvará o euro




Por Wolfgang Münchau - Valor 19/11

Após as eleições na Alemanha em 2002, o governo iniciou uma série de reformas econômicas, principalmente nos setores trabalhista e de bem-estar social. A economia alemã continuou estagnada até em torno de 2005, mas viveu uma recuperação sólida, interrompida pela recessão de 2009. Esses são os fatos. Mas a história contada em toda a Europa é que as reformas provocaram um novo milagre econômico alemão.

O argumento é uma falácia lógica do tipo "hoc ergo propter hoc": depois disso, portanto por causa disso. Feitas as reformas, veio o crescimento - daí a causalidade e, portanto, a aplicabilidade universal. Todas as autoridades europeias parecem ter aceito essa cadeia de argumentação. E estão agora aplicando sua lógica imperfeita à França.

No início deste mês, um relatório da autoria de Louis Gallois, ex-presidente da EADS, sugeriu medidas para tornar a França mais competitiva. O relatório e o debate que se seguiu refletem uma confusão intelectual mais ampla sobre a natureza de reformas. Eu detecto um diagnóstico triplamente equivocado: sobre os efeitos das reformas na Alemanha, sobre o tipo de reformas que hoje são necessárias na França, na Itália e na Espanha, e sobre o foco em competitividade.

A primeira das três falácias diz respeito à Alemanha. Durante o pós-guerra, a economia alemã teve um bom desempenho no âmbito de regimes de câmbio fixo. Seu primeiro milagre econômico ocorreu durante a era de Bretton-Woods - as décadas de 1950 e 1960 - ao conseguir desvalorizar seu câmbio real em relação a outros membros do sistema. Não deveria constituir surpresa que a Alemanha prospere na zona do euro fazendo exatamente a mesma coisa. A recuperação que se seguiu à crise financeira no início da década passada foi causada por um longo período de moderação salarial.

Então, existiu um nexo entre reformas e moderação salarial? Se assim for, seria possível estabelecer uma relação de causalidade entre as reformas de 10 anos atrás e a subsequente melhoria de desempenho econômico. Para responder essa pergunta, é preciso examinar a natureza da dosagem relativa de política salarial versus desemprego, bem como outros fatores que estavam presentes. Embora os sindicatos alemães tenham aceito salários mais baixos para evitar perdas de emprego, a natureza do "balanço" inflação versus desemprego - representado na chamada curva de Phillips - revelou-se estável ao longo do tempo.

Sindicatos e empregadores alemães deslocaram-se, ao longo da curva, para uma posição onde os salários eram mais baixos e o emprego mais alto, mas as reformas não modificaram a natureza intrínseca desse balanço. Nesse contexto, para início de conversa, será que as reformas pelo menos contribuíram para esse deslocamento ao longo da curva, ao fazer com que os sindicatos aceitassem essa barganha? É difícil responder essa indagação, mas minha explicação intuitiva é que o processo de terceirização (de atividades), levadas para a Europa Central - um choque externo - foi a principal razão para os sindicatos terem agido como fizeram. Num país com baixa mobilidade regional da mão de obra, o fechamento de uma fábrica produziria, em outras circunstâncias, persistente desemprego.

Em segundo lugar, para corrigir os problemas econômicos da França, deve-se aplicar uma abordagem lúcida e focada. A França e a Espanha estão sofrendo com o desemprego juvenil. O problema é bem compreendido. É resultado de um mercado de trabalho fragmentado, que protege os trabalhadores com contrato de trabalho permanente, mas discrimina pessoas de fora e jovens. Em vista de um desemprego de 52% entre os jovens na Espanha, essa deveria ser a prioridade para a reforma econômica. Devemos, portanto, distinguir entre as reformas que atendem a um objetivo específico e bem definido - como a adoção de um contrato único de trabalho ou uma reforma das aposentadorias - de reformas com efeitos não comprovados. Também deveríamos separar reformas específicas daquelas derivadas puramente da ideologia de direita.

Por fim, por que sempre focamos a questão da competitividade? Empresários falam incessantemente sobre isso, mas é um conceito menos útil em escala macroeconômica. Competitividade reúne dois conceitos: competitividade macroeconômica, conforme expressa pela taxa de câmbio real e pela produtividade total dos fatores (PTF), que é um indicador do dinamismo tecnológico de um país. Uma diminuição dos custos unitários da mão de obra é um ganho apenas se um país - e nenhum dos outros -, conseguir isso. Se defendermos esse objetivo como política para toda a zona euro, o resultado será um jogo de soma zero. Não podemos, todos, simultaneamente, desvalorizar. Se estamos dizendo que a zona do euro deveria reduzir os custos unitários de mão de obra ao nível da Alemanha, por que pensar que a Alemanha não fará o mesmo?

Então, resta a PTF. Muito bem, mas seria melhor, então, nos concentrarmos especificamente nela, e não com a distração do nebuloso conceito de competitividade. Além disso, podemos não saber tanto sobre a PTF como pensamos.

Reformas específicas podem ser úteis, mas ninguém deve iludir-se, julgando que reformas estruturais podem resolver o que é, em última instância, uma crise de balanço de pagamentos. É preciso, primeiro, solucionar esta crise, em vez de buscar refúgio no velho debate com que os europeus gostam de perder tempo: reformas institucionais e reformas estruturais. Ambas não são irrelevantes, mas são irrelevantes para a resolução desta crise. (Tradução de Sergio Blum)



Wolfgang Münchau é editor do FT, especialista em União Europeia.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Europa: sacrifícios sem benefícios


Por Michael Marder - Valor 14/11

O presidente francês, François Hollande, fez uma observação crucial: de que há limites para o nível de sacrifício que pode ser exigido dos cidadãos de países em dificuldades financeiras no sul da Europa. Para evitar transformar a Grécia, Portugal e Espanha em "casas de penitência" coletivas, argumentou, as pessoas precisam de esperança para além do horizonte cada vez mais distante de cortes de gastos e medidas de austeridade.

