quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Relatório Leveson e os exemplos para o Brasil






Sob o ensurdecedor silêncio da grande mídia brasileira


publicado em 29 de janeiro de 2013 às 16:56

 

REGULAÇÃO EM DEBATE

Depois de Leveson, a União Europeia...

Sob o ensurdecedor silêncio da grande mídia brasileira, foi divulgado em Bruxelas, na terça-feira (22/1), o relatório “Uma mídia livre e pluralista para sustentar a democracia europeia”, comissionado pela vice-presidente da União Europeia, Neelie Kroes, encarregada da Agenda Digital

Preparado por um grupo de alto nível (HLG) presidido pela ex-presidente da Letônia, Vaira Vike-Freiberga, e do qual faziam parte Herta Däubler-Gmelin, ex-ministra da Justiça alemã; Luís Miguel Poiares Pessoa Maduro, ex-advogado geral na Corte de Justiça Europeia; e Ben Hammersley, jornalista especializado em tecnologia, o relatório faz trinta recomendações sobre a regulamentação da mídia como resultado de um trabalho de 16 meses que começou em outubro de 2011. As recomendações serão agora debatidas no âmbito da Comissão Europeia.

O relatório

O relatório, por óbvio, deve ser lido na íntegra [ver aqui a íntegra do relatório]. Ele começa com um sumário das principais conclusões e recomendações e, na parte substantiva, está dividido em cinco capítulos que apresentam e discutem as bases conceituais e jurídicas que justificam as diferentes recomendações: (1) por que a liberdade da mídia e o pluralismo importam; (2) o papel da União Europeia; (3) o mutante ambiente da mídia; (4) a proteção da liberdade do jornalista; e, (5) o pluralismo na mídia.

Há ainda um anexo de 12 páginas que lista as autoridades ouvidas, as contribuições escritas recebidas e os documentos consultados. A boa notícia é que quase todo esse material está disponível online.

Para aqueles a favor da regulamentação democrática da mídia – da mesma forma que já havia acontecido com o relatório Leveson – é alentador verificar como antigas propostas sistematicamente taxadas pela grande mídia e seus aliados da direita conservadora de autoritárias, promotoras da censura e inimigas da liberdade de expressão, são apresentadas e defendidas por experts internacionais, comissionados pela União Europeia.

Fundamento de todo o relatório são os conceitos de liberdade de mídia e pluralismo. Está lá:

“O conceito de liberdade de mídia está intimamente relacionado à noção de liberdade de expressão, mas não é idêntico a ela [grifo meu]. A última está entronizada nos valores e direitos fundamentais da Europa: ‘Todos têm o direito à liberdade de expressão. Este direito inclui a liberdade de ter opiniões, de transmitir (impart) e receber informações e ideias sem interferência da autoridade pública e independente de fronteiras’ (…).

“Pluralismo na mídia é um conceito que vai muito além da propriedade. Ele inclui muitos aspectos, desde, por exemplo, regras relativas a controle de conteúdo no licenciamento de sistemas de radiodifusão, o estabelecimento de liberdade editorial, a independência e o status de serviço público de radiodifusores, a situação profissional de jornalistas, a relação entre a mídia e os atores políticos etc. Pluralismo inclui todas as medidas que garantam o acesso dos cidadãos a uma variedade de fontes e vozes de informação, permitindo a eles que formem opiniões sem a influência indevida de um poder [formador de opiniões] dominante.”

Encontram-se no relatório propostas como: (1) a introdução da educação para a leitura crítica da mídia nas escolas secundárias; (2) o monitoramento permanente do conteúdo da mídia por parte de organismo oficial ou, alternativamente, por um centro independente ligado à academia, e a publicação regular de relatórios que seriam encaminhados ao Parlamento para eventuais medidas que assegurem a liberdade e o pluralismo; (3) a total neutralidade de rede na internet; (4) a provisão de fundos estatais para o financiamento da mídia alternativa que seja inviável comercialmente, mas essencial ao pluralismo; (5) a existência de mecanismos que garantam a identificação dos responsáveis por calúnias e a garantia da resposta e da retratação de acusações indevidas.

Pelo histórico de feroz resistência que encontra entre nós, vale o registro uma proposta específica. Após considerações sobre o reiterado fracasso de agências autorreguladoras, o relatório propõe:

“Todos os países da União Europeia deveriam ter conselhos de mídia independentes, cujos membros tenham origem política e cultural equilibrada, assim como sejam socialmente diversificados. Esses organismos teriam competência para investigar reclamações (…), mas também certificariam de que as organizações de mídia publicaram seus códigos de conduta e revelaram detalhes sobre propriedade, declarações de conflito de interesse etc. Os conselhos de mídia devem ter poderes legais, tais como a imposição de multas, determinar a publicação de justificativas [apologies] em veículos impressos ou eletrônicos, e cassação do status jornalístico.”

