(um resumo do relatório
Leveson, em http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/um-resumo-do-relatorio-leveson)
Sob o ensurdecedor silêncio da grande mídia brasileira
publicado em 29 de
janeiro de 2013 às 16:56
REGULAÇÃO EM DEBATE
Depois de Leveson, a
União Europeia...
Sob o ensurdecedor
silêncio da grande mídia brasileira, foi divulgado em Bruxelas, na terça-feira
(22/1), o relatório “Uma mídia livre e pluralista para sustentar a democracia
europeia”, comissionado pela vice-presidente da União Europeia, Neelie Kroes, encarregada
da Agenda Digital
Preparado por um grupo
de alto nível (HLG) presidido pela ex-presidente da Letônia, Vaira
Vike-Freiberga, e do qual faziam parte Herta Däubler-Gmelin, ex-ministra da
Justiça alemã; Luís Miguel Poiares Pessoa Maduro, ex-advogado geral na Corte de
Justiça Europeia; e Ben Hammersley, jornalista especializado em tecnologia, o
relatório faz trinta recomendações sobre a regulamentação da mídia como
resultado de um trabalho de 16 meses que começou em outubro de 2011. As
recomendações serão agora debatidas no âmbito da Comissão Europeia.
O relatório
O relatório, por óbvio,
deve ser lido na íntegra [ver aqui a íntegra do relatório]. Ele começa com
um sumário das principais conclusões e recomendações e, na parte substantiva,
está dividido em cinco capítulos que apresentam e discutem as bases conceituais
e jurídicas que justificam as diferentes recomendações: (1) por que a liberdade
da mídia e o pluralismo importam; (2) o papel da União Europeia; (3) o mutante
ambiente da mídia; (4) a proteção da liberdade do jornalista; e, (5) o
pluralismo na mídia.
Há ainda um anexo de 12
páginas que lista as autoridades ouvidas, as contribuições escritas recebidas e
os documentos consultados. A boa notícia é que quase todo esse material está
disponível online.
Para aqueles a favor da
regulamentação democrática da mídia – da mesma forma que já havia acontecido
com o relatório Leveson – é alentador verificar como antigas propostas
sistematicamente taxadas pela grande mídia e seus aliados da direita
conservadora de autoritárias, promotoras da censura e inimigas da liberdade de
expressão, são apresentadas e defendidas por experts internacionais,
comissionados pela União Europeia.
Fundamento de todo o
relatório são os conceitos de liberdade de mídia e pluralismo. Está lá:
“O conceito de liberdade
de mídia está intimamente relacionado à noção de liberdade de expressão, mas
não é idêntico a ela [grifo meu]. A última está entronizada nos valores e
direitos fundamentais da Europa: ‘Todos têm o direito à liberdade de expressão.
Este direito inclui a liberdade de ter opiniões, de transmitir (impart) e
receber informações e ideias sem interferência da autoridade pública e
independente de fronteiras’ (…).
“Pluralismo na mídia é
um conceito que vai muito além da propriedade. Ele inclui muitos aspectos,
desde, por exemplo, regras relativas a controle de conteúdo no licenciamento de
sistemas de radiodifusão, o estabelecimento de liberdade editorial, a
independência e o status de serviço público de radiodifusores, a situação
profissional de jornalistas, a relação entre a mídia e os atores políticos etc.
Pluralismo inclui todas as medidas que garantam o acesso dos cidadãos a uma
variedade de fontes e vozes de informação, permitindo a eles que formem
opiniões sem a influência indevida de um poder [formador de opiniões]
dominante.”
Encontram-se no
relatório propostas como: (1) a introdução da educação para a leitura crítica
da mídia nas escolas secundárias; (2) o monitoramento permanente do conteúdo da
mídia por parte de organismo oficial ou, alternativamente, por um centro
independente ligado à academia, e a publicação regular de relatórios que seriam
encaminhados ao Parlamento para eventuais medidas que assegurem a liberdade e o
pluralismo; (3) a total neutralidade de rede na internet; (4) a provisão de
fundos estatais para o financiamento da mídia alternativa que seja inviável
comercialmente, mas essencial ao pluralismo; (5) a existência de mecanismos que
garantam a identificação dos responsáveis por calúnias e a garantia da resposta
e da retratação de acusações indevidas.
Pelo histórico de feroz
resistência que encontra entre nós, vale o registro uma proposta específica.