Até mesmo a compreensão mais rudimentar de psicologia corrobora a avaliação de Hollande. É improvável que reforço negativo e gratificação retardada alcancem seus objetivos se não houver uma percepção de luz no fim do túnel - uma recompensa futura para os sacrifícios atuais.

O pessimismo da sociedade no sul da Europa é atribuído principalmente à ausência de uma recompensa. À medida que a confiança do consumidor declina e que o poder de compra das famílias aprofunda a recessão, as projeções de um fim para a crise são repetidamente empurradas para o futuro e as pessoas que estão arcando com o ônus da austeridade perdem a esperança.

Ao longo da história, o conceito de sacrifício mesclou teologia e economia. No mundo antigo, as pessoas faziam oferendas muitas vezes sangrentas a divindades que, acreditavam elas, as recompensariam com, digamos, boas colheitas ou a proteção contra o mal. O cristianismo, com sua crença em que Deus (ou o Filho de Deus) sacrificou-se para expiar os pecados da humanidade, inverteu a economia tradicional do sacrifício. Nesse caso, o sofrimento divino serve como um exemplo de humildade altruísta com a qual devem ser suportados os infortúnios terrenos.

Apesar da secularização, a crença em que recompensas ou conquistas pessoais exigem sacrifícios tornou-se parte integrante da consciência cultural europeia. A ideia de um "contrato social" - que surgiu durante o Iluminismo para confirmar, sem recorrer ao direito divino, a legitimidade da autoridade do Estado sobre seus cidadãos - repousa na premissa de que os indivíduos abrem mão de determinado grau de liberdade pessoal para assegurar paz e prosperidade a todos.

Em consequência disso, os líderes políticos frequentemente pedem aos cidadãos que sacrifiquem suas liberdades e conforto pessoais em nome de entidades espirituais secularizadas, tais como a nação ou o Estado - e os cidadãos atendem. Em seu primeiro discurso de primeiro-ministro do Reino Unido perante a Câmara dos Comuns, Winston Churchill inspirou a esperança de uma nação sitiada ao declarar que ele - e, portanto, o Reino Unido - "nada tinha a oferecer, se não sangue, labuta, lágrimas e suor".

Em vista de tais incontáveis precedentes, pode parecer surpreendente que a retórica do sacrifício sob a bandeira da austeridade tenha se mostrado tão ineficaz na atual crise europeia. Alguns observadores culpam esse estado de coisas ao declínio dos níveis de comprometimento em relação a qualquer coisa que transcenda o indivíduo, inclusive o sistema político.

Mas a resistência à austeridade no sul da Europa não está enraizada em hostilidade generalizada a sacrifícios. Na realidade, os europeus agora acreditam que seus líderes estão exigindo sacrifícios que não promovem seus interesses. Churchill proporcionou aos britânicos uma expectativa: a vitória. Sem um fim claro que o justifique, o sacrifício torna-se sem sentido.

A premissa era que a prosperidade deveria legitimar a União Europeia. Depois que o período de rápido crescimento econômico terminou, os líderes europeus passaram a apoiar-se na ameaça de um mal maior do que a austeridade: a desestabilização dos países devedores, resultando em calotes, expulsão da zona do euro, e colapso econômico, social e político.

Mas a retórica do medo está perdendo influência, porque o "Novo Pacto" que está tomando forma no sul da Europa oferece mais repressão e menos proteção, desrespeitando, assim, os princípios fundamentais do contrato social. De fato, enquanto os cidadãos europeus são convidados a sacrificar seu padrão de vida - e até mesmo sua subsistência - pelo bem da "economia nacional", as empresas transnacionais estão prosperando.

As condições impostas pela "troika" - Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional - equivalem a adiar por tempo indeterminado a satisfação das necessidades daqueles aos quais foram pedidos sacrifícios e a reparação das esgarçadas redes de seguridade social. Mas os governos nacionais continuam implementando políticas que agravam a injustiça. Por exemplo, o orçamento de Portugal para 2013 reduz de oito para cinco o número de faixas do imposto de renda - uma decisão que devastará a classe média.

Antes, sacrifício significava abdicar do corpo - de seus prazeres, necessidades básicas e até mesmo de sua vitalidade - para proveito do espírito. Embora o discurso do sacrifício persista, a lógica em que ele se apoiava há milênios foi abandonada. Os líderes europeus precisam imbuir seus cidadãos de renovadas esperanças. A legitimidade de uma Europa "pós-nacional" - baseada nas obrigações da União Europeia, consagradas no Tratado de Lisboa para promover "o bem-estar de seu povo" - está em jogo. (Tradução de Sergio Blum).



Michael Marder é professor e pesquisador da Universidade do país Basco, em Vitoria-Gasteiz, autor de "The Event of the Thing: Derrida's Post-Deconstructive Realism" (o evento da coisa: o realismo pós-desconstrutivista de Derrida) e "Groundless Existence: The Political Ontology of Carl Schmitt" (existência desenraizada: a ontologia política de Carl Schmitt). Copyright: Project Syndicate/Institute for Human Sciences, 2012.

