quinta-feira, 25 de abril de 2013

Austeridade perde ponto de honra

 

Por Martin Wolf - Valor 24/04
 
Em 1816, a dívida líquida pública do Reino Unido chegou a 240% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi parte de um legado fiscal deixado por 125 anos de guerra contra França. Qual foi o desastre econômico que se seguiu a esse fardo esmagador com dívidas? A revolução industrial.
No entanto, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, da Harvard University, argumentaram em famoso estudo que o crescimento desacelera-se de forma acentuada quando a dívida pública supera os 90% do PIB. A experiência do Reino Unido no século XIX é uma exceção de grande relevância, porque marcou o início do avanço nos padrões de vida que caracterizam o mundo em que vivemos.
Como destaca Mark Blyth, da Brown University, em um novo livro esplêndido, grandes economistas do século XVIII, como David Hume e Adam Smith, alertaram contra o endividamento público excessivo. O Estado britânico, envolvido em frequentes guerras, ignorou-os. Os alertas, contudo, devem ter parecido bastante convincentes. Entre 1815 e 1855, os juros com dívidas representavam quase metade do gasto público do Reino Unido.


De qualquer forma, o Reino Unido saiu do endividamento. No início da década de 1860, a dívida havia recuado para menos de 90% do PIB. De acordo com o falecido historiador econômico Angus Maddison, a taxa de crescimento anual composta entre 1820 e o início dos anos 1860 foi de 2%. A taxa per capita foi de 1,2%. Pelos padrões posteriores, isso pode não soar grande coisa. Isso, contudo, ocorreu apesar dos colossais encargos com dívidas em um país cuja capacidade para elevar impostos era muito limitada. Além disso, essas dívidas foram usadas para financiar a mais destrutiva das atividades: a guerra. Muito simplesmente, não há lei de ferro em que o crescimento desaparece quando o endividamento excede 90% do PIB.
A recente crítica de Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin, da University of Massachusetts Amherst, faz três acusações específicas contra as conclusões dos professores Reinhart e Rogoff: um simples erro de fórmula; omissões de dados; e uma estranha combinação de procedimentos. Corrigindo isso, eles argumentam que o crescimento anual médio desde 1945 em países avançados com endividamento acima de 90% do PIB foi de 2,2%. Em comparação, as médias de crescimento foram de 4,2%, quando a dívida foi inferior a 30%, 3,1% quando ficou entre 30% a 60%, e de 3,2%, quando foi de 60% a 90%. Em sua resposta, os professores Reinhart e Rogoff admitem o erro de fórmula, mas rejeitam a crítica sobre a combinação de procedimentos. Concordo com os críticos pelos motivos apontados por Gavyn Davies. É persuasivo o argumento de que dados referentes a um longo período de alto endividamento deveriam contar mais do que os dados cobrindo um curto período.
Seu trabalho e os de outros, no entanto, respaldam a proposição de que um crescimento mais lento é associado a um alto endividamento. Associação, entretanto, não é causa. O baixo crescimento poderia causar o alto endividamento, hipótese defendida por Arindrajit Dube, também de Amherst. Vejamos o Japão: seu alto endividamento é a causa do baixo crescimento ou uma consequência? Minha resposta seria a última
Volto a perguntar, o alto endividamento é a causa do baixo crescimento do Reino Unido hoje? Não. Antes da crise, a dívida pública líquida do Reino Unido estava próxima de seu menor patamar em relação ao PIB nos últimos 300 anos. O aumento da dívida no Reino Unido é resultado do baixo crescimento ou, mais precisamente, da causa desse baixo crescimento - uma crise financeira gigantesca.
De fato, em sua obra-prima, "Oito Séculos de Delírios Financeiros - Desta Vez É Diferente", os professores Reinhart e Rogoff explicaram como uma forte alta das dívidas privadas pode levar a crises financeiras que resultem em recessões profundas, recuperações frágeis e aumento da dívida pública. Esse trabalho é transcendental. Sua conclusão, claramente, é a de que o aumento da dívida pública é consequência do baixo crescimento, por si só explicado pela crise. Isso não significa descartar a causalidade nas duas direções. Mas o sentido é que vai dos excessos financeiros privados rumo às crises, baixo crescimento e dívida pública elevada, não na outra direção.


Como sequência natural, quando se avalia as consequências do endividamento para o crescimento, é preciso perguntar-se, em primeiro lugar, por que motivo as dívidas subiram. Houve extravagância fiscal nos tempos de crescimento, o que é motivo quase certo para reduzir o crescimento? Os gastos em ativos públicos de alta qualidade foram indutores de crescimento? Por fim, a alta na dívida pública seguiu-se a um estouro na bolha do setor financeiro privado?
Causas diferentes para o alto endividamento levarão a resultados diferentes. Mais uma vez, os motivos pelos quais os déficits são elevados e as dívidas estão em alta vão afetar os custos provocados pela austeridade. Normalmente, é possível ignorar as consequências macroeconômicas da austeridade fiscal: ou os gastos privados serão fortes ou a política monetária será eficiente. Mas, depois de uma crise financeira, provavelmente surgirá um grande excesso de desejadas poupanças privadas, mesmo quando as taxas de juros estiverem muito próximas a zero.
Nessa situação, a austeridade fiscal imediata vai ser contraproducente. Vai guiar a economia a uma recessão profunda e atingir uma redução apenas limitada dos déficits e das dívidas. Além disso, como também indica o Fundo Monetário Internacional (FMI), nessas circunstâncias, estímulos monetários extremos, por sua conta, criam perigos substanciais. Ainda assim, ninguém que defende manter o apoio fiscal para a economia nessas circunstâncias específicas (e raras) acha que os "estímulos fiscais estão sempre certos", como sugere Anders Aslund, do Peterson Institute. Longe disso. Ao contrário do que parecem acreditar os "austerianos", simplesmente, os estímulos não estão sempre errados.
É por isso que eu estava - e continuo - preocupado com a influência a favor da austeridade exercida por Reinhart e Rogoff. A questão aqui não é nem a direção da causalidade, mas os custos de tentar evitar uma dívida pública elevada na esteira de uma crise financeira. Em seu Panorama Econômico Mundial mais recente, o FMI destaca que o apoio fiscal direto à recuperação foi excepcionalmente fraco. Não é de surpreender, que a recuperação em si também tenha sido frágil. Um dos motivos para esse fraco apoio às economias atingidas pela crise foi o receio quanto ao alto nível da dívida pública. O estudo dos professores Reinhart e Rogoff justificou esse receio. É verdade, os países da região do euro que não conseguem captar empréstimos precisam passar por uma política de aperto. Mas seus parceiros poderiam apoiar a continuidade nos gastos ou compensar as ações desses países com suas próprias políticas. Outros com espaço de manobra, como Estados Unidos e Reino Unido, poderiam - e deveriam - ter seguido um rumo diferente ao que seguiram. Como não o fizeram, a recuperação foi ainda mais frágil e, portanto, o custo de longo prazo da recessão foi muito maior do que deveria ter sido. Isso foi um erro crasso terrível. Ainda não é tarde demais para reconsiderar.

