Segundo alguns psicólogos, a individualidade surge de limitações que visam promover o convívio social.
Num meio social saudável, o indivíduo seria disciplinado, limitaria desejos, negociaria e adquiriria um status interno de equilíbrio comportamental com o meio, o que chamaríamos de educação. Por ser um contato com o meio externo, esta educação é constantemente construída sobre crítica e autocríticas.. Conceitos vêm e vão sendo adaptados pelos desafios de um meio externo complexo..
Num meio social mais fechado em si mesmo, tal como por exemplo numa "instituições total" definido pelo sociólogo Erving Goffman sobre estudos em manicômios, abaixo descrito, a individualidade seria uma ferramenta de protesto contra a invasão do social sobre o seu espaço.
Seria uma tentativa de auto-afirmação, de resgate da dignidade perante um meio maior e mais forte e intimidador, onde a educação passaria a ser ferramenta de controle sobre o indivíduo ao invés de contrução deste.. Ou seja a individualidade neste caso seria formada por outros meios e o contato com a realidade seria controlado, como em ratos em laboratório..
O interessante neste caso seria que temos dois grupos sociais, os dos dirigentes que mantém contato com o meio social fora do manicômio, e o grupo social dos internos, isolados do resto e cujo único contato externo seria através dos filtros dos dirigentes. Estes dirigentes definiriam "o que é a realidade" e o que é "a heresia"..
Por isto achei interessante o tema "instituição total", apesar de restrito a manicômios, prisões e conventos, pois afeta em muito o estudo de outras instituições e mesmo governos, pois nestes últimos temos também esta fronteira entre as demandas impostas pelo "social maior" e a tentativa de delimitação de limites por parte do "indivíduo menor", que muitas vezes abraça a causa individualista por protesto..
Algumas fontes para quem tiver interesse: (no google basta colocar "Erving Goffman instituição total"):
http://www.infopedia.pt/$instituicao-total
http://gesflup.blogspot.com/2010/02/manicomios-prisoes-e-conventos-erving.html
Resumo "ctrl+c" e "ctrl+v" sobre o próprio texto:
"Segundo Goffman a sua obra Manicomios, Prisões e Conventos, é o resultado de uma pesquisa de três anos de estudos de comportamentos em enfermarias dos Institutos Nacionais do Centro Clínico de Saúde, dos quais, um ano foi dedicado a um trabalho de campo no Hospital Elizabeths, em Washington, nos Estados Unidos.
O objectivo da pesquisa foi conhecer e peceber o mundo vivênciado e percepcionado pelos internados em instituições totais.
"Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada” Goffman (2003, p.11):.
O interesse fundamental de Goffman é chegar a uma versão sociológica da estrutura do eu. O autor afirma que o trabalho não sofreu influências ou restrições capazes de limitar a liberdade do pesquisador.
“Manicómios, Prisões e Conventos”
A obra trata de instituições totais de modo geral e foca o mundo do internado e não ao mundo do pessoal dirigente e está dividida em quatro ensaios:
1) "As características das Instituições Totais", analisa a vida em instituições totais, trabalhando com dois exemplos – hospitais para doentes mentais e prisões.
2) "A carreira moral do doente mental", são considerados os efeitos iniciais da institucionalização nas relações sociais que o indivíduo tinha antes de ser internado.
3) "A vida íntima de uma instituição pública", que se refere à ligação que o interno manifesta relativamente à sua cela e, a forma como os internados possam manter uma dada distancia entre si.
4) "O modelo médico e a hospitalização de doentes mentais", que reporta a uma chamada de atenção às equipes especializadas, para considerarem a perspectiva médica na apresentação, ao internado, dos fatos relativos à sua situação.
O autor foca-se, essencialmente, no carácter FECHADO destas instituições, que pelas suas características e modo de funcionar não PERMITEM QUALQUER CONTATO entre o internado e o mundo exterior, até porque o objetivo é excluí-lo completamente do mundo social de origem, de modo que o internado assimile totalmente as regras internas, EVITANDO COMPARAÇÕES, prejudiciais ao seu processo de "aprendizagem". Estas instituições podem ser divididas em cinco grupos:
- instituições criadas para cuidar das pessoas que, são incapazes e inofensivas; neste caso estão as diferentes instituições para cegos, velhos, órfãos e indigentes.
- instituições onde há locais estabelecidos para cuidar de pessoas consideradas incapazes de cuidar de si mesmas e que são também uma ameaça à comunidade, embora de maneira não intencional; sanatórios para tuberculosos, hospitais para doentes mentais etc.
- instituições organizados para proteger a comunidade contra perigos intencionais; cadeias, penitenciárias, campos de prisioneiros de guerra, campos de concentração.
- instituições estabelecidas com a intenção de realizar de modo mais adequado alguma tarefa de trabalho, e que se justificam apenas através de tais fundamentos instrumentais: quartéis, navios, escolas internas, campos de trabalho, colónias etc.
- os estabelecimentos destinados a servir de refúgio do mundo, embora muitas vezes sirvam também como locais de instrução para os religiosos; entre exemplos de tais instituições, é possível citar abadias, mosteiros, conventos e outros claustros (Goffman 2003, p. 16-17).