Major Retailers Start Selling Financial Products, Challenging Banks - NYTimes.com

Major Retailers Start Selling Financial Products, Challenging Banks - NYTimes.com

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Petroleo - produção cai 4% em setembro



ANP

A produção média de petróleo no Brasil em setembro foi de aproximadamente 1.924 Mbbl/d, uma queda de 4% se comparada ao mês anterior. O campo de Marlim Sul, na bacia de Campos, foi o que mais produziu petróleo e o segundo maior produtor de gás natural, com média de 318,1 Mboe/d.

Aproximadamente 89,9% da produção de petróleo e 76% da de gás natural foram explotados de campos marítimos. Cerca de 93,7% da produção de petróleo e gás natural são provenientes de campos operados pela Petrobras. Dentre os 20 maiores campos produtores de petróleo e gás natural, 2 são operados por empresas estrangeiras: Statoil (Peregrino) e Shel (Ostra). O campo de Baleia Azul, que iniciou a produção neste mês, teve média de aproximadamente 23,6 Mboe/d.

A produção de petróleo e gás natural em setembro foi oriunda de 9.059 poços, sendo 778 marítimos e 8.281 terrestres. A plataforma P-56, no campo de Marlim Sul, foi a que mais produziu, com média de 144,4 Mboe/d. O grau API médio do petróleo produzido em setembro foi de aproximadamente 24,1º, sendo que 9% da produção é considerada de óleo leve (>= 31º API), 56% de óleo médio (>= 22º e <31 35="35" api="api" de="de" e="e" leo="leo" pesado="pesado">
Para mais informações, acesse o boletim da produção de setembro no link: http://www.anp.gov.br/?pg=62026



A crítica impertinente



Por Antonio Delfim Netto - Valor 13/11

Todos os leitores do Valor são "ipso facto", bem informados. Sabem que o mandato de Mervyn King, o atual Governador do "The Bank of England" está terminando e que o banco e o Tesouro de Sua Majestade estão à procura, com anúncios públicos no mundo, de um substituto.

No dia 9 de outubro na London School of Economics, para comemorar o 20º aniversário da introdução do sistema de "metas inflacionárias" na Inglaterra, King deu uma aula interessante sobre a história do sistema, seus fundamentos intelectuais, suas vantagens e seus problemas. Refletiu sobre o período da "grande moderação" (1997-2007) e a valorização da libra de 25% contra outras moedas, "não inteiramente explicável", para revelar numa espécie de lamento: a tardia descoberta que a estabilidade dos preços não é condição suficiente para a estabilidade do sistema financeiro. Na última frase da humilde e extraordinária confissão, King engole em seco a prepotência que costuma dominar alguns pseudos cientistas monetários e entrega a sua mensagem: "Entendemos menos do que gostaríamos sobre como funciona a economia." E completou: "O desafio para melhorar nosso entendimento e desenvolver novas ideias é para vocês - a próxima geração de estudantes e acadêmicos na London School of Economics e noutros lugares. Vão em frente."

A leitura das reflexões de um competente economista, suportado pelo "crème de la crème" dos profissionais do departamento de pesquisa econômica do Banco da Inglaterra, é um antídoto às proposições apodíticas de analistas mais afoitos, que costumam afirmar o que deveriam demonstrar. Outro dia um deles discorreu com toda a segurança a respeito "dos efeitos sobre o consumo privado das despesas do governo" usando implicitamente um modelo muito conhecido. Ignorou, sob os olhos embevecidos do entrevistador que outro modelo, também respeitável sugere conclusão oposta. Trata-se, obviamente, de um problema empírico, mas o pior é que não há método econométrico que decida definitivamente a questão. Ao contrário do que se poderia pensar, a afirmação não é falta de conhecimento, mas produto do domínio da "antipatia" à política governamental.

É o caso, por exemplo, da pergunta intrigante se o Brasil está abandonando o famoso "tripé" da política econômica adotada em 1999, depois de termos nos socorrido às pressas do Fundo Monetário Internacional, e que não nos poupou de voltar a ele em 2002: 1º) política fiscal responsável que mantenha relativo equilíbrio e produza um superávit primário que reduza a relação dívida líquida/PIB a alguma coisa parecida com 30% do PIB; 2º) meta inflacionária de 4,5% (+ ou - 2%) e ainda; 3º) um sistema de câmbio flutuante. No período de 1999-2011 isso produziu: taxa de crescimento médio do PIB 3,4%; taxa de inflação média anual de 6,8%; déficit em conta corrente acumulado US$ 188 bilhões. Esses números estão longe de razoáveis quando comparados com outros países emergentes. Onde nossa diferença é significativa, é no esforço de "inclusão" social visto no gráfico 1 e na convergência da relação dívida líquida/PIB vista no gráfico 2, que têm tudo a ver com a política social feita sob o controle da política fiscal. O último mostra, aliás, a importância exagerada que se dá aos pequenos "desvios" entre o superávit primário programado e o efetivamente realizado, diante da tendência clara de queda da relação dívida líquida/PIB. O pecado do governo é tentar mistificá-los com a contabilidade "criativa" que lança dúvida sobre sua credibilidade. Mesmo usando o conceito de dívida bruta/PIB (59%), a situação é confortável. A aritmética preocupante é que o custo da dívida líquida é pouco sensível às variações da taxa Selic, uma vez que as reservas e os imensos créditos ao BNDES já somam um quarto da dívida bruta/PIB e rendem muito menos.

Os fatos não parecem indicar nenhum desvio mais importante na política econômica canônica que vimos usando com o necessário pragmatismo imposto pelas mudanças da realidade nacional e mundial. Um magnífico artigo de dois sofisticados economistas do nosso Banco Central (Sales, A.S. - Barroso, J.B.R. - "Coping with a Complex Global Enviroment", W.P. 292, Oct. 2012) é leitura obrigatória sobre esse assunto.