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.



 


 
 

terça-feira, 23 de abril de 2013

Os perigos das teorias frágeis

 

Por Wolfgang Münchau - Valor 23/04
 
John Kenneth Galbraith rebaixou, celebremente, seu colega economista Milton Friedman ao dizer: "O azar de Milton foi que as suas políticas foram experimentadas".
A mesma observação pode ser feita sobre Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff. Na Europa, em especial, autoridades pró-austeridade colocaram em prática políticas econômicas baseadas em suas análises, com consequências catastróficas, tanto humanas como econômicas. A tragédia dos dois economistas de Harvard não foi o mau uso das planilhas do Microsoft Excel, mas o mau uso do Microsoft PowerPoint. Eles exageraram seus resultados. Ao fazê-lo, seguiram a regra de ouro do jornalismo de tabloide: simplificar e, então, exagerar.
Desde a publicação em 2011 de seu livro "Oito Séculos de Delírios Financeiros - Desta Vez É Diferente", que foi sucesso de vendas, e desde suas pesquisas subsequentes sobre a relação entre endividamento e crescimento, os professores não deixaram dúvidas: acreditam que os dados mostram haver um limite de endividamento de 90% do Produto Interno Bruto (PIB), a partir do qual o crescimento econômico decai rapidamente. Muitas autoridades interpretaram essa regra como uma convocação para reduzir as dívidas abaixo desse patamar, em nome do crescimento. Os professores Reinhart e Rogoff, portanto, tornaram-se a madrinha e padrinho intelectuais da austeridade.


Para vermos a enorme influência deles nos debates europeus, vale a pena citar uma parte do discurso de Olli Rehn, chefe econômico da Comissão Europeia, ao Conselho de Relações Exteriores, em junho de 2011: "Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff cunharam a 'regra dos 90%'", disse. "Ou seja, os países com dívida pública superior a 90% de sua produção econômica anual crescem de forma mais lenta. Altos níveis de endividamento podem tirar espaço do dinamismo empresarial e da atividade econômica e, portanto, dificultar o crescimento. Essa conclusão é particularmente relevante em um momento em que os níveis da dívida na Europa estão agora se aproximando do limite de 90%, que os EUA já ultrapassou."
É de se presumir que Rehn não leu os estudos originais, mais ambivalentes em suas conclusões, como costumam ser os estudos acadêmicos. Autoridades, como Rhen, estão sempre atentas ao surgimento de teorias que sejam plausíveis e estejam em linha com suas principais crenças. Na Europa, a maioria das autoridades não tem muito contato com macroeconomistas com enfoques inovadores. Claramente, a maioria das autoridades acha contrário à lógica um cenário em que governos gastem dinheiro em recessões. É algo que vai contra sua própria experiência, em especial, quando são de países da Europa Setentrional.
Elas podem ter lido a história da Grande Depressão, mas ainda assim acham que a resposta keynesiana é menos plausível do que a austeridade pró-cíclica. Então, para os responsáveis por políticas conservadoras, quando dois dos economistas mais respeitados do mundo aparecem dizendo-lhes que sua intuição sempre esteve certa, isso representa o melhor dos mundos. Surgia, finalmente, a mensagem que eles sempre quiseram ouvir.


A tese de Reinhart e Rogoff, da forma como as autoridades a compreendem, incorpora dois mitos separados. O primeiro é o da existência de um limite de 90%. O segundo é o da causalidade. O primeiro foi desacreditado na semana passada por Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin, pesquisadores da University of Massachusetts Amherst. Seus dados, corrigidos, mostram uma relação negativa bastante moderada entre crescimento e dívida. Economistas sempre vão brigar sobre abordagens estatísticas, por exemplo, se é mais aconselhável usar a média ou a mediana e outras questões do tipo. Ainda assim, não importa por qual ângulo se olhe, não há uma quebra estrutural na marca dos 90%. Não há quebra estrutural em nenhuma marca.
Isso é imensamente importante para a discussão de políticas econômicas. Desmonta a noção dos 90% como um número mágico - com o qual as autoridades europeias estão agora obcecadas, da mesma forma como costumavam estar com déficits orçamentários anuais que não excedessem os 3% do PIB, algo para o que não havia base teórica.
A redução de todo o quadro a um simples número foi acompanhada por um exagero sobre o impacto. A relação causal podia seguir a direção do alto endividamento rumo ao baixo crescimento, como sugerem os autores; ou o caminho contrário; ou em ambas as direções. Ou a relação pode ser enganosa. Ou algo completamente diferente pode ser a causa de ambos. Se a causalidade seguir o caminho contrário, a história é muito menos entusiasmante para quem propagandeia políticas econômicas. Também seria possível dizer: as pessoas são pobres porque não têm dinheiro. Se o seu crescimento é negativo, sua taxa de endividamento sobe pelo simples motivo que ela é expressa em relação ao PIB nominal.
As estatísticas não podem dizer o que causa o quê. Para isso é preciso uma teoria. Macroeconomistas, no entanto, não têm uma teoria sobre o nível ideal de endividamento. A única resposta conhecida é que isso depende - das taxas de juros reais, do crescimento, do tipo de economia, do regime cambial e de muitos outros fatores.
Diferentemente dos professores Reinhart e Rogoff, Friedman tinha uma teoria quando impulsionou o monetarismo no fim dos anos 1960 e nos anos 1970. Não havia erros de datilografia no equivalente às planilhas de Excel dos anos 1960. Ele tinha evidências empíricas sólidas. A teoria posteriormente falhou, mas é possível entender por quais motivos os presidentes de bancos centrais haviam comprado a ideia na época. A regra dos 90%, em comparação, é inacreditavelmente frágil. E mesmo já tendo sido refutada, vai continuar a direcionar o debate político por algum tempo.
Quanto aos professores Reinhart e Rogoff, suspeito que eles, também, vão ser lembrados principalmente pelo fato de que suas políticas econômicas foram experimentadas.

Wolfgang Münchau é editor do FT, especialista em União Europeia.



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Produto potencial e ciclos financeiros

 

Por Antonio Delfim Netto - Valor 23/04
 
A estratégia mais utilizada pelos economistas na construção de seus modelos é considerar todas as condições que estão fora dele como constantes. A essa hipótese se dá em latim um nome pomposo: "ceteris paribus. Em português menos elegante, significa ignorar, pelo menos numa primeira aproximação, todos aqueles fatores que estão fora do modelo e cuja variação lhe seriam inconvenientes ou perturbadoras. Frequentemente os modelos exigem o conhecimento de parâmetros não estimáveis diretamente, e cuja construção estatística é, então, condicionada às necessidades do próprio modelo.

