segunda-feira, 18 de março de 2013

Chipre pelo cano


Valor 18/03

A União Europeia (UE) aprovou no sábado um plano de resgate de € 10 bilhões para o Chipre evitar a falência forçando os correntistas a pagar parte da fatura do socorro, em uma medida sem precedentes que terá impacto sobre os bancos na Europa.
Com um custo de recapitalização dos bancos cipriotas estimado entre € 10 bilhões e € 12 bilhões, ou 60% do PIB, a troica de credores (UE, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) forçou o governo da pequena ilha a obter metade do dinheiro a partir de um "bail-in" com os correntistas.
Ou seja, em vez do tradicional "bail-out" (socorro com dinheiro público), entra em cena parcialmente o "bail-in", pelo qual as autoridades forçam a recapitalização dos bancos com dinheiro privado, e não somente público.
Sob risco de declarar bancarrota, o governo de Nicos Anastasiades teve que aceitar a cobrança de um imposto de 9,9% sobre os depósitos acima de € 100 mil e de 6,75% sobre os depósitos abaixo desse valor. Todas as contas foram bloqueadas desde sábado, para a cobrança total de € 5,8 bilhões de impostos, até a reabertura do bancos na terça-feira. O governo ativou o primeiro "corralito" (bloqueio de depósitos), mesmo parcial, na Europa. A medida foi uma surpresa.
Analistas apontam várias razões para o tratamento de maneira diferente dado ao Chipre. Primeiro, o tamanho da necessidade de recapitalização dos bancos, equivalente a 60% do PIB, é bem acima daquela dos outros paises em crise, como Irlanda (40% do PIB), Grécia (27%) e Espanha (6,5%).
Alem disso, o governo cipriota estava de mãos amarradas. A dívida pública de 86% do PIB no fim de 2012 poderia explodir para 145% se o governo tentasse socorrer os bancos. Um corte na divida externa pública teria efeito pequeno. O jeito foi mesmo o "bail-in" sobre os correntistas.
Outra razão importante é que o hipertrofiado setor financeiro cipriota, com depósitos representando 380% do PIB, tem sido usado por gangues para lavagem de dinheiro, diante da enorme flexibilidade nas regras do país. Estima-se que 37% dos depósitos bancários no Chipre sejam de estrangeiros, principalmente russos, que perderão pelo menos € 2 bilhoes com a cobrança do imposto. A Alemanha e outros países do norte da Europa não tinham como aprovar nos seus parlamentos um plano de socorro que salvasse o dinheiro supostamente de máfia russa.
Para analistas do banco Barclays, os riscos de contágio de corrida aos bancos estão mais contidos do que em 2010-12, já que a Europa tem uma rede de proteção melhor. Os bancos da periferia estão melhor capitalizados, incluindo a Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda, todos submetidos a programas de ajuste da troica de credores. Segundo, o BCE tem fornecido muita liquidez no mercado e seu presidente, Mário Draghi, insiste que o banco está pronto a fazer o necessário para garantir estabilidade financeira na zona do euro.
Algumas reações são possíveis, especialmente na Itália e Espanha, em razão de riscos políticos, mas uma corrida bancária, mesmo na Grécia, poderia ser contida, acredita o analista Antonio Garcial Pascual. No entanto, o modelo do resgate adotado no sábado pode ter impacto futuro nos bancos europeus, com a posição crescentemente "agressiva" por parte de autoridades e reguladores, segundo analistas de bancos.
No começo de fevereiro, as autoridades holandesas nacionalizaram o banco SNS Reaal e deixaram de pagar os bonus subordinados, que não tem preferência no caso de calote. Uma semana depois, houve um avanço com perdas impostas a detentores de títulos sênior (que deveriam ser pagos normalmente) do banco irlandês Anglo Irish.
Agora, um novo um limite foi superado com a imposição de perdas sobre correntistas no Chipre, em um cenário de fragmentação dos seguros de depósitos na zona do euro. O sistema unificado de depósitos europeu é difícil de ser implementado, em razão da criação de enorme peso sobre os países participantes. Basta ver que há mais de € 7 trilhões de depósitos segurados em bancos europeus, dos quais € 1,7 trilhão em bancos da periferia.
O resgate do Chipre inclui um ajuste draconiano de 4,5% do PIB, com corte de despesas, alta de impostos, privatizações e nova lei contra a lavagem de dinheiro. O imposto sobre as empresas subirá de 10% para 12,5%, ainda um dos mais baixos da Europa.
O Chipre só representa 0,2% do PIB da zona do euro, mas os riscos sistêmicos nunca são pequenos. Autoridades espanholas foram as primeiras a insistir que o caso "não é extrapolável a nenhum outro país". O parlamento do Chipre adiou para hoje uma sessão de emergência para discutir a proposta de taxação dos depósitos.

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