A crítica à política econômica do governo é bem-vinda. É mesmo uma necessidade. Não é razoável supor que o simples fato de alguém estar eventualmente numa situação de "poder" lhe transfere o benefício da infalibilidade. Nem que, para o poder incumbente, a eleição por uma maioria eventual lhe confira a "onisciência" que exija a sua "onipresença". Mas a crítica há de ser objetiva e honesta sobre a qualidade e eficiência dos instrumentos utilizados para atingir os fins que levaram os eleitores a escolhê-lo. A crítica "aos fins" termina na campanha eleitoral. A minoria há de conformar-se, por exemplo, quando a sociedade exagera na escolha de mais "inclusão" do que "crescimento" ou "estabilidade monetária", o que - os economistas sabem - pode levar, no prazo médio, à perdição dos três! Nesse caso resta ao poder incumbente trocar o pneumático com o carro andando, ou ser dispensado na próxima eleição...



Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Política de terceiro mundo dos EUA



Por Dani Rodrik - Valor 12/11

Com a eleição presidencial encerrada, os Estados Unidos podem enfim parar com a campanha política para recuperar o fôlego, pelo menos por enquanto. Há uma incômoda questão, contudo, que vai persistir: Como é possível que o país mais poderoso e a democracia contínua mais antiga do mundo mostre um quadro de discursos políticos que mais lembra ao de um "Estado falido" africano?

Sem dúvida, os piores transgressores são os republicanos americanos, cujos líderes, de alguma forma, se entusiasmaram com ideias que seriam inaceitáveis em outros países avançados. Da dúzia de pré-candidatos presidenciais do partido, apenas dois (Mitt Romney e Jon Huntsman) se recusaram a rejeitar as evidências científicas sobre o aquecimento global e sua indução pelo ser humano. Quando pressionado a respeito, no entanto, Romney ficou incômodo quanto a sua posição, a ponto de mostrar hesitação1.

Da mesma forma, a teoria darwiniana da evolução é, há muito tempo, um palavrão para os republicanos. Rick Perry, governador do Texas e um dos favoritos no início das primárias republicanas, a chamou2 de apenas uma "teoria por aí", enquanto o próprio Romney argumentou que ela é consistente com o criacionismo - a ideia de que uma força inteligente projetou o universo e o fez existir.

Da mesma forma, se há uma ideia arcaica na economia é a de que os EUA deveriam retornar ao padrão-ouro. Ainda assim, essa ideia também goza de forte apoio dentro do Partido Republicano - com Ron Paul, outro dos que concorreram à indicação presidencial pela legenda, à frente. Ninguém ficou surpreso quando a plataforma do partido sinalizou favoravelmente ao padrão-ouro em sua convenção em agosto.

A maioria dos não americanos acharia maluquice o fato de nem Romney nem Barack Obama terem defendido leis mais estritas de controle às armas (com Obama fazendo uma exceção apenas para armas mais potentes, como a AK-47), em um país onde às vezes é mais fácil comprar armas do que votar. A maioria dos europeus não consegue entender como, em um país civilizado, os dois candidatos podem ser favoráveis à pena de morte. E não vou nem entrar no debate sobre o aborto.

O candidato Romney ficou tão intimidado com a obsessão de seu partido com impostos baixos que ele nunca conseguiu apresentar um orçamento em que as contas batessem. Foram seus relações-públicas que precisaram explicar que isso se tratava de "besteiras necessárias, idealizadas para persuadir os fanáticos que votam nas primárias republicanas", como a "The Economist"3 publicou.

Obama, por sua vez, recorreu a nacionalistas econômicos atacando Romney como um "pioneiro da terceirização" no exterior e chamando-o de "terceirizador-chefe" - como se a terceirização fosse um grande mal e como se fosse possível interrompê-la ou ainda, como se próprio Obama tivesse feito grande coisa para desencorajá-la.

Os equívocos, inverdades e completas mentiras de ambos os lados chegaram de forma tão desenfreada que muitos meios de comunicação e grupos apartidários criaram listas que iam sendo atualizadas a cada nova distorção dos fatos. Uma das mais conhecidas, a Factcheck.org4, uma iniciativa do Centro de Políticas Públicas Annenberg, da University of Pennsylvania, confessou que teve um trabalho fora do comum nesta campanha.

Alguns dos exemplos mais chocantes5 foram as acusações feitas por Obama de que Romney pretendia elevar os impostos da classe média em US$ 2 mil e/ou cortar os impostos em US$ 5 trilhões e de que Romney apoiava uma lei tornando ilegal "todos os abortos, mesmo nos casos de estupro e incesto". Romney foi ainda mais longe acusando Obama de planejar elevar os impostos dos contribuintes de classe média em US$ 4 mil; de querer "exaurir a reforma da assistência social eliminando as exigências" para se receber o auxílio; e de que a Chrysler, resgatada pelo governo Obama, estava transferindo a produção de sua marca Jeep para a China. Nenhuma dessas acusações era verdade.

"Foi aquele tipo de campanha", escreveram analistas do FactCheck.org, "repleta, do início ao fim, de ataques e contra-ataques enganosos e acusações duvidosas".

Por outro lado, ao longo de três debates presidenciais e um vice-presidencial televisionados, as mudanças climáticas, a questão mais marcante de nossa época e o problema mais sério enfrentado por nosso planeta, não foram mencionadas uma vez sequer.

É possível extrair duas conclusões das eleições nos EUA. Uma é que os EUA vão acabar se desfazendo com a pobre qualidade de seu discurso democrático e que isso é apenas o começo de um declínio inevitável. Os sintomas estão lá, embora a doença ainda não tenha infectado todo o corpo.