É o caso, por exemplo, do chamado produto potencial, cuja estimativa é o maior problema da política monetária. Mas o que é esse misterioso "produto potencial"? Na definição clássica de Frederic S. Mishkin ("Conference on Price Measurement for Monetary Policy", Federal Reserve Bank of Dallas, May 4, 2007), "ele é o nível do PIB no qual oferta e procura agregadas da economia são iguais de forma que, ceteris paribus ("all else being equal"), a taxa de inflação tende, no longo prazo, a gravitar em torno do seu valor esperado".

E por que é importante? Porque:

1) pensamos o produto potencial como o nível do PIB que leva ao maior nível sustentável do emprego;

2) precisamos saber qual o nível futuro do PIB consistente para mantê-lo; e

3) porque o "output gap" (a diferença entre o nível do PIB corrente e o seu nível potencial) parece exercer um papel importante na determinação do nível de inflação.
O item 1 decorre de uma relação (relativamente robusta) chamada Lei de Okun (um economista americano), que sugere uma ligação relativamente estável entre a taxa de crescimento do PIB e o nível de desemprego deduzido da taxa de desemprego "natural". Essa taxa é outra invenção do modelo. Ela corresponde ao nível de desemprego quando o PIB está no seu nível "potencial".

O item 2 decorre de uma relação (relativamente tênue), chamada curva de Phillips (um economista neo-zelandês), entre a variação da taxa de inflação e da taxa de desemprego: quando o nível de desemprego é o "natural", a inflação permanece constante. As quatro variáveis mencionadas acima são ligadas por duas relações que exigem o conhecimento do PIB "potencial" e da sua irmã siamesa, a taxa "natural" de desemprego. A grande questão é que a existência e estabilidade da lei de Okun e da curva de Phillips também dependem da condição ceteris paribus.

Agora mesmo, um excelente trabalho do FMI (o capítulo 3 do World Economic Outlook, April 2013, pg. 79) mostra como durante recessões a relação entre a variação da taxa de inflação e o aumento do desemprego (uma variante da curva de Phillips) é diferente (o que mostra que "todo o resto não permanece constante"). O efeito da diferença entre a taxa de desemprego e o seu nível "natural" parece ter hoje um efeito deflacionário muito menor do que no passado. Em outras palavras, dadas as condições institucionais atuais do mercado de trabalho, uma redução da taxa de inflação parece exigir um aumento consideravelmente maior do desemprego do que anteriormente.

No artigo de Mishkin a que nos referimos, ele explora os três métodos mais conhecidos para estimar o PIB potencial:

a) o primeiro envolve a determinação da taxa "natural" de desemprego pela curva de Phillips e usá-la na lei de Okun, o que, pelos motivos expostos acima é mais do que duvidoso;

b) o segundo usa a clássica "contabilidade do crescimento", com funções de produção para estimar a produtividade marginal do trabalho e do capital, esquecendo que elas, em geral, são apenas manipulações algébricas de uma identidade fundamental: o PIB (valor adicionado) é, por definição, igual ao total de salários mais o lucro do capital; e

c) o terceiro usa o modelo neo-keynesiano (Dinamic Stochastic General Equilibrium (DSGE), que pensa o produto potencial como aquele que poderia ser atingido, se fossem eliminadas todas as ineficiências produzidas pela rigidez de preços e salários nos mercados de uma economia habitada por agentes racionais maximizantes. Dado o considerável fracasso desse modelo na antecipação da possibilidade de crises como a de 2008, a proposta é um beco sem saída.

Aparentemente, o grande economista Claudio Borio (acompanhado de Piti Disyatat e Mikael Juselius), começa a abrir uma nova porta que pode levar a resultados mais adequados. Em um recente trabalho ("Rethinking Potencial Output: Embedding Information about the Financial Cycle", BIS Working Papers nº 404, February 2013), sugere introduzir as fricções financeiras na estimativa do inobservável produto potencial.

Os resultados preliminares são muito interessantes, principalmente porque mostram as deficiências das estimativas anteriores e põem em evidência os riscos e os consequentes custos sociais das políticas monetárias mal informadas que os bancos centrais do mundo vêm utilizando há pelo menos 30 anos. Mostram, também, como é precária e pretensiosa a suposta "ciência" monetária de que se supõem portadores alguns economistas, e como eles ganhariam maior credibilidade se fossem mais modestos e menos "cientificistas".

A conclusão de Borio e seus companheiros é que "os fatores financeiros são importantes no entendimento e na mensuração do produto potencial e do 'output gap'. Eles são fundamentais para explicar a flutuação cíclica nas frequências tradicionais dos ciclos econômicos e na determinação de quais trajetórias do PIB são sustentáveis ou não". O trabalho está apenas começando. Mãos à obra, então!

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

A inflação e os limites da política monetária

 

Por Ernesto Lozardo - Valor 17/04
 
 
O Brasil precisa crescer com qualidade e, para isso, dependerá da política de estabilidade de preços conjugada com redução contínua do custo real do capital e da produção, do aumento dos investimentos em infraestrutura e da competitividade industrial.
O aumento de preços da economia brasileira está atrelado a vários fatores inter-relacionados: oferta e demanda agregadas, institucional e estrutural.
No ano passado, a queda da produção de grãos no mundo, conjugada com a seca nos Estados Unidos e redução dos estoques em todo o planeta, acelerou o aumento de preços. Neste ano, a oferta brasileira de grãos, frutas e verduras será maior. Para a produção de grãos, prevê-se uma colheita recorde de 184 milhões de toneladas, um aumento de 11%, com reflexos na queda dos preços agrícolas, com reflexos na inflação a partir dos meses de maio-junho próximos.


Com relação aos produtos industriais, há uma limitação de oferta, não pela falta da capacidade da produção efetiva instalada na indústria, mas pela preferência dos consumidores por produtos importados, mais baratos. Com o câmbio valorizado, o preço dos importados tornou-se mais competitivo que o dos nacionais. Isso tem afetado, por exemplo, a produção dos setores têxtil e eletroeletrônico.
No que diz respeito à demanda, a política econômica de crescimento com inclusão social reduziu a informalidade e incorporou ao mercado de trabalho e de consumo mais de 40 milhões de pessoas, ou seja, quatro vezes a população de Portugal. Isso ocorreu ao longo dos últimos dez anos, provocando aumento na demanda por bens e serviços: tivemos um choque de demanda.
Há um componente institucional no aumento da demanda por bens e serviços: a regra do salário mínimo. O critério de ajuste do salário mínimo é incompatível com a estabilidade de preços e com a produtividade do setor industrial. Ele eleva o custo das empresas de modo linear, prejudicando os menos competitivos. No ano passado, o produto nacional cresceu 0,87%, e o ajuste do salário mínimo foi de 14,12 %. Esse aumento desproporcional é mais um dos fatores que agravam a pressão inflacionária, independentemente da capacidade de oferta do setor industrial.
Há de se considerar, também, a gigantesca carga tributária sobre a renda das famílias e dos setores produtivos em 34% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa carga tributária é um ônus institucional e incompatível com os desafios de competitividade de um país emergente como o Brasil. Os elevados tributos, de um lado, diminuem o poder de compra das famílias e, de outro, pressionam a inflação de custos, reduzindo a capacidade competitiva dos setores produtivos. Uma reforma tributária ampla já foi tentada anteriormente e não saiu do papel. Esse desejo é impossível no Brasil.
No entanto, o governo federal encontrou outros caminhos que deverão alcançar os mesmos objetivos: tornar a produção mais competitiva. Ao eliminar a contribuição patronal previdenciária de 20% sobre a folha de pagamentos e adotar uma alíquota fixa em 1% sobre produtos e em 2% sobre serviços, já beneficia 56 setores, que representam 50% do PIB.