E no Brasil?

A publicação de mais um estudo oficial sobre regulamentação da mídia, desta vez pela União Europeia, menos de dois meses depois do relatório Leveson na Inglaterra, revela que o tema é pauta obrigatória nas sociedades democráticas e não apenas em vizinhos latino-americanos como a Argentina, o Uruguai e o Equador, mas, sobretudo, na Europa.

No Brasil, como se sabe, “faz-se de conta” que não é bem assim e o tema permanece “esquecido” pelo governo, além de demonizado publicamente pela grande mídia como ameaça à liberdade de expressão.

Quem se beneficia com essa situação? Até quando seguiremos na contramão da história?

***

[Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012-2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros]



Por Lilia Diniz em 07/12/2012

O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (4/12) pela TV Brasil discutiu o ponto mais polêmico do recém divulgado Relatório Leveson: a regulação da mídia. Encomendado pelo governo britânico para investigar acusações contra o tabloide News of the World,o documento recomenda a criação de um órgão regulador para a mídia impressa britânica independente do governo e das empresas jornalísticas. Em 2010, o jornal, que pertence ao conglomerado de mídia do magnata Rupert Murdoch, foi acusado de espionagem, escutas ilegais e chantagem em um escândalo que envolveu políticos, jornalistas, membros da família real e policiais.

O juiz Brian Leveson disse no documento que o comportamento de profissionais do News of the World não foi um caso isolado e que a mídia britânica silenciou diante das denúncias contra o jornal. O juiz acredita que o órgão que regula a mídia impressa do Reino Unido, o Comitê de Queixas contra a Imprensa (PCC, na sigla em inglês) não atendeu às expectativas e que é preciso um sistema de regulação mais severo, baseado em uma Lei de Imprensa a ser criada. O órgão proposto não teria como integrantes jornalistas em atividade e poderia multar as empresas jornalísticas em até um milhão de libras. As duas mil páginas do relatório suscitaram divergências no governo britânico e podem servir como mote para a discussão sobre a regulação da mídia brasileira.

Para debater o tema, Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro o jornalista Aluízio Maranhão, editor de Opinião do jornal O Globo há dez anos. Maranhão tem mais de 40 anos de profissão e foi diretor de Redação do jornal O Estado de S.Paulo. EmSão Paulo, o programa contou com a participação dos jornalistas Suzana Singer e Caio Túlio Costa. Suzana é ombudsman da Folha de S.Paulo e, no jornal, já trabalhou comorepórter, pauteira, editora e diretora de revistas. Foi secretária de Redação, responsável pelo fechamento do jornal, por cinco anos. Caio Túlio foi o primeiro ombudsman da imprensa brasileira. Trabalhou na Folha de S.Paulo durante 21 anos. Foi um dos fundadores do UOL, do qual foi diretor geral até 2002. Ex-presidente do iG, atualmente é consultor de mídias digitais e professor de Ética Jornalística.

O modelo bizarro

Em editorial, antes do debate ao vivo, Dines ressaltou que News of the World converteu-se em paradigma das “aberrações cometidas pela imprensa sensacionalista”. O jornalista relembrou que o inquérito foi instaurado com o “esmagador” apoio da sociedade, da imprensa, do Parlamento e do governo. Para Dines, o relatório reforça a autorregulação e a transfere a questão para a esfera pública – “em condições de atuar com agilidade e rigor, a posteriori, mas sem complacências”.

“A imprensa brasileira comportou-se como de hábito, tudo combinadinho, sem discrepâncias, tipo ordem unida: houve o registro do relatório no dia seguinte, sexta-feira [30/11], e, no fim de semana, o nome Leveson havia evaporado completamente das páginas dos jornais ou revistas. Autorregulação continua um assunto tabu na imprensa brasileira”, afirmou Dines, que avaliou que a reação da mídia americana ficou entre a ingenuidade e o cinismo.