A outra possibilidade é que o que foi dito e feito durante a eleição faz pouca diferença à saúde política. As campanhas são sempre tempos de populismo barato e de submissão aos fundamentalistas obcecados com questões específicas. O que, talvez, realmente importe é o que vai acontecer depois de o candidato assumir o poder: a qualidade dos controles dentro dos quais ele ou ela opera, os conselhos apresentados, as decisões tomadas e, no fim das contas, a políticas levadas adiante.

No entanto, se as eleições americanas não são nada além de um show, por que se gasta tanto dinheiro nelas e por que tantas pessoas se preocupam com elas? Será que porque de outra forma o resultado seria ainda pior?

Parafraseando Winston Churchill, a eleição é a pior forma de escolher um líder político, com exceção de todas as outras já tentadas - e isso vale mais para os EUA do que para qualquer outro país. (Tradução de Sabino Ahumada)


Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Universidade de Harvard, é autor de "The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy (O paradoxo da globalização: a democracia e o futuro da economia mundial). Copyright: Project Syndicate, 2012.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Dependência ou morte no controle da inflação


Por Samy Dana, Leonardo Siqueira Lima e Daniel de Lima - Valor 09/11

Em agosto de 2011, o Banco Central (BC) reduziu a meta da taxa Selic, taxa de juros básica da economia brasileira, em meio ponto, de 12,5% para 12%. Esse movimento surpreendeu boa parte do mercado financeiro, já que o IPCA acumulava alta de 6,9% em 12 meses, muito acima da meta de inflação de 4,5% ao ano. O BC se justificou alegando combate à crise externa e o estímulo ao mercado doméstico.

Desde então, a cada nova redução de taxa de juros decidida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) ressurgem dúvidas sobre a independência, ou não, do Banco Central com relação ao governo da presidente Dilma Rousseff.

A independência do BC é uma questão muito importante para os economistas, pois muitos deles acreditam que ela resultaria numa menor inflação no longo prazo, o que ajudaria a manter o poder de compra da população, e maior crescimento do PIB.

Essa relação entre independência do BC e a inflação ocorre porque perseguir uma meta de inflação significa muitas vezes adotar medidas anticíclicas e não populistas que podem parecer prejudiciais à população no curto prazo.

Ou seja, significa adotar medidas de tal forma a frear o consumo e desaquecer a economia, como elevar taxas de juros e frear a política fiscal, ao diminuir os gastos do governo. Dessa forma, pode, eventualmente, causar um aumento do desemprego, que seria mal recebido pela população.

Um governante se encontra, muitas vezes, no dilema de controlar a inflação, crescer menos no curto prazo e ter um índice de desemprego maior no momento; ou crescer mais no curto prazo e diminuir o desemprego à custa de uma inflação mais elevada. Optar pelo primeiro significaria que, no longo prazo, o país caminharia para um equilíbrio de baixa inflação e crescimento sustentável que aumentaria a produção nacional e reduziria o desemprego.

No entanto, a história mostra que geralmente os políticos escolhem a segunda opção, pois a população é mais tolerante com certa elevação da inflação do que do desemprego e porque o maior crescimento no médio e longo prazo decorrente de uma menor inflação muitas vezes beneficiará apenas o próximo governo. O resultado, como já demonstrado em diversos estudos realizados sobre o tema, é que países onde o governo consegue influenciar as decisões do seu BC têm de conviver com uma inflação maior no longo prazo.

Quando analisamos o BC brasileiro percebemos que ele não é totalmente independente. O seu presidente e diretores são indicados pelo presidente da República e podem ser demitidos e substituídos a qualquer momento por questões tanto políticas quanto técnicas. Além disso, quem define a meta de inflação é o Conselho Monetário Nacional (CMN), que é formado pelos ministros da Fazenda, do Planejamento, além do presidente do BC.

Essa falta de independência pode acabar resultando em interferências do governo nas ações da instituição. Um bom indício de que a falta de independência do BC do governo Dilma tem feito com que suas decisões tenham se tornado menos técnicas do que aquelas do BC do governo Lula é o fato de que pela primeira vez em cinco anos ultrapassou-se não somente o centro da meta, de 4,5%, como também o limite superior, de 6,5%. Além disso, alguns economistas já acreditam que o objetivo do governo não é mais perseguir o centro da meta, de 4,5%, mas apenas não ultrapassar o limite, de 6,5%, evidenciando a descrença nas suas ações.

No entanto, o caso brasileiro também não pode ser entendido como dependente total do governo já que, uma vez escolhido por ele, o BC tem liberdade para tomar suas decisões. É claro que se as decisões forem contra o interesse do governo há a possibilidade dele substituir o comando da autoridade monetária. Entretanto, quando isso ocorre por razões que não sejam técnicas, o mercado responde de forma negativa, o que abala a reputação e credibilidade do governo.

Em contraste com a situação brasileira, vale lembrar que os membros da Comissão Executiva do Banco Central Europeu (BCE) não podem ser destituídos. Nos EUA, o presidente do Federal Reserve (Fed) tem mandato intercalado com o do presidente dos Estados Unidos e também não pode ser demitido. Tanto no caso Europeu como no americano os próprios BCs que determinam suas metas de política monetária.

Essa liberdade que os bancos centrais dos EUA e da Europa possuem ajuda a reduzir o impacto da ação daqueles governantes que são míopes, ou seja, que se importam apenas em aumentar o crescimento do PIB durante o seu mandato e não levam em consideração os impactos negativos de suas políticas no futuro. Dessa forma, possuem autonomia para perseguir um nível de inflação baixo no longo prazo para os seus países.