Ademais, reduzir as tarifas de energia elétrica das empresas foi uma medida importante na diminuição do custo da produção da indústria. Reduziram-se, também, as tarifas de energia residenciais, possibilitando aumento na renda disponível das famílias. Ao somarmos a desvinculação da taxa de juros da remuneração da poupança, forma-se um conjunto de medidas que possibilitam a redução do custo da produção e do capital do setor industrial. Os aumentos dos investimentos no setor de bens de capital realizados, nos últimos seis meses, refletirão no aumento da produção de bens de capital e do emprego no primeiro semestre deste ano.
A baixa produtividade da mão de obra é um dos fatores estruturais que influi diretamente na baixa competitividade nacional. Para se ter uma ideia, nos últimos 30 anos, desde 1980, a produtividade da mão de obra dos países asiáticos cresceu 200%, ou seja, 3,70% ao ano, enquanto a brasileira permaneceu estagnada. A baixa produtividade é um freio na redução de preços.
Diante desse conjunto de causas da inflação brasileira, é limitada a eficácia da política monetária em reduzi-la e mantê-la próximo da meta de 4,5% ao ano, por meio da elevação da taxa de juros. Importa frisar que não interessa elevar os juros e promover recessão econômica para que a taxa de inflação fique dentro da meta, como também não se deve permitir inflação acima dos limites da meta. Inflação elevada causa desinvestimentos, queda da produção, redução da capacidade efetiva instalada na indústria e aumento do desemprego.
Em face dos fatores que causam a inflação, no curto prazo, o remédio para conter a inflação será por meio do adiamento de gastos correntes do governo federal, até o momento da reversão da taxa de inflação. Essa medida possibilitará um ajuste da demanda à oferta, influindo positivamente nas expectativas dos agentes produtivos. No longo prazo, a redução da inflação e a sustentabilidade do crescimento dependerão de reformas radicais na capacidade produtiva e de produtividade do país.
Nesse sentido, há um alento favorável. O governo Dilma Rousseff estará implementando um dos maiores programas de investimentos em logística existentes no mundo. Nos próximos quatro anos, o Brasil deverá investir algo em torno de R$ 550 bilhões em uma nova malha ferroviária e rodoviária, hidrovias, portos, aeroportos. Desse total, espera-se que 30% sejam realizados por investidores qualificados nacionais e internacionais.
Esse programa elevará a capacidade competitiva nacional, por meio de um sistema logístico eficiente, promulgando crescimento, estabilidade da inflação e previsibilidade da taxa real de juros. Essa é a arquitetura da nova economia brasileira. Estamos, mais uma vez, diante da possibilidade de retomarmos o crescimento acelerado com pleno emprego, e inflação controlada que marcou a história econômica do país na década de 1970.

Ernesto Lozardo, professor de Economia da EAESP-FGV. Autor do livro: "Globalização - a certeza imprevisível das nações", 2008, segunda edição.



 

terça-feira, 16 de abril de 2013

A China abraça a austeridade e o crescimento desacelera

 

Por James T. Areddy e Tom Orlik | The Wall Street Journal, de Xangai
 
O construtor Sun Ping, de Xangai, lembra-se de ter colocado à venda um bloco de moradias em 2006, época em que os compradores faziam fila durante a noite toda e chegavam a pagar por lugares nessas filas. Ele vendeu 62 casas em três horas e calcula que os compradores rapidamente viram seus investimentos triplicar de valor.
"Aquela era uma época milagrosa", disse ele. Um recente lançamento que ele organizou atraiu apenas um punhado de potenciais compradores.
Os dias milagrosos acabaram na China, a segunda maior economia mundial. Uma limpeza está em curso, seguindo uma festa econômica de proporções épicas que aumentou a renda, mas deixou para trás dívida, corrupção e efeitos nefastos no meio ambiente.
Após três décadas de uma média de crescimento econômico em torno de 10%, muitas indústrias estão experimentando menos dias de glória e mais estagnação.
O ímpeto perdido ficou evidente ontem. O crescimento no produto interno bruto desacelerou para 7,7% no primeiro trimestre na comparação anual, inferior ao 7,9% registrado no último trimestre do ano passado, segundo o Instituto Nacional de Estatística da China.
O crescimento das vendas no varejo recuou para 12,6% no mês passado na comparação anual, abaixo dos 15,2% registrados no fim de 2012. A produção industrial também perdeu o brilho em março, numa prova de que a recuperação vista no fim de 2012 pode estar perdendo fôlego.
A China continua a ser uma das economias do mundo que cresce mais rápido, mas ela enfrenta uma dolorosa desaceleração no crescimento anual, que atingiu o pico de 14,2% em 2007. Dois motores confiáveis do crescimento - a demanda pelos produtos chineses no exterior e investimentos acelerados no mercado doméstico - têm avançado mais lentamente desde então.
Pouco antes de se tornar presidente, Xi Jinping definiu o tom para a redução do ritmo com ações que pareciam equiparar indulgência com corrupção. Durante uma visita à província de Hubei, ele decidiu não desfrutar os benefícios do cargo e se hospedou em um hotel de pequeno porte. O menu de uma de suas refeições era composto apenas de quatro pratos e uma sopa.
A humildade de Xi teve o efeito de um cânone religioso. Para evitar parecerem corruptos, autoridades de baixo escalão de repente passaram a evitar hotéis cinco estrelas, assim como iguarias exóticas e caras como sopa de ninho de passarinho e até frutas, segundo gerentes de restaurantes e hotéis.
Uma tolerância menor com relação às extravagâncias de altos funcionários do governo "pode ser o principal fator" do crescimento menor no trimestre, de acordo com Lu Ting, economista para a China do Bank of America Merrill Lynch, já que 10 milhões deles possuem cartões de crédito emitidos pelo governo que, na média, têm gastos anuais de US$ 5.800, e juntos somam US$ 58 bilhões, de acordo com a empresa de pesquisa Emerging Asi a Group, de Xangai.
Um indicador do aperto foi a queda de 94% no preço de um peixe amarelo chamado dao yu, ou peixe-faca. Dois anos atrás, essa iguaria do rio Yangtze era vendida no atacado por mais de US$ 220 a unidade. Ele agora custa US$ 13.
A nova onda de austeridade também está desaquecendo os mercados de arte, bebida, entretenimento e vestuário.
Quando o designer italiano Giorgio Armani inaugurou sua principal loja na China, em 2004, ele exaltou Xangai como sendo "a cidade mais comentada do mundo". Antes de fechar recentemente a loja, às margens do rio Bund, Armani disse à revista de moda "Women's Wear Daily" que se tratava de uma "área que mudou", ficando menos atraente para os consumidores.
Uma grande tendência para o luxo no país ainda gira em torno dos produtos da Louis Vuitton e Hermès, mas eles estão sendo vendidos em segunda mão por pessoas precisando de dinheiro.
O humor azedado se manifesta também na arte chinesa. Os retratos grandes e brilhantes do pintor Fang Lijun caracterizavam antes uma era de frivolidade. Agora, o que está em voga são as telas de pintores como Wang Taocheng, cujos desenhos mostram vizinhos brigando por dinheiro.
A campanha de frugalidade surge em meio a um amplo reconhecimento de que será difícil a China repetir tamanha escala de expansão econômica. A produção total de bens e serviços na China no ano passado foi quase nove vezes maior que em 1990.
Em pouco menos de dez anos, as construturas na capital comercial do país, Xangai, construíram cerca de 240 milhões de metros quadrados de espaço residencial, o equivalente a quatro vezes a ilha de Manhatana. Os preços médios aumentaram em 3,6 vezes, segundo a empresa que faz avaliação de imóveis Shanghai Urban Real Estate Surveyors-Appraisal Co.
"Esses são tempos complicados", diz o construtor Sun em relação à cautela dos compradores.
No início de maio, a empresa de Sun, a Shanghai Jingsheng Real Estate Development Co., fez o lançamento da Aromatic Villa, um novo condomínio fechado, com alguns imóveis com elevadores privados, adegas e fontes. Os preços iam de US$ 1,2 milhão a US$ 2,2 milhões. O interesse de compradores foi fraco.
A China deve reduzir seu crescimento anual para 8% a 8,5% nos próximos anos, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional. Outros economistas consideram a previsão muito alta. Eles alertam que a China está emprestando muito para sustentar o crescimento e se arriscando a criar uma bolha de crédito.
O crescimento fraco no primeiro trimestre ocorreu apesar de empréstimos recordes concedidos por empresas de financiamento, que somaram 6,1 trilhões de yuans, o equivalente a US$ 1 trilhão. Mais crédito, mas crescimento mais lento sugere que o dinheiro novo está gerando menos benefício econômico.
O setor de manufatura da China está pagando salários mais altos à medida que o número de trabalhadores rurais diminui e empregados lutam por seus direitos, o que reduz a vantagem competitiva que inicialmente alimentou muitas empresas. No primeiro trimestre de 2013, os salários para os trabalhadores migrantes subiu 12,1% ante o ano anterior, superando a taxa de crescimento da economia.
Pequim espera que o aumento da renda familiar gere mais consumo para tornar a economia menos dependente dos investimentos e das exportações. O consumo contribuiu 4,3 pontos percentuais para o crescimento da China no primeiro trimestre, em comparação com 2,3 pontos percentuais de investimento, disse Sheng Laiyun, porta-voz do Escritório Nacional de Estatísticas. "Agora podemos dizer o consumo tornou-se o principal motor de crescimento", disse ele.