No interior das instituições habitam não apenas as equipes dirigentes, mas, também os internados, os prisioneiros, os que optam por uma vida solitária. Na passagem de uma vida no exterior para uma vida de confinamento espacial e social, o indivíduo passa por processos de modificação. Em qualquer dos casos, seja a institucionalização forçada do sujeito ou seja por sua iniciativa, inicia-se um processo de mortificação do eu inicial do sujeito, pelas concessões de adaptação às novas regras institucionais.
“Na linguagem exata de alguma de nossas mais antigas instituições totais, começa a uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado “. (Goffman, 2003, p.24)”.O indivíduo é despido da sua personalidade real e a personalidade que lhe é induzida, não só pela instituição como por toda a sociedade. Goffman analisa ainda a questão do tempo vivido no interior da instituição, nomeadamente a organização do tempo dos internados ou prisioneiros, segundo atividades programadas milimetricamente, cuja função, para além de disciplinar os sujeitos, os inibe em termos de desenvolvimento pessoal.
O indivíduo “começa a passar por algumas mudanças radicais na sua carreira moral, uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a seu respeito e a respeito dos outros que são significativos para ele. Os processos pelos quais o eu da pessoa é mortificado são relativamente padronizados nas instituições totais”.(Goffman, 2003, p.24).
A mortificação do eu, é a tensão entre o mundo doméstico e o mundo institucional: O primeiro processo de ‘mortificação do eu’ é a barreira posta pela instituição entre o interno e o mundo exterior. Uma ‘morte civil’, em cujos processos de admissão tenta-se obter a história de vida, partindo de um interrogatório do interno. A lógica da obediência e castigo compõe os processos de admissão como formas de iniciação.
O segundo processo de ‘mortificação’ designa-se por mutação do eu: perda do nome, separação das posses, dos seus bens (deformação pessoal); maus tratos, marcas (desfiguração pessoal); violação do território do eu, invasão das fronteiras entre o ser dos indivíduos e o ambiente (exposição contaminadora). A violação é um modelo de contaminação interpessoal, o exame e o examinador violam o território do eu.
Para suavizar essas mortificações – os sistemas de privilégios. Há três elementos deste sistema:
a) as regras da casa;
b) a obediência a essas regras;
c) premios e privilégios a quem obedece a essas regras. “A construção de um mundo em torno desses privilégios secundários é talvez o aspecto mais importante da cultura dos internados,(…)” (Goffman, 2003, p.51).
Nas instituições totais dos três tipos estudadas por Goffman, as justificações para a mortificação do “eu”, são segundo Goffman, “simples racionalizações, criadas por esforços para controlar a vida diária de grande número de pessoas em espaço restrito e com pouco gasto de recursos. Além disso, as mutilações do eu ocorrem nos três tipos, mesmo quando o internado está cooperando e a direção tem interesses ideais pelo seu bem estar.” (Goffman, 2003, p.24).
O sistema de privilégios e os processos de mortificação são as condições a que o internado se tem de adaptar, o mesmo internado poderá empregar diferentes táticas de adaptação nas diferentes fases da sua carreira moral, poderá também alternar entre diferentes tácticas ao mesmo tempo. Essas tácticas representam coerência de comportamentos, mas segundo o autor poucos são os internados que as seguem por muito tempo, preferindo a maioria o caminho designado por “ se virar”. Adotando uma combinação de ajustamentos secundários, como conversão, colonização, e lealdade ao grupo de internados, de forma a obter a possibilidade máxima de não sofrer física ou psicológicamente.
Nesta obra, Goffman conclui que muitas instituições totais, parecem funcionar apenas como depósito de internados, embora sejam vistas pelo público como organizações racionais, com planeamento e eficazes nos seus objetivos, estaremos assim perante um faz de conta, entre o que parece e o que na verdade é e se faz, este será o contexto básico do trabalho da equipe dirigente sendo certo que encontram diferentes contigências que a instituição tem de enfrentar e que a torna menos ineficiente. É reconhecido que as instituições ficam muitas vezes longe dos seus objectivos oficiais. Em relação à carreira moral, “ Cada carreira moral, e, atrás desta, cada eu, se desenvolvem dentro dos limites de um sistema institucional,(…) Neste sentido o eu não é uma propriedade da pessoa a que é atribuído, mas reside no padrão de controle social que é exercido pela pessoa e por aqueles que a cercam”. (Goffman, 2003, p. 142).
Goffman, para desenvolver a sua análise vai apropriar-se de conceitos introduzidos por Mead: I – O “eu” espontâneo; Me – o “eu” socializado o autor centra-se, fundamentalmente, no “eu” socializado e as interacções do co-presença física, para tal, previlegia a observação “in loco” de modo a analisar os elementos quer físicos quer expressivos. Temos, deste modo, um estudo ao “nível micro”, em que o investigador interage no mesmo espaço onde estão os seus objetos de observação. Isto porque, segundo Goffman, é nestas interacções face a face, que vemos como os indivíduos representam o seu “eu”.
“ No ciclo usual de socialização de adultos, esperamos que a alienação e a mortificação sejam seguidas por um novo conjunto de crenças a respeito do mundo e uma nova maneira de conceber os eus.” (Goffman, 2003, p. 143).
segunda-feira, 19 de julho de 2010
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