Naturalmente, o melhor é que haja coordenação entre as políticas monetária e fiscal, ou seja, entre o BC e o governo. Porém, controlar ou influenciar as decisões do BC pode prejudicar a sua principal função: garantir a estabilidade dos preços e o poder de compra do real.

Por esse motivo, aqueles que advogam a independência do BC acreditam que a autonomia é importante para que a instituição persiga seus objetivos e não se sujeite, por exemplo, a aumentar a inflação e o crescimento num de eleições, ou por qualquer motivo de ordem não técnica. Desta maneira, o BC brasileiro seria capaz de buscar um nível ótimo de inflação que maximize o crescimento real de longo prazo do Brasil.



Samy Dana é PhD em finanças e professor da EESP-FGV, Leonardo Siqueira Lima e Daniel de Lima são graduandos em economia pela EESP-FGV.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Choque de realidade para Romney


Por Jonathan Schell - Valor 08/11

Está em curso hoje nos Estados Unidos uma batalha entra fato e fantasia. A reeleição do presidente Barack Obama representou uma vitória, limitada, mas inconfundível, dos fatos.

Os acontecimentos nos dias que antecederam a eleição presidencial dos EUA foram um exemplo cabal dessa disputa. Circulava entre os principais auxiliares do republicano Mitt Romney a crença de que ele estava perto da vitória. Essa convicção não tinha base em resultados de pesquisas mas ainda assim esse sentimento cresceu de tal forma a ponto de os auxiliares começarem a chamar Romney de "senhor presidente".

Desejar que isso fosse verdade, no entanto, não foi suficiente para tornar isso realidade. Essa crença seria o mais próximo da presidência a que Romney chegaria; e ele, aparentemente, quis aproveitar o momento enquanto pôde, mesmo que prematuramente. Então, na noite da eleição, quando as redes de TV projetaram a derrota de Romney em Ohio e, portanto, a reeleição de Obama, a campanha de Romney, em mais uma negação dos fatos, recusou-se a aceitar o resultado. Passaram-se incômodos 60 minutos antes de Romney aceitar a realidade e proferir um agradável discurso admitindo a derrota.

A mesma desconsideração com a realidade foi a marca não apenas da campanha republicana, mas de todo o Partido Republicano nos últimos tempos. Quando a Agência de Estatísticas Trabalhistas (BLS, na sigla em inglês) dos EUA divulgou seu relatório de outubro mostrando que o índice nacional de desemprego estava "essencialmente inalterado em 7,9%"1, técnicos republicanos buscaram desacreditar a altamente respeitada BLS. Quando as pesquisas mostraram Romney atrás do presidente Barack Obama, eles buscaram desacreditar as pesquisas. Quando o apartidário Serviço de Pesquisas do Congresso (CRS)2 relatou que o plano tributário republicano não faria nada para impulsionar o crescimento econômico, senadores republicanos pressionaram o CRS para retirar o informe de circulação.

Essa recusa em aceitar fatos simples reflete um padrão ainda mais amplo. Cada vez mais, o partido Republicano, outrora um partido político razoavelmente normal, permitiu-se viver em uma realidade alternativa - um mundo em que George W. Bush encontrou as armas de destruição em massa que ele imaginava existir no Iraque; em que cortes de impostos eliminam déficits orçamentários; em que Obama não é apenas muçulmano, mas nasceu no Quênia e, portanto, deveria ser desqualificado para a presidência; e em que o aquecimento global é uma farsa tramada por um grupo de cientistas socialistas (os democratas, por sua vez, também têm um pé para fora da realidade nessa questão).

De todas as crenças irreais dos republicanos, sua negação ruidosa das mudanças climáticas induzidas pelo homem, certamente foi a mais significativa. Afinal, se deixado incontrolado, o aquecimento global tem potencial para degradar e destruir as condições climáticas que sustentaram e possibilitaram a ascensão da civilização humana nos últimos dez milênios.

Romney, como governador do Massachusetts, disse acreditar na realidade do aquecimento global. Como candidato presidencial, no entanto, juntou-se aos que a negam - uma mudança que ficou clara quando aceitou a indicação do partido, em Tampa, Flórida, em agosto. "O presidente Obama prometeu começar a tornar mais lenta a elevação [no nível] dos oceanos", disse Romney na convenção republicana e, então, fez uma pausa e abriu o sorriso de expectativa dos comediantes que esperam para que o público capte a piada.

E captou. Houve um estampido de risadas. Romney deixou os risos aumentarem de intensidade e, então, arremeteu com a conclusão: "E [prometeu] curar o planeta". A multidão rachou de rir. Talvez tenha sido o momento mais memorável e lamentável de uma campanha lamentável - um momento que, na história sendo escrita agora sobre os esforços da humanidade para preservar um planeta habitável, está destinado a ter notoriedade imortal.

Houve um evento subsequente impressionante. Oito semanas depois, o furacão Sandy3 assolou a costa de Nova Jersey e da cidade de Nova York. O nível do mar subiu mais de quatro metros, além do que já havia subido após um século de aquecimento global, e o alcance e a intensidade da tempestade foram alimentados pelas águas oceânicas mais quentes de um planeta mais quente. Essa maré de realidade - o que certa vez Alexander Solzhenitsyn chamou de "a cruel alavanca dos eventos" - rompeu a bolha dentro da qual a campanha de Romney havia se fechado, com suas paredes sendo invadidas de forma tão avassaladora quanta as de Lower Manhattan ou Far Rockaway.