O cabo de guerra e a manobra do juro







Por Antonio Delfim Netto - Valor 16/04
 
A atitude cautelosa do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tem gerado ferozes críticas por parte do mercado financeiro. Elas vão desde: 1) a suposta leniência com o combate à inflação, que derivaria da crença ideológica (severamente rejeitada por toda a experiência histórica) de que "um pouco mais de inflação estimula um pouco mais de crescimento"; 2) passa pela crença de que o governo que estimulou, e se empenhou politicamente na baixa da taxa real de juros, não aceitaria o seu aumento, mesmo quando fosse a solução recomendável, devido à impopularidade que provocaria; e 3) termina numa dúvida moral sobre a autoridade monetária, que não teria autonomia para manobrar o seu único instrumento de ação horizontal: a taxa de juro real. Nenhuma delas faz sentido.
A crítica de que há leniência com a inflação por motivos ideológicos é, ela mesma, "ideológica". Apoia-se em velhas crenças, incorporadas aos programas do PT e do PDT, quando eles não haviam amadurecido. Na verdade, o que ela revela é a compreensão que a inflação brasileira tem causas mais complexas e a sua solução não pode ser reduzida à fórmula simples de aumentar a taxa de juro real.
O governo sabe que o namoro inflacionário duradouro com a banda superior da meta (5,8% nos oito anos de governo Lula e 6,2% nos dois anos do governo Dilma) é um convite à sua persistência. Isso deteriora as expectativas e reintroduz a incerteza na fixação dos salários. Com a dramática experiência inflacionária que temos escondida em nosso subconsciente, todos sabemos que isso acabará levando à indexação ainda maior da nossa economia. E sabemos, também, como isso termina...

A segunda crítica faz pouco da inteligência do governo. Quando as condições objetivas mudam, a política muda. Da mesma forma como foi correto reduzir a taxa de juro real absurda, à qual sobrevivemos durante as últimas décadas por equívocos da política monetária, será correto, se o Copom achar necessário, elevá-la com a mesma moderação que usam todos os países.
Antes de prosseguir permita-me recusar o terceiro argumento. Ele é ridículo. Faz uma imensa injustiça a um economista altamente qualificado, o ministro Tombini. Basta olhar para sua tranquila firmeza, para a sua formação acadêmica e a sua história como pesquisador, para entender que não é "pessoa para fazer o que mandam".
O que existe mesmo entre a autoridade monetária e os seus críticos, principalmente os economistas mais ligados ao sistema financeiro, é uma percepção diferente da realidade nacional e das incertezas que a cercam. Essa diferença cognitiva não significa uma diferença "científica", se é que se pode dar tal realeza às visões diferentes da relação relativamente tênue, mesmo no curto prazo (e inexistente no longo), entre a variação da taxa de inflação e a variação do nível de desemprego. A autoridade monetária estaria tecnicamente inferiorizada diante dos bem apetrechados profissionais que assessoram as finanças privadas.
Com relação à qualidade do conhecimento, experiência e sutilezas de funcionamento desse mercado fugidio, que é o financeiro, nem nossos mais sofisticados economistas daquele setor, ou da academia, podem competir com as informações armazenadas nas cabeças dos profissionais que habitam o Departamento de Estudos e Pesquisa (Depep) do Banco Central. Quem tiver alguma dúvida, deve comparar a "ciência" das assessorias financeiras privadas e da academia, com a "ciência" do Depep, revelada, por exemplo, no "Using a DSGE Model to Assess The Macroeconomics Effects of Reserve Requirements in Brazil" (Working Paper Series - 303, Jan., 2013), dos competentes economistas Waldyr Areosa e Christiano Coelho.
Ele explora as diferenças das respostas das variáveis macroeconômicas das manobras nas reservas bancárias e na taxa de juros utilizando um "Dynamic Stochastic General Equilibrium Model" (DSGE). E conclui que uma redução da relação de reserva tem o mesmo efeito qualitativo de uma redução da taxa de juros do Banco Central, ainda que seu efeito quantitativo seja menor, como era mesmo de esperar.
É preciso reconhecer que uma taxa de inflação anual de 5,9% nos últimos dez anos (30% sistematicamente acima da meta) já deveria ter mobilizado governo e sociedade para reduzi-la. A taxa de inflação é o radiador que dissipa o calor produzido pelos atritos no funcionamento dos mercados. E 4,5% é seguramente maior do que os 2,5% a 3,5% que parecem estabilizar as expectativas e fazê-los funcionar razoavelmente bem, na grande maioria dos países.
É mais do que óbvio, entretanto, que produzir esse resultado está fora do alcance da política monetária. Ele será consequência de uma política social e econômica, que tenha por objetivo continuar a manter a inclusão social com o suporte de medidas que reforcem as instituições e produzam mudanças estruturais, que estimulem a competição e reduzam os atritos.
Acreditamos que a visão do Banco Central tem tanta consistência quanto a do "mercado", o que recomenda sua cautela na manipulação da taxa de juros real. Até agora, a visão do primeiro tem se revelado a mais ajustada à nossa realidade e mais antenada com a situação da economia mundial. Se o que o Copom previu para o futuro próximo não se realizar - e a realidade mostrar a necessidade de uma manobra que sancione o aumento da taxa de juro real -Tombini a fará com a mesma tranquilidade e autonomia com que tem recomendado a "cautela". Quem viver, verá.