O correspondente Silio Boccanera, que vive em Londres, contou que o ponto mais controverso do relatório é o que propõe um reforço jurídico nos métodos atuais de punir os abusos da imprensa. “Não é uma questão de respostas fáceis, sacode a consciência e a ética de muitos jornalistas divididos entre a defesa da liberdade de expressão e a necessidade de proteger vítimas inocentes dos abusos e dos erros da imprensa”, ponderou Boccanera. O jornalista sublinhou que a Justiça comum é lenta e cara nesses casos. “Propostas como a do juiz Leveson provavelmente funcionariam aqui neste país, onde se consegue distinguir bem entre entidade pública e um órgão do Estado. A BBC, por exemplo, é uma emissora pública não estatal e funciona bem dessa forma. No Brasil, tenho dúvidas se as leis para a imprensa não acabariam virando censura”, opinou Boccanera.

Ainda antes do debate no estúdio, o programa exibiu uma entrevista com o jurista José Paulo Cavalcanti Filho, que foi presidente do Conselho de Comunicação Social (CCS).Para ele, a questão da autorregulação está ligada ao nível cultural de cada país. “Em princípio, o que deveríamos desejar é que houvesse alguns consensos que não obrigassem a que houvesse uma legislação. A regra no mundo não é essa. Dos 191 países da ONU, Estados Unidos e Inglaterra têm esboços de lei que não chegam a ser lei. Fora disso, só o Brasil não tem. Então, é razoável imaginar que uma democracia pode conviver bem com uma lei de imprensa”, avaliou o jurista.

Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia da Fundação Getúlio Vargas, também foi entrevistado: “O que é interessante no relatório é que ele parte do princípio que esse órgão deve surgir a partir da autorregulação. Então, ele diz que as próprias empresas de mídia têm que se reunir e criar um modelo específico para pensar a questão da mídia no Reino Unido”. Para Lemos, o debate sobre a regulação da mídia no Brasil precisa identificar questões pragmáticas e específicas. “Podem ser, por exemplo, levantadas a partir de agora, como aconteceu no caso da Inglaterra. Pensar um arcabouço mais geral sobre o que pode ser feito em relação a mídia”, defendeu o professor.

Liberdade vs. regulação

No debate ao vivo, Aluízio Maranhão ressaltou que, no Brasil, a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009de revogar a Lei de Imprensa estabeleceu de maneira indiscutível que a liberdade de expressão é uma cláusula pétrea. Maranhão acredita que as discussões sobre a autorregulação no Brasil já avançaram. O editor de Opinião de O Globo citou como exemplo a decisão tomada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), no sentido de que a entidade não poderia funcionar nos mesmos moldes de instituições como o PCC inglês ou o Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar), que acompanha o setor de propaganda no Brasil. A autorregulação caberia aos veículos a partir de diretrizes estabelecidas pelas próprias publicações.

“Há veículos mais avançados e outros menos avançados. Eu acho que isso não deve assustar ninguém. Olhando o caso inglês, quando a autorregulação não funcionou, funcionou a polícia, funcionou a Justiça, como deve ser. Não nos esqueçamos de que não houve impunidade”, enfatizou o jornalista. Para Maranhão, é preciso levar em conta a conjuntura política e social do país quando de trata de debates em torno da regulação da mídia: “Se na Inglaterra há quem tenha dúvidas e tema um retorno ao século 17, que dirá aqui, com a nossa cultura ainda autoritária, de um Estado mais pesado. Nós estamos aprendendo a conviver democraticamente”.

A discussão em torno de liberdades é eterna, na opinião de Maranhão, mesmo em países onde o regime democrático é mais consolidado, como nos Estados Unidos. Na Inglaterra, a ideia de que um órgão como o PCC respaldado por uma legislação é ilusória porque qualquer entidade com força de lei vai atuar, em algum momento, de forma autoritária. Maranhão destacou que, no Brasil, o artigo da Constituição que garante a liberdade de expressão não é regulamentável. Outro ponto enfatizado pelo jornalista foi a sensibilidade da sociedade que, com o tempo, despreza produtos jornalísticos extremamente popularescos.

Avanços lentos

Na avaliação de Suzana Singer, o Brasil precisa avançar mais rapidamente no debate sobre a mídia. Apesar de a ANJ ter recomendado que os veículos adotassem mecanismos de avaliação e comunicação com o público, atualmente apenas dois jornais brasileiros têm a figura de um ombudsman. Para ela, todos os órgãos de mídia deveriam instituir uma ouvidoria. “Você tem no Brasil muito pouco respeito pela publicação de correções, de cartas com algum contraditório, o outro lado”, criticou Suzana. A mídia brasileira reconhece a necessidade de algum tipo de regulação, mas não está acostumada a prestar contas, a ser transparente e a explicar o seu modus operandi.

