Segundo alguns psicólogos, a individualidade surge de limitações que visam promover o convívio social.
Num meio social saudável, o indivíduo seria disciplinado, limitaria desejos, negociaria e adquiriria um status interno de equilíbrio comportamental com o meio, o que chamaríamos de educação. Por ser um contato com o meio externo, esta educação é constantemente construída sobre crítica e autocríticas.. Conceitos vêm e vão sendo adaptados pelos desafios de um meio externo complexo..
Num meio social mais fechado em si mesmo, tal como por exemplo numa "instituições total" definido pelo sociólogo Erving Goffman sobre estudos em manicômios, abaixo descrito, a individualidade seria uma ferramenta de protesto contra a invasão do social sobre o seu espaço.
Seria uma tentativa de auto-afirmação, de resgate da dignidade perante um meio maior e mais forte e intimidador, onde a educação passaria a ser ferramenta de controle sobre o indivíduo ao invés de contrução deste.. Ou seja a individualidade neste caso seria formada por outros meios e o contato com a realidade seria controlado, como em ratos em laboratório..
O interessante neste caso seria que temos dois grupos sociais, os dos dirigentes que mantém contato com o meio social fora do manicômio, e o grupo social dos internos, isolados do resto e cujo único contato externo seria através dos filtros dos dirigentes. Estes dirigentes definiriam "o que é a realidade" e o que é "a heresia"..
Por isto achei interessante o tema "instituição total", apesar de restrito a manicômios, prisões e conventos, pois afeta em muito o estudo de outras instituições e mesmo governos, pois nestes últimos temos também esta fronteira entre as demandas impostas pelo "social maior" e a tentativa de delimitação de limites por parte do "indivíduo menor", que muitas vezes abraça a causa individualista por protesto..
Algumas fontes para quem tiver interesse: (no google basta colocar "Erving Goffman instituição total"):
http://www.infopedia.pt/$instituicao-total
http://gesflup.blogspot.com/2010/02/manicomios-prisoes-e-conventos-erving.html
Resumo "ctrl+c" e "ctrl+v" sobre o próprio texto:
"Segundo Goffman a sua obra Manicomios, Prisões e Conventos, é o resultado de uma pesquisa de três anos de estudos de comportamentos em enfermarias dos Institutos Nacionais do Centro Clínico de Saúde, dos quais, um ano foi dedicado a um trabalho de campo no Hospital Elizabeths, em Washington, nos Estados Unidos.
O objectivo da pesquisa foi conhecer e peceber o mundo vivênciado e percepcionado pelos internados em instituições totais.
"Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada” Goffman (2003, p.11):.
O interesse fundamental de Goffman é chegar a uma versão sociológica da estrutura do eu. O autor afirma que o trabalho não sofreu influências ou restrições capazes de limitar a liberdade do pesquisador.
“Manicómios, Prisões e Conventos”
A obra trata de instituições totais de modo geral e foca o mundo do internado e não ao mundo do pessoal dirigente e está dividida em quatro ensaios:
1) "As características das Instituições Totais", analisa a vida em instituições totais, trabalhando com dois exemplos – hospitais para doentes mentais e prisões.
2) "A carreira moral do doente mental", são considerados os efeitos iniciais da institucionalização nas relações sociais que o indivíduo tinha antes de ser internado.
3) "A vida íntima de uma instituição pública", que se refere à ligação que o interno manifesta relativamente à sua cela e, a forma como os internados possam manter uma dada distancia entre si.
4) "O modelo médico e a hospitalização de doentes mentais", que reporta a uma chamada de atenção às equipes especializadas, para considerarem a perspectiva médica na apresentação, ao internado, dos fatos relativos à sua situação.
O autor foca-se, essencialmente, no carácter FECHADO destas instituições, que pelas suas características e modo de funcionar não PERMITEM QUALQUER CONTATO entre o internado e o mundo exterior, até porque o objetivo é excluí-lo completamente do mundo social de origem, de modo que o internado assimile totalmente as regras internas, EVITANDO COMPARAÇÕES, prejudiciais ao seu processo de "aprendizagem". Estas instituições podem ser divididas em cinco grupos:
- instituições criadas para cuidar das pessoas que, são incapazes e inofensivas; neste caso estão as diferentes instituições para cegos, velhos, órfãos e indigentes.
- instituições onde há locais estabelecidos para cuidar de pessoas consideradas incapazes de cuidar de si mesmas e que são também uma ameaça à comunidade, embora de maneira não intencional; sanatórios para tuberculosos, hospitais para doentes mentais etc.
- instituições organizados para proteger a comunidade contra perigos intencionais; cadeias, penitenciárias, campos de prisioneiros de guerra, campos de concentração.