O mercado de trabalho e a inflação

Estamos assistindo a um duro cabo de guerra entre a pretensiosa "ciência" de que se supõem portadores alguns economistas do sistema financeiro, e o humilde e sólido conhecimento da autoridade monetária, que se apoia no mais sofisticado departamento econômico do país. Trata-se de saber como e, quando, deve ser ajustada a política monetária diante das incertezas internas e externas enfrentadas pelos agentes econômicos. Não apenas os financeiros, mas também os produtores de bens e serviços.
No mundo "financeiro", a crença é que a autoridade monetária já está atrasada no aumento da taxa de juros real que induziria à melhora das expectativas e facilitaria a convergência da taxa de inflação à meta de 4,5%. No mundo "real" dos produtores de parafusos, que constroem o PIB e dão emprego, há sérias e justificadas dúvidas, no que têm sido acompanhados pela autoridade monetária. Essa tem recomendado paciência e "cautela", enquanto procura ter uma visão melhor das incertezas, o que lhe dará conforto para agir diante dos prováveis custos sociais da medida.
A justificada cautela tem sido, infelizmente, confundida como leniência do Banco Central no combate ao processo inflacionário e, o que é pior, como uma possível falta de apoio político para fazer o que crê deva ser feito. Duas hipóteses falsas como se verá, se for o caso.


Uma leitura mais atenta do último Relatório de Inflação (março 2013) mostra que o Banco Central tem uma visão mais complexa do nosso processo inflacionário, e sabe que o seu controle efetivo e definitivo está fora do seu alcance, sem o apoio de sólida política fiscal e aprovação pelo Congresso de medidas que aperfeiçoem as instituições e deem suporte: 1) à superação dos mecanismos protetores de grupos privados com poder de mercado maior do que o razoável; e 2) promovam a redução dos benefícios exagerados de que se apropriaram os servidores públicos que controlam Brasília.
É preciso reconhecer que nos últimos 14 anos a taxa média de inflação anual foi de 6,36%, namorando com o seu limite superior. O fato curioso é que inflação tão alta durante tanto tempo foi bem suportada pelo setor financeiro enquanto a taxa de juro real anual era de 7% ou 8%. Agora, com a taxa de juro real de 2%, ela parece insuportável...
A verdade é que o magnífico plano de estabilização que criou o real nunca entregou o que prometeu: uma inflação civilizada e estável, entre 2% e 3% ao ano, e a recuperação de um crescimento mais robusto de 5% a 6%. O culpado, obviamente, não foi o plano. Foi a indisposição dos sucessivos governos de prosseguirem a sua execução. A estabilização foi vítima do seu imenso sucesso inicial...
Não é razoável continuar a aceitar pacificamente aquela inflação, ainda mais quando acompanhada de um crescimento médio do PIB da ordem de 2,97%. É bom que tenhamos despertado e que se aprofunde a discussão de como reduzi-la, ao mesmo tempo em que se aumenta o crescimento. Isso está longe de ser conseguido apenas pela manipulação da taxa de juros real e o governo reconhece isso. Seus programas - que no curto prazo têm produzido algum ruído - quando maturarem, em dois ou três anos, produzirão importante efeitos estruturais e um aumento da competitividade.
A consciência da autoridade monetária sobre a complexidade do nosso problema inflacionário é claramente revelada em um apêndice dentro do Relatório, onde se exploram "evidências sobre a relação entre salário e inflação no Brasil". O trabalho é muito interessante, porque é modelado como uma espécie de curva de Phillips (que sugere a relação entre taxa de inflação e taxa de desemprego) expandida, usando inúmeras variáveis de controle (simulação de choques de oferta, preços externos de commodities, taxa de desemprego, componente cíclica da taxa de juros e do salário mínimo real ajustado pela produtividade), além de manipular outros modelos. Suas conclusões são as seguintes:
1) reajustes salariais acima dos ganhos de produtividade tendem a gerar pressões inflacionárias. Em outras palavras: se desejamos reduzir a inflação sem aumentar o desemprego, é preciso moderar os aumentos salariais aos da produtividade do trabalho;
2) não é possível descartar a hipótese de que a inflação, potencialmente, retroalimenta a dinâmica dos salários por meio de mecanismos normais e informais de indexação (ainda que, aparentemente, não se tenha feito um teste da direção de causalidade);
3) os aumentos salariais incompatíveis com a reposição da inflação e com o crescimento do PIB per capita têm impacto significativo e persistente nas medidas de inflação, particularmente no setor de serviços; e
4) a propagação das pressões inflacionárias oriundas do mercado de trabalho depende da postura da política monetária. Em outros termos, esta deve impedir, pelo aumento da taxa de juro real, a criação de um viés inflacionário.
Nada muito diferente das conclusões clássicas (vide Ghali,K.H. - "Wage Growth and the Inflation Process", Journal of Money, Credit and Banking, 31(3) 1999: 417-431): 1) os preços são fixados como uma margem ("mark up") sobre os custos salariais ajustados pela produtividade do trabalho; e 2) a relação de causalidade vai em uma única direção, de salários para preços.
É tempo, portanto, de flexibilizarmos o mercado de trabalho, sem violar os direitos constitucionais dos trabalhadores, se quisermos, realmente, ter no longo prazo, uma taxa de inflação civilizada e um crescimento mais robusto.


quarta-feira, 3 de abril de 2013

Por que a China pode desacelerar

 