Após considerações sobre o reiterado fracasso de agências autorreguladoras, o
relatório propõe:
“Todos os países da
União Europeia deveriam ter conselhos de mídia independentes, cujos membros
tenham origem política e cultural equilibrada, assim como sejam socialmente
diversificados. Esses organismos teriam competência para investigar reclamações
(…), mas também certificariam de que as organizações de mídia publicaram seus
códigos de conduta e revelaram detalhes sobre propriedade, declarações de conflito
de interesse etc. Os conselhos de mídia devem ter poderes legais, tais como a
imposição de multas, determinar a publicação de justificativas [apologies] em
veículos impressos ou eletrônicos, e cassação do status jornalístico.”
E no Brasil?
A publicação de mais um
estudo oficial sobre regulamentação da mídia, desta vez pela União Europeia,
menos de dois meses depois do relatório Leveson na Inglaterra, revela que o
tema é pauta obrigatória nas sociedades democráticas e não apenas em vizinhos latino-americanos
como a Argentina, o Uruguai e o Equador, mas, sobretudo, na Europa.
No Brasil, como se sabe,
“faz-se de conta” que não é bem assim e o tema permanece “esquecido” pelo
governo, além de demonizado publicamente pela grande mídia como ameaça à
liberdade de expressão.
Quem se beneficia com
essa situação? Até quando seguiremos na contramão da história?
***
[Venício A. de Lima é
jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência
Política da UFMG (2012-2013), professor de Ciência Política e Comunicação da
UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos
Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros]
Por Lilia Diniz em 07/12/2012
O Observatório da
Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (4/12)
pela TV Brasil discutiu o ponto mais polêmico do recém divulgado Relatório
Leveson: a regulação da mídia. Encomendado pelo governo britânico para
investigar acusações contra o tabloide News of the World,o documento
recomenda a criação de um órgão regulador para a mídia impressa britânica
independente do governo e das empresas jornalísticas. Em 2010, o jornal, que
pertence ao conglomerado de mídia do magnata Rupert Murdoch, foi acusado de
espionagem, escutas ilegais e chantagem em um escândalo que envolveu políticos,
jornalistas, membros da família real e policiais.
O juiz Brian Leveson
disse no documento que o comportamento de profissionais do News of the World
não foi um caso isolado e que a mídia britânica silenciou diante das
denúncias contra o jornal. O juiz acredita que o órgão que regula a
mídia impressa do Reino Unido, o Comitê de Queixas contra a Imprensa (PCC, na
sigla em inglês) não atendeu às expectativas e que é preciso um sistema de
regulação mais severo, baseado em uma Lei de Imprensa a ser criada. O órgão
proposto não teria como integrantes jornalistas em atividade e poderia multar
as empresas jornalísticas em até um milhão de libras. As duas mil páginas do
relatório suscitaram divergências no governo britânico e podem servir como mote
para a discussão sobre a regulação da mídia brasileira.
Para debater o tema,
Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro o jornalista Aluízio Maranhão,
editor de Opinião do jornal O Globo há dez anos. Maranhão tem mais de 40
anos de profissão e foi diretor de Redação do jornal O Estado de S.Paulo.
EmSão Paulo, o programa contou com a participação dos jornalistas Suzana
Singer e Caio Túlio Costa. Suzana é ombudsman da Folha de S.Paulo e, no
jornal, já trabalhou comorepórter, pauteira, editora e diretora de revistas.
Foi secretária de Redação, responsável pelo fechamento do jornal, por cinco
anos. Caio Túlio foi o primeiro ombudsman da imprensa brasileira. Trabalhou
na Folha de S.Paulo durante 21 anos. Foi um dos fundadores do UOL, do qual
foi diretor geral até 2002. Ex-presidente do iG, atualmente é consultor de
mídias digitais e professor de Ética Jornalística.
O modelo bizarro
Em editorial, antes do
debate ao vivo, Dines ressaltou que News of the World converteu-se em
paradigma das “aberrações cometidas pela imprensa sensacionalista”. O
jornalista relembrou que o inquérito foi instaurado com o “esmagador” apoio da
sociedade, da imprensa, do Parlamento e do governo. Para Dines, o relatório
reforça a autorregulação e a transfere a questão para a esfera pública – “em
condições de atuar com agilidade e rigor, a posteriori, mas sem
complacências”.