Dines ressaltou que a regulação da mídia precisa ser discutida por todos os segmentos da sociedade, mas os donos de veículos de comunicação são “impermeáveis” ao debate. Os empresários deveriam ter um pouco de flexibilidade para não ficarem com a pecha de irresponsáveis. Suzana Singer destacou que o ouvidor precisa ser independente, ter meios de receber as denúncias da sociedade e expressar a sua opinião, com colunas em veículos impressos ou programas na mídia eletrônica. Para ela, o debate sobre a regulação da mídia precisa ser travado: “É uma questão de vontade, de parar de ficar na defensiva. Eu acho que essa discussão hoje em dia é uma discussão de surdos. De um lado, fica-se repetindo que é uma tentativa de censura. Do outro lado, é a suposta democratização dos meios”.

A internet, na opinião de Suzana Singer, está se tornando um veículo capaz de fazer um contraponto à grande mídia ao publicar a opinião da população e repercutir direitos de resposta que foram omitidos pela imprensa tradicional. A jornalista afirmou que mais importante do que punir jornalistas individualmente por suas falhas é pensar sobre como as redações que os empregam estão estruturadas. Em casos clássicos recentes, como de Jayson Blair, repórter do New York Times que inventava personagens e fatos; do ex-apresentador da BBC Jimmy Savile, acusado de uma série de abusos sexuais; ou do escândalo do tabloide News of the World, a conduta das chefias contribuiu para agravar os desvios dos profissionais.

Mídia britânica pressionada

Para Caio Túlio Costa, a mídia brasileira cobriu bem o relatório Leveson, mas logo em seguida se calou. O jornalista chamou a atenção para o fato de que as denúncias contra o News of the World só vieram à tona por conta da liberdade de imprensa. Foi um jornal concorrente, o Guardian, quem publicou as primeiras notícias contra o tabloide de Murdoch. Caio Túlio afirmou que, além da aplicação de multas, o relatório propõe que os jornais investiguem adequadamente as reclamações e publiquem os pedidos de desculpas em destaque.

“Ele está tratando de um tema que, no fundo, nenhuma democracia no mundo resolveu a contento, que é a questão do direito de resposta, do tratamento às vítimas, e tudo o que uma notícia da imprensa pode provocar – seja de bom ou de ruim – para a reputação de um nome ou de uma empresa”. O jornalista comentou que, recentemente, o primeiro ministro britânico David Cameron – que é contrário à criação de uma Lei de Imprensa na Inglaterra – convocou uma histórica reunião com editores de grandes jornais. No encontro, Cameron advertiu que se a imprensa não promover a autorregulação, o Estado terá que interferir.

Caio Túlio disse que o governo britânico está pressionando a indústria para que resolva a questão da regulação com a criação de um órgão que não seja leniente como o PCC. “Aqui no Brasil, eu acho que nós já temos condição para começar uma discussão para a autorregulação. Eu temo muito é a questão da lei e de uma lei do Congresso, porque não vejo caldo de cultura necessário para uma lei que garanta totalmente a liberdade de expressão e evite censuras prévias”, disse o jornalista.

Paulo Metri decifra o enigma dos leilões de petróleo


 
 

publicado em 29 de janeiro de 2013 às 13:11
É mais ou menos nosso…
Não me decifraste e estás sendo devorado

 

por Paulo Metri*, no Correio da Cidadania

 

“Cheguei ao poder com grande apoio popular, graças ao discurso de luta por uma vida melhor para todos, mas também a acordos com os setores mais retrógrados da nossa sociedade. A ‘Carta aos brasileiros’, enigmática ao cidadão comum, representou um recado bem entendido pela elite. Depois de três tentativas frustradas para chegar à presidência, apreendi que as mudanças no Brasil, país com a mídia dominada, têm que ser parcimoniosas. Quase como tendo que haver consentimentos dos que dominam a sociedade.” 

“Nunca fui um revolucionário por várias razões. Em primeiro lugar, porque minha natureza é a de um negociador e nunca foi a de um guerreiro, na acepção primeira da palavra. Em seguida, porque o povo, com o presente grau de percepção, não quer uma revolução. Creio até que, mesmo com alto grau de compreensão do mundo, ele também não irá querer. Finalmente, não pode ser esquecido que muitos dos revolucionários têm morte prematura.” 