Por Martin Wolf - Valor 03/04
 
Nos próximos dez anos, o crescimento da China vai desacelerar, provavelmente de forma acentuada. E isso não é opinião de forasteiros malignos. É opinião do governo chinês. A interrogação é se isso acontecerá de maneira suave ou abrupta. Dessa resposta depende não apenas o futuro da própria China como o de boa parte do mundo.
O pensamento oficial chinês foi revelado no Fórum de Desenvolvimento da China realizado no mês passado e organizado pelo Centro de Pesquisa em Desenvolvimento do Conselho de Estado. Entre os estudos que subsidiaram o encontro havia um preparado por economistas do centro, intitulado "Perspectiva de dez anos: queda da taxa de crescimento potencial e início de uma nova fase de crescimento". Sua premissa é a de que o crescimento da China vai desacelerar a partir dos mais de 10% ao ano de 2000 a 2010 para 6,5% entre 2018 e 2022. Uma queda dessas proporções é coerente com a desaceleração observada desde o segundo trimestre de 2010.
Os autores destacam dois possíveis motivos para o recuo: ou a China caiu na "armadilha da renda média" da industrialização abortada ou está realizando o "pouso natural" que ocorre quando uma economia começa a alcançar as economias avançadas. Este último cenário ocorreu no Japão na década de 1970 e na Coreia do Sul na década de 1990. O argumento do centro de pesquisa é que, após 35 anos de crescimento de 10%, o fenômeno finalmente acontecerá na China.


O potencial para investimentos em infraestrutura "contraiu ostensivamente", com sua participação nos investimentos em ativos fixos tendo caído de 30% para 20% nos últimos dez anos. Em segundo lugar, os retornos sobre os ativos recuaram e o excedente de capacidade disparou. A "relação capital e produção adicional" - um indicador do crescimento gerado por determinado nível de investimento - alcançou 4,6 em 2011, o mais elevado desde 1992. A China tem tido menor eficiência do capital, ou menor retorno marginal do investimento. Em terceiro lugar, o crescimento da oferta de mão de obra caiu significativamente. Em quarto lugar, a urbanização ainda está em expansão, mas a um ritmo cada vez mais desacelerado. Finalmente, crescem os riscos no financiamento a governos regionais e ao setor imobiliário.
Essa combinação de motivos é suficiente, argumentam os autores, para indicar que teve início uma transição para um crescimento mais lento. Para analisar as perspectivas com maior rigor, os autores empregam um modelo econômico. O resultado mais impressionante a que chegam é a reversão de tendências há muito arraigadas. O investimento fixo aumentou para 49% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011. Mas a previsão agora é de que vai cair para 42% em 2022. Por seu lado, a participação do consumo no PIB deverá se elevar de 48% para 56% em 2022. Mais uma vez, a contribuição da indústria cairá, segundo o prognóstico, de 45% para 40% do PIB, enquanto a parcela devida aos serviços saltará de 45% para 55%. A economia será puxada pelo consumo, em vez dos investimentos. Na ponta da oferta, o principal impulsionador da queda do crescimento será o colapso do aumento do estoque de capital, em vista da menor expansão do investimento.
A tese de que uma desaceleração do crescimento dessa magnitude é iminente é bastante plausível. Mas pode-se contrapor um ponto de vista mais otimista. Segundo dados do centro privado de análise e pesquisa americano Conference Board, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita da China (por paridade do poder de compra) é o mesmo que o vigente no Japão em 1966 e na Coreia do Sul em 1988. Esses países tinham na época entre sete e nove anos de crescimento superacelerado pela frente, respectivamente. Em relação aos níveis vigentes nos EUA (outro indicador do potencial de encurtamento de distância em relação às economias avançadas), a China está onde o Japão estava em 1950 e a Coreia do Sul em 1982. Isso sugere um potencial de crescimento ainda maior. O PIB per capita da China equivale a pouco mais de 20% dos níveis dos EUA.


Há também, no entanto, argumentos contra essa visão otimista. A China é uma ordem de grandeza maior até que o Japão. Suas oportunidades, especialmente na economia mundial, devem ser relativamente menores. Além disso, como afirmou frequentemente o ex-premiê Wen Jiabao, o crescimento tem sido "desequilibrado, descoordenado e insustentável". Isso é verdadeiro, sob uma série de aspectos. Mas o mais significativo é a dependência dos investimentos, não apenas como fonte de capacidade adicional, mas como fonte de demanda. Taxas de investimento sistematicamente crescentes não são sustentáveis, uma vez que os retornos dependem, em última instância, de consumo adicional.
É aí que desponta um ponto de vista muito mais pessimista. Como demonstrou a experiência do Japão, administrar uma guinada a partir de uma economia de alto investimento e alto crescimento para uma economia de investimento e crescimento mais baixos é tarefa muito espinhosa. Posso vislumbrar pelo menos três riscos.
Em primeiro lugar, se o crescimento previsto cair de mais de 10 para, digamos, 6%, a taxa de investimento de capital produtivo necessária vai despencar: sob um índice constante de eficiência de capital, a queda será de 50% para, digamos, 30% do PIB. Se for rápido, um declínio dessas proporções levará, por si só, a uma depressão.
Em segundo lugar, um grande salto do crédito andou de mãos dadas com a dependência de imóveis e outros investimentos de retorno marginal decrescente. Em parte por esse motivo, a redução do crescimento tende a implicar uma elevação das dívidas não quitadas, especialmente sobre os investimentos feitos na suposição de que o crescimento do passado prosseguiria. A fragilidade do sistema financeiro poderá aumentar de forma muito significativa.
Em terceiro lugar, já que há poucos motivos para prever uma queda na taxa de poupança das famílias, sustentar a vislumbrada alta do consumo, em relação ao investimento, exige uma mudança de direção correspondente da renda em direção às famílias e afastando-se das empresas, entre as quais as estatais. Isso pode acontecer: a crescente escassez de mão de obra e uma mudança rumo a taxas de juros mais elevadas pode gerar esse fenômeno sem grandes percalços. Mas, mesmo assim, há também o claro risco de que a queda resultante dos lucros possa acelerar o colapso dos investimentos.
O plano do governo, naturalmente, é promover suavemente a transição para uma economia mais equilibrada e de crescimento mais lento. Isso está longe de ser impossível. O governo dispõe de todos os instrumentos de que precisa. Além disso, a economia continua tendo muito potencial. Mas administrar a queda da taxa de crescimento sem um colapso do investimento e uma turbulência financeira é muito mais difícil do que sugere qualquer modelo de equilíbrio geral.
É fácil pensar em economias que há muito mostravam um desempenho superlativo mas não conseguiram gerir a inevitável desaceleração. O Japão é um exemplo. A China pode evitar esse destino, em parte por ter ainda tamanho potencial de crescimento. Mas a probabilidade de ocorrerem acidentes é alta. Eu não esperaria que a ascensão da China parasse completamente. Mas o próximo período de dez anos pode ser muito mais turbulento do que o último. (Tradução de Rachel Warszawski)

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.