“A imprensa brasileira
comportou-se como de hábito, tudo combinadinho, sem discrepâncias, tipo ordem
unida: houve o registro do relatório no dia seguinte, sexta-feira [30/11],
e, no fim de semana, o nome Leveson havia evaporado completamente das páginas
dos jornais ou revistas. Autorregulação continua um assunto tabu na imprensa
brasileira”, afirmou Dines, que avaliou que a reação da mídia americana ficou
entre a ingenuidade e o cinismo.
O correspondente Silio
Boccanera, que vive em Londres, contou que o ponto mais controverso do
relatório é o que propõe um reforço jurídico nos métodos atuais de punir os
abusos da imprensa. “Não é uma questão de respostas fáceis, sacode a
consciência e a ética de muitos jornalistas divididos entre a defesa da
liberdade de expressão e a necessidade de proteger vítimas inocentes dos abusos
e dos erros da imprensa”, ponderou Boccanera. O jornalista sublinhou que a
Justiça comum é lenta e cara nesses casos. “Propostas como a do juiz Leveson
provavelmente funcionariam aqui neste país, onde se consegue distinguir bem
entre entidade pública e um órgão do Estado. A BBC, por exemplo, é uma emissora
pública não estatal e funciona bem dessa forma. No Brasil, tenho dúvidas se as
leis para a imprensa não acabariam virando censura”, opinou Boccanera.
Ainda antes do debate no
estúdio, o programa exibiu uma entrevista com o jurista José Paulo Cavalcanti
Filho, que foi presidente do Conselho de Comunicação Social (CCS).Para ele, a
questão da autorregulação está ligada ao nível cultural de cada país. “Em
princípio, o que deveríamos desejar é que houvesse alguns consensos que não
obrigassem a que houvesse uma legislação. A regra no mundo não é essa. Dos 191
países da ONU, Estados Unidos e Inglaterra têm esboços de lei que não chegam a
ser lei. Fora disso, só o Brasil não tem. Então, é razoável imaginar que uma
democracia pode conviver bem com uma lei de imprensa”, avaliou o jurista.
Ronaldo Lemos, diretor
do Centro de Tecnologia da Fundação Getúlio Vargas, também foi entrevistado: “O
que é interessante no relatório é que ele parte do princípio que esse órgão
deve surgir a partir da autorregulação. Então, ele diz que as próprias empresas
de mídia têm que se reunir e criar um modelo específico para pensar a questão
da mídia no Reino Unido”. Para Lemos, o debate sobre a regulação da mídia no
Brasil precisa identificar questões pragmáticas e específicas. “Podem ser, por
exemplo, levantadas a partir de agora, como aconteceu no caso da Inglaterra.
Pensar um arcabouço mais geral sobre o que pode ser feito em relação a mídia”,
defendeu o professor.
Liberdade vs. regulação
No debate ao vivo,
Aluízio Maranhão ressaltou que, no Brasil, a decisão tomada pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) em 2009de revogar a Lei de Imprensa estabeleceu de
maneira indiscutível que a liberdade de expressão é uma cláusula pétrea.
Maranhão acredita que as discussões sobre a autorregulação no Brasil já
avançaram. O editor de Opinião de O Globo citou como exemplo a decisão
tomada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), no sentido de que a entidade
não poderia funcionar nos mesmos moldes de instituições como o PCC inglês ou o
Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar), que acompanha o setor
de propaganda no Brasil. A autorregulação caberia aos veículos a partir de
diretrizes estabelecidas pelas próprias publicações.
“Há veículos mais
avançados e outros menos avançados. Eu acho que isso não deve assustar ninguém.
Olhando o caso inglês, quando a autorregulação não funcionou, funcionou a
polícia, funcionou a Justiça, como deve ser. Não nos esqueçamos de que não
houve impunidade”, enfatizou o jornalista. Para Maranhão, é preciso levar em
conta a conjuntura política e social do país quando de trata de debates em
torno da regulação da mídia: “Se na Inglaterra há quem tenha dúvidas e tema um
retorno ao século 17, que dirá aqui, com a nossa cultura ainda autoritária, de
um Estado mais pesado. Nós estamos aprendendo a conviver democraticamente”.