“Contudo, mesmo reformista, orgulho-me em dizer que, durante meu governo, persegui à risca meu discurso de campanha e trouxe uma vida melhor para dezenas de milhões de irmãos. No que era básico para mim, não fraquejei em nenhum instante. Sei que tive erros, praticados consciente ou involuntariamente. Quando errei conscientemente, tenham certeza que estava cedendo a alguma pressão que, se negada, poderia fazer fracassar, por exemplo, todo o projeto de inclusão social em curso.”

“Troquei opções sem correlação alguma, mas que o momento as transformava em moedas de troca. Sem corresponder à realidade, só para ajudar o entendimento, me deparava com dilemas do tipo: receber apoio da bancada secreta e poderosa dos banqueiros a uma política externa independente em troca do atendimento aos interesses pecuniários deles. A capacidade de mobilização deles no Congresso só é comparável à da bancada ruralista. Assim, reconheço que existiram setores cujos desempenhos deixaram a desejar. Não avancei muito na reforma agrária, por exemplo, o que me deixa frustrado.” 

“Aprendi com muitos dos que estavam ao meu lado, mas o ministro das Relações Exteriores do meu governo tem um crédito especial comigo. Resumiria o que aprendi com ele, desta forma: ‘não se é grande em nível internacional, se não se imagina grande, não se planeja para ser grande e não se age de forma grandiosa’. Hoje, creio que abri muito a guarda na entrega do petróleo nacional, a menos de quando retirei 41 blocos do Pré-sal da nona rodada. Falo das rodadas de leilões do nosso petróleo. Segundo o ensinamento aprendido, entregar petróleo sem quase nenhum usufruto para a sociedade não corresponde a ‘agir de forma grandiosa’. Mas, só fiquei consciente deste fato quando o término do meu governo estava próximo.” 

“Têm instantes que tenho vontade de dizer à minha sucessora: ‘Não faça isto!’ Digo isso com relação à décima primeira rodada, que foi recentemente aprovada por ela. Ainda mais que querem agora ofertar, também nesta rodada, além dos blocos inicialmente previstos, aqueles oriundos da fracassada oitava rodada. O objetivo escamoteado é diminuir por asfixia financeira a participação da Petrobras nas futuras concessões. Assim, mais blocos serão destinados às empresas estrangeiras ainda sob a lei socialmente incorreta no 9.478. Bem que os petroleiros sempre disseram que o Brasil não precisa ter pressa para produzir petróleo, pois a Petrobras já garante seu abastecimento por mais de 40 anos. Porém, não falo com minha sucessora, pois, afinal de contas, o governo é dela.” 

“Por isso, acusam, com certo grau de razão, que meu partido e eu somos pouco conscientes com relação à questão nacional. Sem ser xenófobo, hoje, creio que há necessidade de se privilegiar a exploração das riquezas nacionais da forma que mais beneficia a nossa sociedade, o que ocorre em geral com empresas genuinamente nacionais. Enfim, ninguém está completamente pronto para ser presidente.” 

“Entretanto, a recuperação dos salários, o aumento do número de pessoas empregadas, a ampliação e o acréscimo do valor do Bolsa-Família, o aumento do número de universidades públicas, a ampliação das vagas disponíveis nas existentes e o Pro-Uni são algumas das realizações das quais me orgulho. Enfim, durmo tranquilo. Fiz tudo que queria e podia fazer e, muitas vezes, tive que criar com esforço condições para as coisas boas acontecerem.” 

“Se vocês tivessem entendido tudo isso e dado mais apoio político a mim ou a qualquer outro governante socialmente comprometido, mais poderia ter sido conquistado. A verdade é que quem lhes devora não sou eu, contrariando o enigma da esfinge. São os cartéis, inclusive muitos estrangeiros, que ainda não foram enquadrados. Estão soltos porque não há reação de vocês. Contudo, sei que, com a atual mídia controlada pelo capital, fica difícil o povo tornar-se consciente. A menos que, aos poucos, ele migre para canais de informação mais honestos.” 

Neste ponto, acordei da minha divagação, na qual buscava explicações racionais, ou seja, buscava decifrar.

 

*Conselheiro do Clube de Engenharia

Energia que vale R$ 6,80 custa R$ 96 reais ao consumidor


 

publicado em 25 de janeiro de 2013 às 15:15 no Jornal do terra

 


 

Jornal do Terra – A proposta de redução da conta de luz lançada pelo governo Dilma veio a se somar à campanha Energia a Preço Justo, lançada há dois anos pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Ao apoiar a MP 579, a FIESP passou a ser criticada pelo secretário de Energia de São Paulo, José Aníbal, contrário à medida provisória. E em entrevista ao Terra ele declarou que o presidente da Federação, Paulo Skaf, não entende nada de energia e aproveitou a oportunidade para fazer campanha política. Vamos conversar sobre o assunto com Carlos Cavalcanti, Diretor de Infraestrutura da FIESP.