Na disputa entre fato e fantasia, os fatos repentinamente haviam ganhado um poderoso aliado. O mapa político foi redesenhado, de forma sutil, mas com consequências. Obama entrou em ação, agora não apenas como um candidato suspeito, mas como um presidente confiável, cujos serviços eram urgentemente necessários pela assolada população da costa leste. De cada dez eleitores, oito viram seu desempenho de forma favorável, segundo mostraram as pesquisas, e muitos declararam que essa impressão influenciou seu voto.

Em uma reviravolta surpreendente e de grande força política, o governador de Nova Jersey, Chris Christie, que havia sido orador de abertura na convenção republicana em que Romney havia caçoado dos perigos do aquecimento global, foi um dos que acabaram ficando impressionados com o desempenho de Obama, algo que Christie demonstrou publicamente.

O mundo político dos EUA - não apenas os republicanos, mas também os democratas (embora em menor grau) - havia deixado de lado realidades ameaçadoras. Essas realidades, contudo, como se estivessem ouvindo e se manifestando, entraram na disputa. A Terra falou e os americanos, pelo menos desta vez, ouviram.



1 www.1.usa.gov/2eziqI



2 www.1.usa.gov/VEkUo7



3 www.bit.ly/Ulas4N



Jonathan Schell pesquisador no The Nation Institute e pesquisador visitante na Universidade Yale. É o autor de "The Seventh Decade: The New Shape of Nuclear Danger" (A sétima década: as novas formas do perigo nuclear). Copyright: Project Syndicate, 2012.



www.project-syndicate.org

BC ratifica nova mudança do mix de política econômica



Por Cristiano Romero - Valor 08/11
De Brasília

O "mix" de política econômica que criou as condições para o processo de redução da taxa de juros, iniciado em setembro do ano passado, mudou. Por esse "mix", o governo aumentaria o esforço fiscal (a meta de superávit primário das contas públicas) para ajudar o Banco Central (BC) a controlar a expansão da demanda agregada e, portanto, os preços. Isso foi feito no primeiro ano da gestão da presidente Dilma Rousseff, mas não em 2012.

Dois dias antes de o BC começar a reduzir juros, em 31 de agosto do ano passado, o governo anunciou elevação, em R$ 10 bilhões, do superávit primário. Nos meses seguintes, em todos os seus comunicados, o BC deixou claro que contava com o cumprimento da meta cheia de superávit primário (3,1% do PIB) tanto em 2011 quanto em 2012. O esforço fiscal, dizia, era crucial para sustentar a política de corte de juros.

No último Relatório de Inflação (RI), divulgado no fim de setembro, o BC admitiu que a política fiscal, antes contracionista, tornou-se "levemente" expansionista. Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconheceu que a meta não será cumprida e informou que o governo usará os descontos de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), permitidos pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), para ajustar a meta.

Analistas do mercado estimam que, no limite, o setor público conseguirá gerar superávit primário em torno de 2,5% do PIB neste ano. Trata-se de uma diferença, em relação à meta original, de 0,6 ponto percentual do PIB ou cerca de R$ 26,8 bilhões. Diante disso, "levemente" é um claro eufemismo do discurso oficial.

Em entrevista ontem à "Bloomberg", o presidente do BC, Alexandre Tombini, informou que os cenários da autoridade monetária para os próximos trimestres já contemplam meta de superávit primário ajustada. Tombini confirmou, portanto, que o mix da política econômica, baseado numa política fiscal contracionista e numa política monetária anticíclica, mudou.

Na mesma entrevista, o dirigente máximo do BC sustentou que, apesar dessa mudança, o Comitê de Política Monetária (Copom) manterá a taxa básica de juros (Selic) baixa e estável por um "período prolongado" - hoje, a Selic está em 7,25% ao ano. Ele acredita que essa política levará a inflação para a meta de 4,5% no terceiro trimestre de 2013.

Na área fiscal, o governo terá dificuldade para cumprir a meta, mesmo ajustada a um patamar menor. De acordo com a LDO, a União pode descontar R$ 40,6 bilhões em projetos do PAC. O problema é que o que funcionaria como um alívio - a realização de investimentos públicos - pode se tornar uma dor de cabeça. A razão: até o fim de outubro, segundo o colunista Ribamar Oliveira, do Valor, apenas R$ 24,3 bilhões do PAC foram desembolsados. Para que a meta fiscal seja cumprida, mesmo com os descontos do PAC, a despesa teria que chegar a R$ 40,6 bilhões até dezembro, o que parece improvável.

No regime econômico em vigor no Brasil desde 1999, as políticas se complementam. Se o governo realiza um esforço fiscal maior, abre espaço para o BC cortar juros. Se a economia de gastos é menor, os juros aumentam. Um terceiro elemento - a taxa de câmbio - também atua de forma complementar.

Num cenário de política fiscal expansionista, os juros sobem e o câmbio aprecia. Num outro, de contração dos gastos públicos e juros menores, o câmbio fica menos pressionado. No regime atual, o fiscal não ajuda mais o monetário e o câmbio não flutua desde maio. Nesse quadro, é possível antever que, em 2013, haverá uma sobrecarga sobre o BC, que terá dificuldade tanto para controlar a inflação quanto para manter os juros estáveis.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Uma Europa de solidariedade


Por George Soros - Valor 07/11

Originalmente, a União Europeia (UE) era o que os psicólogos chamam de "objeto fantástico", um objetivo desejável, motivo de inspiração para a imaginação das pessoas. Eu a via como a materialização de uma sociedade aberta - uma associação de nações-Estado que abriram mão de parte da soberania pelo bem comum e formaram uma união sem o domínio de nenhuma nação ou nacionalidade.