A discussão em torno de
liberdades é eterna, na opinião de Maranhão, mesmo em países onde o regime
democrático é mais consolidado, como nos Estados Unidos. Na Inglaterra, a ideia
de que um órgão como o PCC respaldado por uma legislação é ilusória porque
qualquer entidade com força de lei vai atuar, em algum momento, de forma
autoritária. Maranhão destacou que, no Brasil, o artigo da Constituição que
garante a liberdade de expressão não é regulamentável. Outro ponto enfatizado
pelo jornalista foi a sensibilidade da sociedade que, com o tempo, despreza produtos
jornalísticos extremamente popularescos.
Avanços lentos
Na avaliação de Suzana
Singer, o Brasil precisa avançar mais rapidamente no debate sobre a mídia.
Apesar de a ANJ ter recomendado que os veículos adotassem mecanismos de
avaliação e comunicação com o público, atualmente apenas dois jornais
brasileiros têm a figura de um ombudsman. Para ela, todos os órgãos de mídia
deveriam instituir uma ouvidoria. “Você tem no Brasil muito pouco respeito pela
publicação de correções, de cartas com algum contraditório, o outro lado”,
criticou Suzana. A mídia brasileira reconhece a necessidade de algum tipo de
regulação, mas não está acostumada a prestar contas, a ser transparente e a
explicar o seu modus operandi.
Dines ressaltou que a
regulação da mídia precisa ser discutida por todos os segmentos da sociedade,
mas os donos de veículos de comunicação são “impermeáveis” ao debate. Os
empresários deveriam ter um pouco de flexibilidade para não ficarem com a pecha
de irresponsáveis. Suzana Singer destacou que o ouvidor precisa ser
independente, ter meios de receber as denúncias da sociedade e expressar a sua
opinião, com colunas em veículos impressos ou programas na mídia eletrônica.
Para ela, o debate sobre a regulação da mídia precisa ser travado: “É uma
questão de vontade, de parar de ficar na defensiva. Eu acho que essa discussão
hoje em dia é uma discussão de surdos. De um lado, fica-se repetindo que é uma
tentativa de censura. Do outro lado, é a suposta democratização dos meios”.
A internet, na opinião
de Suzana Singer, está se tornando um veículo capaz de fazer um contraponto à
grande mídia ao publicar a opinião da população e repercutir direitos de
resposta que foram omitidos pela imprensa tradicional. A jornalista afirmou que
mais importante do que punir jornalistas individualmente por suas falhas é
pensar sobre como as redações que os empregam estão estruturadas. Em casos
clássicos recentes, como de Jayson Blair, repórter do New York Times que
inventava personagens e fatos; do ex-apresentador da BBC Jimmy Savile, acusado
de uma série de abusos sexuais; ou do escândalo do tabloide News of the
World, a conduta das chefias contribuiu para agravar os desvios dos
profissionais.
Mídia britânica
pressionada
Para Caio Túlio Costa, a
mídia brasileira cobriu bem o relatório Leveson, mas logo em seguida se calou.
O jornalista chamou a atenção para o fato de que as denúncias contra o News
of the World só vieram à tona por conta da liberdade de imprensa. Foi um
jornal concorrente, o Guardian, quem publicou as primeiras notícias
contra o tabloide de Murdoch. Caio Túlio afirmou que, além da aplicação de
multas, o relatório propõe que os jornais investiguem adequadamente as
reclamações e publiquem os pedidos de desculpas em destaque.
“Ele está tratando de um
tema que, no fundo, nenhuma democracia no mundo resolveu a contento, que é a
questão do direito de resposta, do tratamento às vítimas, e tudo o que uma
notícia da imprensa pode provocar – seja de bom ou de ruim – para a reputação
de um nome ou de uma empresa”. O jornalista comentou que, recentemente, o
primeiro ministro britânico David Cameron – que é contrário à criação de uma
Lei de Imprensa na Inglaterra – convocou uma histórica reunião com editores de
grandes jornais. No encontro, Cameron advertiu que se a imprensa não promover a
autorregulação, o Estado terá que interferir.
Caio Túlio disse que o
governo britânico está pressionando a indústria para que resolva a questão da
regulação com a criação de um órgão que não seja leniente como o PCC. “Aqui no
Brasil, eu acho que nós já temos condição para começar uma discussão para a
autorregulação. Eu temo muito é a questão da lei e de uma lei do Congresso,
porque não vejo caldo de cultura necessário para uma lei que garanta totalmente
a liberdade de expressão e evite censuras prévias”, disse o jornalista.
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