JT – Senhor Cavalcanti, muito obrigada pela vinda ao Terra. É um prazer receber o senhor aqui.

Carlos Cavalcanti – Prazer é todo meu Maria.

JT – Senhor Cavalcanti, a energia pode ser mais barata mesmo no Brasil? A CESP de São Paulo, a CEMIG de Minas e a COPEL do Paraná, estados administrados pelo PSDB, dizem que o governo Dilma faz populismo com o chapéu alheio e a FIESP aqui em São Paulo recebe duras críticas do secretário Aníbal por apoiar a medida.

CC – É, secretário Aníbal… vamos deixar prá lá, ele é um político, não é um secretário de energia. Ele transformou a secretaria num comitê partidário, ficou lá preocupado em viabilizar a eleição, a candidatura dele a prefeito de São Paulo. Vamos deixar ele de lado. A secretaria está paralisada, não está fazendo nada pela população de São Paulo, e tristemente agora vem se opor a esta situação.

Não é chapéu alheio, e isto o secretário está mentindo para a população. A regra é muito clara. A regra é a seguinte: a Constituição brasileira de 88, mas até antes disso, ela não permite a propriedade privada dos ativos de infraestrutura no Brasil.

Ela não permite propriedade privada de estrada, não permite propriedade privada de porto, não permite propriedade privada de aeroporto, isto é sempre, pode e deve ser administrado pela inciativa [privada], mas isso é uma concessão. É assim que está definido na Constituição. Isso é um contrato entre a União e uma empresa pública ou privada, para fazer a gestão e o aproveitamento, exploração econômica, por um determinado período de tempo. O que que acontece agora nos setores elétricos?

Esses contratos, que são da década de 70 e já estiveram em vigor por 30 anos — no governo do Fernando Henrique eles foram prorrogados por mais 20 anos, em 95…

JT: Eles estão vencendo em 2015…

CC: Vence em 2015, os contratos acabam, não é? Que que a FIESP fez há dois anos atrás? Por quê? Porque as mesmas, CESP, CEMIG, Eletrobras, a COPEL estão há cinco anos pedindo prorrogação desses contratos no mesmo patamar de preço. E aí a população precisa entender, porque isto é fundamental.

Veja, construir uma usina hidrelétrica custa muito caro e o investidor tem que ser ressarcido. Mas isto é dividido, custo da obra que representa 80% do preço da energia, ele é dividido num crediário de 30 anos, tá, que eu, você, você, pagamos na conta de luz.

Então, produzir 1 megawatt de energia no Brasil custa R$ 6,80, em média, seis e oitenta. Sabe por quanto estas empresas estão vendendo para o sistema este megawatt, que custa seis e oitenta? A noventa e seis reais. Muito bem…

JT – Quer dizer que continua a amortizar um investimento que já teria sido pago em trinta anos e que depois teve mais 20 anos para ser amortizado, ainda.

CC – Isto. É justo você pagar esse preço de energia para a [hidrelétrica] de Belo Monte, que ainda tá em construção, quando ela começar a despachar o primeiro megawatt, ela vai cobrar esse preço de energia que é o preço de energia de leilão. Todas as novas hidrelétricas e as velhas que ainda não estão amortizadas. Estas, estas elas estão amortizadas, tão pagas, pagas, o tempo médio de exploração dessas usinas e que vencem os contratos em 2015 é de 56 anos. Tem algumas, como a presidente Dilma falou, velhas senhoras, operando há mais de 70 anos. Quer dizer, e nós estamos pagando esta conta.

É como se a gente comprasse uma televisão numa loja, em 36 parcelas, chegasse no triségimo sétimo mês — você pagou todas as 36 — no triségimo sétimo mês o dono da loja liga para você e diz, continue pagando o crediário. Você diz não, péra, eu já paguei, a televisão é minha. [O dono da loja] Não senhor, continua, porque eu não posso perder receita. Isso é o que ele está dizendo [o secretário Anibal], da CESP. Eu não posso perder receita, eu não posso vender energia mais barata. E é mentira, ele pode e deve.