A crise do euro, contudo, transformou a UE em algo radicalmente diferente. Os países-membros agora se dividem em duas classes - credores e devedores -, com os credores no comando. A Alemanha, como maior país e o de maior solvência, ocupa posição dominante. Os países devedores pagam um prêmio substancial de risco para financiar suas dívidas, o que é refletido nos altos custos de captação da economia em geral. Isso os levou a uma espiral deflacionária e os deixou em situação de desvantagem competitiva substancial - potencialmente permanente - em comparação aos países credores.

Esse resultado não é reflexo de um plano deliberado, mas de uma série de erros de política econômica. A Alemanha não buscou ocupar uma posição dominante na Europa e se mostra relutante em aceitar as obrigações e responsabilidades que tal posição exige. Podem chamar isso de a tragédia da União Europeia.

Recentes acontecimentos parecem ser motivo para otimismo. As autoridades vêm tomando medidas para corrigir seus erros, especialmente com a decisão de formar uma união bancária1 e de lançar o programa de "Transações Monetárias Diretas" (OMT, na sigla em inglês), que permitirá intervenções ilimitadas do Banco Central Europeu (BCE) no mercado de bônus soberanos. Os mercados financeiros tranquilizaram-se com as mostras de que o euro está aqui para ficar. Esse poderia ser um ponto de inflexão, desde que seja reforçado adequadamente por passos adicionais em direção a uma maior integração.

Infelizmente, a tragédia que se desenrola na UE acaba se alimentando de tais raios de esperança. A Alemanha continua disposta a fazer apenas o mínimo - e nada além disso - para manter a coesão do euro. As recentes medidas da UE apenas serviram para reforçar a resistência alemã a novas concessões. Isso vai perpetuar a divisão entre países credores e devedores.

A perspectiva de aumento na diferença de desempenho econômico e domínio político é tão deplorável para a UE que não se pode permitir que se torne permanente. Há de existir alguma forma de evitá-la - afinal, a história não é predeterminada. A UE, originalmente concebida como instrumento de solidariedade, hoje se mantém agrupada apenas por questão de amarga necessidade. Isso não é caminho para uma parceria harmoniosa. A única forma de reverter essa tendência é recapturar o espírito da solidariedade que motivou o projeto europeu desde o início.

Com esse objetivo, criei recentemente a Open Society Iniciative for Europe (Osife). Ao fazê-lo, percebi que o melhor lugar para começar seria onde as atuais políticas criaram o maior sofrimento humano: a Grécia. As pessoas que vêm sofrendo os efeitos da crise não são as que se aproveitaram do sistema e a causaram. O destino de muitos migrantes e de pessoas em busca de asilo que estavam na Grécia é particularmente comovente. Seus apuros, no entanto, não podem ser separados dos que os próprios gregos estão passando. Uma iniciativa limitada aos migrantes apenas reforçaria a crescente xenofobia e extremismo na Grécia.

Não conseguia descobrir como abordar esse problema aparentemente insolúvel até que visitei Estocolmo para comemorar o centenário do nascimento de Raoul Wallenberg**. Isso despertou minhas memórias da Segunda Guerra Mundial - a calamidade que acabou originando a UE.

Wallenberg foi um herói que salvou a vida de muitos judeus em minha cidade natal, Budapeste, ao preparar casas com esconderijos na Suécia. Durante a ocupação alemã, meu pai também foi uma figura heroica. Ele ajudou a salvar sua família, amigos e muitos outros. Ele me ensinou a confrontar a dura realidade e não submeter-se a ela passivamente. Foi o que meu deu a ideia.

Poderíamos criar casas de solidariedade na Grécia, que serviriam de centros comunitários para a população local e também ofereceriam alimento e abrigo para os migrantes. Já há muitas cozinhas públicas e esforços da sociedade civil para ajudar os migrantes, mas essas iniciativas não são suficientes para lidar com a escala do problema. O que tenho em mente é reforçar esses esforços.

A política de asilo da UE desmoronou. Os refugiados precisam registrar-se no país-membro no qual entram, mas o governo grego não consegue processar todos os casos. Cerca de 60 mil refugiados que buscaram se registrar foram colocados em centros de detenção, nos quais as condições são desumanas. Os migrantes que não se registram e vivem nas ruas são atacados por vândalos do partido neofascista Amanhecer Dourado.

A Suécia tornou sua política de asilo e migração prioridade. A Noruega mostra preocupação com o destino dos migrantes na Grécia. Os dois países, portanto, seriam candidatos excelentes para apoiar as casas de solidariedade. E outros países em boas condições poderiam juntar-se a eles. A Osife está preparada para dar apoio a essa iniciativa e espero que outras fundações estejam dispostas a fazer o mesmo. Isso, entretanto, precisa ser um projeto europeu - um projeto que em algum momento encontre seu caminho dentro do orçamento europeu.

Atualmente, o Amanhecer Dourado vem ganhando espaço político por oferecer serviços sociais aos gregos, enquanto ataca os migrantes. A iniciativa que proponho ofereceria uma alternativa positiva, baseada na solidariedade - a solidariedade dos europeus para com os gregos e dos gregos para com os migrantes. Seria uma demonstração prática do espírito que precisa se infundir em toda a UE.

Assim que possível, enviarei à Grécia uma equipe da Osife para avaliar as necessidades e contatar as autoridades de forma a preparar um plano que possa arregimentar apoio público. Meu objetivo é reviver a ideia de uma UE como instrumento de solidariedade, não apenas de disciplina. (Tradução de Sabino Ahumada)



* bit.ly/WwDRdL



** bit.ly/WwE2pl



George Soros é presidente do Soros Fund Management e do Open Society Institute. Copyright: Project Syndicate, 2012.



www.project-syndicate.org