 

 

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Amar or bancos, odiar os banqueiros


Por Raghuram Rajan - Valor 01/04

O discurso público é raramente matizado. A atenção do público é breve e sutilezas tendem a confundi-lo. É melhor assumir uma posição clara, ainda que incorreta, pois, assim, ao menos a mensagem é transmitida. Quanto mais nítida e estridente for, mais provavelmente captará a atenção do público, mais será repercutida e dará contorno mais nítido ao debate.
Consideremos, por exemplo, o debate sobre regulamentação bancária. Os banqueiros são amplamente criticados. Contudo, a atividade bancária é também bastante hermética. Assim, qualquer crítico dotado de peso intelectual capaz de dissipar a cortina de fumaça que os banqueiros projetam em torno de suas atividades e conseguem retratar os banqueiros como, a um só tempo, incompetentes e mal intencionados, encontra uma plateia disponível. A proposta de que os bancos precisam ser reduzidos a uma dimensão apropriada tem grande repercussão.
Os banqueiros podem, naturalmente, ignorar seus críticos e a opinião pública, e usar seu dinheiro para exercer pressão nos lugares certos para conservar seus privilégios. Mas, de vez em quando, um banqueiro, cansado de ser retratado como um interesseiro antissocial, contra-ataca. Ele (geralmente homem) adverte o público para o fato de que uma regulamentação bancária até mesmo moderada produzirá o fim da civilização como a conhecemos. E assim a estridência continua - e a opinião pública continua ignorante.


Um exemplo mais específico é esclarecedor. Um número significativo de bancos operou em níveis muito elevados de alavancagem antes da recente crise, com taxas endividamento sobre o capital próprio de 30 para 1 (ou superiores), em alguns casos, e com grande parte da dívida vencendo em prazo muito curto. Pode-se razoavelmente concluir que os bancos operavam com muito pouco capital próprio e muito pouca segurança, e que uma reação regulamentar razoável seria exigir que os bancos fossem mais capitalizados.
Mas é nesse ponto que o consenso sai de cena. Os críticos querem que os bancos operem com alavancagem muito menor, especialmente no tocante a empréstimos de curto prazo; com efeito, alguns desejam que os bancos mantenham-se integralmente capitalizados para que o sistema torne-se seguro. Os banqueiros retrucam que precisam pagar um retorno maior sobre quaisquer ampliações adicionais de participação acionária que promovam, de modo que a emissão de mais dívida elevaria seu custo de capital, obrigando-os a elevar os juros cobrados nos empréstimos que concedem, o que reduziria a atividade econômica.
Nenhum dos campos está certo em seus argumentos públicos. Os banqueiros não parecem ter internalizado um axioma fundamental das finanças modernas: o risco emana dos ativos em poder de um banco. De acordo com o teorema de Modigliani-Miller, a combinação de dívida e capital próprio que o banco usa para financiar seus ativos não altera o custo médio de financiamento.
Se usar mais dívida "barata", seu capital próprio torna-se mais arriscado e mais caro, o que manterá os custos gerais de financiamento os mesmos. Se usar mais capital próprio, o capital resultará menos alavancado e menos arriscado, fazendo com que os investidores exijam retornos mais baixos para a ele se exporem, e, novamente, o custo financeiro total permanecerá o mesmo. Dito de outra forma, dado um conjunto de fluxos de caixa gerado pelos ativos de um banco, o valor da instituição não será afetado pela forma como esses fluxos de caixa são distribuídos entre os investidores, de modo que maior alavancagem não reduzirá o custo de financiamento do capital.
Se o argumento público dos banqueiros está incorreto (e eles devem estar conscientes disso), por que preferem tomar empréstimos de curto prazo, em vez de obter financiamento de capital a longo prazo? Os críticos diriam que é por causa do regime tributário preferencial admitido para quem assume dívida ou porque os bancos são grandes demais para que se permita sua falência.
Se o argumento público dos banqueiros está incorreto (e eles devem estar conscientes disso), por que preferem tomar empréstimos de curto prazo, em vez de obter financiamento de capital a longo prazo? Os críticos diriam que é por causa do regime tributário preferencial admitido para quem assume dívida ou porque os bancos são grandes demais para que se permita sua falência.
Mas esses argumentos não resistem a uma análise criteriosa. Se a isenção tributária do rendimento de juros tornasse a dívida atraente, então os banqueiros deveriam mostrar-se indiferentes à distinção entre dívida de longo prazo e dívida de curto prazo. No entanto, eles parecem preferir endividamento de curto prazo.
De modo similar, os bancos grande demais para que governos admitam suas falências não se preocupariam com o risco de colapso associado ao financiamento via endividamento. Mas, de novo, não é claro por que eles prefeririam endividamento de curto prazo. Afinal, se os banqueiros estivessem tentando se beneficiar, não seria o caso de emitirem dívida de longo prazo, para a qual o risco de inadimplência, e o ganho decorrente da garantia governamental implícita, é elevado? Além disso, por que os bancos pequenos, que não têm apoio implícito dos governos, também são tão alavancados?
Os argumentos dos críticos no que diz respeito às vantagens do (emprego de) capital próprio são igualmente insatisfatórios. Evidentemente, dado um conjunto de ativos de um banco, mais capital próprio reduziria o risco de colapso bancário. Mas um colapso nem sempre é algo ruim; um banqueiro que operasse um banco integralmente capitalizado, nunca sujeito à obrigação de honrar seus compromissos para com os investidores, teria maior probabilidade de assumir riscos injustificados. A necessidade de honrar ou rolar dívida impõe disciplina, criando, para os banqueiros, incentivos mais fortes no sentido de administrar os riscos com cuidado.
Quando o Washington Mutual faliu em 2008 após uma onda descontrolada de concessão de empréstimos (foi a maior falência de um banco na história americana), isso não ocorreu porque os acionistas decidiram fechar o banco, mas porque os correntistas deixaram de confiar nele. Quanto mais valor os gestores do Washington Mutual teriam destruído se o banco fosse integralmente capitalizado?
Em suma, trata-se de um dilema a ser balanceado. Demasiada dívida de curto prazo torna os bancos mais propensos a falir, ao passo que uma capitalização excessiva impõe muito pouca limitação à capacidade de os banqueiros destruírem valor. A verdade está em algum ponto intermediário entre as posições dos atuais críticos estridentes e dos banqueiros indignados, e essa pode ser a razão pela qual bancos moderadamente alavancados têm sido uma característica das economias ocidentais há mil anos. Não podemos permitir que nossa aversão aos banqueiros venha a destruir os bancos. (Tradução de Sergio Blum)

Raghuram Rajan é professor de Finanças na Booth School of Business, da Universidade de Chicago, e principal assessor econômico do Ministério das Finanças da Índia. É autor de "Fault lines: how hidden fractures still threaten the world economy" (Linhas de fratura: como falhas ocultas ainda ameaçam a economia mundial).