Primeiro, porque a usina não é dele, é da União, e agora o que aconteceu foi trazer esses preços para remunerar outras bobagens…

Que falam, “ah, não vai cobrir os custos”. Veja, no preço proposto pelo governo, você cobre operação e manutenção. Operação é toda despesa operacional, manutenção significa você fazer reforços constantes na estrutura da barragem, que é aquela grande estrutura de concreto, e trocar, do zero, jogar fora, e trocar todas as turbinas, todas as turbinas da usina a cada 25 anos.

Isto está incluso neste preço de sete reais. Aquela quantidade de energia, que é brutal, o tempo de concessão que é longo, e as empresas estão completamente bem remuneradas. Porque, senão, nós sempre vamos ter, se agente não pegar os ativos que estão maduros, e baixar o preço deles… Por exemplo, ele aqui [o secretário Anibal] ontem defendeu que o pedágio deve ser caro, que é isso que garante obras, estradas boas em São Paulo. Outra bobagem.

É politicagem. O estado de São Paulo fez a concessão de rodovias prontas, os investidores não puseram um centavo nessas rodovias e tão sendo remunerados por um pedágio altíssimo, tá, simplesmente para fazer operação e manutenção, que é cobrir o asfalto, um buraquinho, esse tipo de coisa. E para isso eles estão sendo remunerados. Se bem que os padrões de pedágio em São Paulo são os maiores do mundo e são políticas erradas, que um dia vai ter que mudar.

Então veja, não é chapéu alheio, a CESP nem a CEMIG, nem a COPEL, que foram as empresas que não aderiram, elas não são donas dessas hidrelétricas e o investimento que elas já fizeram ao longo de 40, 50 anos, nós pagamos, por 40, 50 anos, a construção dessas usinas.

Agora, o crediário acabou. A festa acabou. A mamata acabou. Por isso nós lançamos a campanha, fomos ouvidos pela presidente da República, que comprou uma briga.

JT – E dá para baixar aí a 16% mais ou menos para o consumidor doméstico e até 28% para as indústrias?

CC – Olha, o negócio é tão sério, que é o seguinte. Você baixa o preço destas, destas usinas, que é um lote de 20% de toda energia consumida no Brasil, você baixa 80% o preço de geração, preço de energia dessas usinas, baixa 66% o custo de transmissão, que é a tarifa que agente paga lá na conta no final do mês, e isto tem um impacto, isto tem um impacto grande que vai baratear a tarifa de todos os brasileiros, a partir de primeiro de janeiro, que é a conta que a gente começa a pagar no dia 5 de fevereiro, nosso consumo de janeiro você começa a pagar a partir de fevereiro, e em média em 20,2%,; de residência é 16,7%, indústrias, grandes consumidores têm descontos que chegam até 28%.

98% das indústrias são consumidoras de baixa tensão, que vão ter o desconto de 16,7%, tá certo; a média do Brasil vai ser 20% por causa dos grandes consumidores, que estão sendo bastante beneficiados no mercado regular.

JT – Agora a FIESP conversou alguma vez com o governo Alckimin sobre essa redução na conta de luz? Esse impasse agora gerado pelo secretário José Aníbal, que fala na federação e faz ataques ao presidente Paulo Skaf, não estremeceu demais a relação entre governo do estado e a Federação das Indústrias para chegar a um bom termo e caminhar aí para reduzir a luz?

CC – Vamos deixar o secretário de lado e chamar a responsabilidade do governador. O governador de São Paulo é… está assumindo uma posição complicada perante a população aqui do estado.

Eu te pergunto, qual é o estado mais populoso do Brasil? É o Amazonas? Não, é São Paulo. Qual é a maior fatia de brasileiros que vai se beneficiar de uma redução da conta de luz? São os paulistas. Qual é o estado do Brasil que tem a indústria mais forte, o comércio mais forte, os bancos mais fortes, a farmácia, a padaria, qual é o estado que tem a maior atividade econômica? Então, é o estado de São Paulo. Que é que está acontecendo?

Eles estão pensando, o governador está com uma visão estreita, com o cérebro desse tamanho, porque tá pensando na condição dele, de acionista, dono da CESP, tá.

Mas como a gente não pode lidar só com papagaida, importante dizer que a CESP é 40% do Estado de São Paulo; 60% da CESP sabe de quem que é?

Do HSBC, Bank of London, do UBS, União de Bancos Suíços da agência de Londres, do Crèdit Suisse, que é um conglomerado de bancos suíços; e 51% das ações preferenciais da CESP tão na jogatina da Bolsa de Valores.

Quer dizer, quando vem aqui dizer que a população de São Paulo vai ter que pagar a conta, o governador tá mal informado.

Ou ele não entende desse assunto, ou ele tá mal informado pelo secretário. O governador tá jogando contra a população São Paulo, que é a grande beneficiada pela redução do preço da energia, a casa de cada um vai baixar a conta de luz em 16% e a conta de luz no Brasil vai baixar 20% a partir de fevereiro, quer dizer, e isso o estado que mais ganha é o estado de São Paulo.

Eles estão lá pensando na empresinha que eles controlam, que o governador controla, que ele emprega gente, parente e partidário do grupo político dele e tá prejudicando o estado [de São Paulo].

O governador tem uma responsabilidade, para chegar para a população e não colocar o secretário falando, ele tem que colocar — como o presidente da FIESP está fazendo — colocando a cara na televisão para defender essa causa justa, o governador precisa falar, o governador não pode se esconder atrás do secretário, o governador tem uma responsabilidade com a população de São Paulo.

JT – Durante essa queda de braço entre o governo Dilma e os governos do PSDB, no caso de Minas, São Paulo e Paraná e também o governo do PSD em Santa Catarina, a CELESC que também é um das que estão contrárias a essa medida provisória para baixar o preço na conta de luz, as ações das energéticas caíram muito na Bolsa de Valores do Brasil. Isto foi um efeito colateral esperado ou isto faz parte do processo de acomodação de preços mesmo?

CC – Maria, impressionante porque assim, a regra está estabelecida desde 1995, no governo Fernando Henrique. Lá eles prorrogaram concessões para elas durarem 20 anos mais. 2015 todo mundo sabe que acabou.

Que ia acabar. Muito bem, o que é que, então as empresas estão fazendo nos últimos cinco anos?

Eles achavam que eles iam ganhar essa parada, as empresas e o mercado de ações achavam que iam ganhar essa parada, que a população não ia ser informada, que não ia ter uma entidade como a FIESP, com seu presidente Paulo Skaf, na televisão.

Nós investimos isso por autorização da diretoria da FIESP, votada por unanimidade, milhões de reais para fazer campanha em televisão para dizer para a população que ela tinha um direito que estavam querendo sequestrar na boca da noite, na calada da noite.

JT – E não tratar como concessão e sim como um direito adquirido para sempre, algo assim.

CC – Claro, claro, veja, a população tem esse direito e nós, eles estavam querendo subtrair… isso aqui [pensavam as concessionárias] é uma coisa que a gente resolve entre nós com o ministério e tal. O Ministério de Minas e Energia não tinha intenção de fazer o que a presidenta Dilma Roussef teve coragem para fazer. O ministério não tinha sacrificado as empresas, tinha prorrogado e a população que fosse enganada nessa história.

Nisso a presidenta foi muito corajosa e ela foi estimulada por uma conversa importante que a FIESP teve com o governo federal, com várias áreas, área técnica, e a área que decidiu e ajudou a presidenta decidir dentro do governo, e nós tivemos uma interlocução muito forte.

Mas respondendo sua pergunta, sim, com o governador Alckmin isso foi colocado e ele pensa como acionista da CESP ele não tá pensando na população do estado de São Paulo, repito, o governador tem que vir a público justificar para a população porque ele tá prejudicando 44 milhões.

Eu digo isso, eu fica lá pensando como é que tá o cidadão do Rio de Janeiro, o cidadão do Rio Grande do Sul, como tá o cidadão da Bahia, como tá o cidadão de Sergipe dizendo, “eu, o meu governo e a minha população aqui no meu estado tão dando uma contribuição que é baixar o preço das companhias geradoras daqui do meu estado, para que os paulistas não façam nada, porque como a CESP não entra no jogo, os paulistas não estão contribuindo para queda”. A gente fica com vergonha do governo que tem, a gente fica com vergonha.

E fora que o governo do estado de São Paulo, ao não renovar essas concessões, elas vão acabar e vão a leilão em 2015 e destruiu a empresa, eles estão destruindo a CESP, que poderia durar mais 30 anos. Estão sendo de uma irresponsabilidade com o estado e com essa população que é uma coisa jamais vista. Governador Alckimin, responda à população, o que você vai fazer com a CESP a partir de 2015?

O senhor não pretende ser governador depois de 2015? Não pretende depois de 2015? Você vai ter esse problema em 2015. O senhor vai ter problema de abastecimento de energia no estado de São Paulo, você vai ter problema com os empregos dos eletricitários da CESP, você tá pondo em jogo porque entrou num joguinho político.