- instituições estabelecidas com a intenção de realizar de modo mais adequado alguma tarefa de trabalho, e que se justificam apenas através de tais fundamentos instrumentais: quartéis, navios, escolas internas, campos de trabalho, colónias etc.
- os estabelecimentos destinados a servir de refúgio do mundo, embora muitas vezes sirvam também como locais de instrução para os religiosos; entre exemplos de tais instituições, é possível citar abadias, mosteiros, conventos e outros claustros (Goffman 2003, p. 16-17).
No interior das instituições habitam não apenas as equipes dirigentes, mas, também os internados, os prisioneiros, os que optam por uma vida solitária. Na passagem de uma vida no exterior para uma vida de confinamento espacial e social, o indivíduo passa por processos de modificação. Em qualquer dos casos, seja a institucionalização forçada do sujeito ou seja por sua iniciativa, inicia-se um processo de mortificação do eu inicial do sujeito, pelas concessões de adaptação às novas regras institucionais.
“Na linguagem exata de alguma de nossas mais antigas instituições totais, começa a uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado “. (Goffman, 2003, p.24)”.O indivíduo é despido da sua personalidade real e a personalidade que lhe é induzida, não só pela instituição como por toda a sociedade. Goffman analisa ainda a questão do tempo vivido no interior da instituição, nomeadamente a organização do tempo dos internados ou prisioneiros, segundo atividades programadas milimetricamente, cuja função, para além de disciplinar os sujeitos, os inibe em termos de desenvolvimento pessoal.
O indivíduo “começa a passar por algumas mudanças radicais na sua carreira moral, uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a seu respeito e a respeito dos outros que são significativos para ele. Os processos pelos quais o eu da pessoa é mortificado são relativamente padronizados nas instituições totais”.(Goffman, 2003, p.24).
A mortificação do eu, é a tensão entre o mundo doméstico e o mundo institucional: O primeiro processo de ‘mortificação do eu’ é a barreira posta pela instituição entre o interno e o mundo exterior. Uma ‘morte civil’, em cujos processos de admissão tenta-se obter a história de vida, partindo de um interrogatório do interno. A lógica da obediência e castigo compõe os processos de admissão como formas de iniciação.
O segundo processo de ‘mortificação’ designa-se por mutação do eu: perda do nome, separação das posses, dos seus bens (deformação pessoal); maus tratos, marcas (desfiguração pessoal); violação do território do eu, invasão das fronteiras entre o ser dos indivíduos e o ambiente (exposição contaminadora). A violação é um modelo de contaminação interpessoal, o exame e o examinador violam o território do eu.
Para suavizar essas mortificações – os sistemas de privilégios. Há três elementos deste sistema:
a) as regras da casa;
b) a obediência a essas regras;
c) premios e privilégios a quem obedece a essas regras. “A construção de um mundo em torno desses privilégios secundários é talvez o aspecto mais importante da cultura dos internados,(…)” (Goffman, 2003, p.51).
Nas instituições totais dos três tipos estudadas por Goffman, as justificações para a mortificação do “eu”, são segundo Goffman, “simples racionalizações, criadas por esforços para controlar a vida diária de grande número de pessoas em espaço restrito e com pouco gasto de recursos. Além disso, as mutilações do eu ocorrem nos três tipos, mesmo quando o internado está cooperando e a direção tem interesses ideais pelo seu bem estar.” (Goffman, 2003, p.24).
O sistema de privilégios e os processos de mortificação são as condições a que o internado se tem de adaptar, o mesmo internado poderá empregar diferentes táticas de adaptação nas diferentes fases da sua carreira moral, poderá também alternar entre diferentes tácticas ao mesmo tempo. Essas tácticas representam coerência de comportamentos, mas segundo o autor poucos são os internados que as seguem por muito tempo, preferindo a maioria o caminho designado por “ se virar”. Adotando uma combinação de ajustamentos secundários, como conversão, colonização, e lealdade ao grupo de internados, de forma a obter a possibilidade máxima de não sofrer física ou psicológicamente.
Nesta obra, Goffman conclui que muitas instituições totais, parecem funcionar apenas como depósito de internados, embora sejam vistas pelo público como organizações racionais, com planeamento e eficazes nos seus objetivos, estaremos assim perante um faz de conta, entre o que parece e o que na verdade é e se faz, este será o contexto básico do trabalho da equipe dirigente sendo certo que encontram diferentes contigências que a instituição tem de enfrentar e que a torna menos ineficiente. É reconhecido que as instituições ficam muitas vezes longe dos seus objectivos oficiais. Em relação à carreira moral, “ Cada carreira moral, e, atrás desta, cada eu, se desenvolvem dentro dos limites de um sistema institucional,(…) Neste sentido o eu não é uma propriedade da pessoa a que é atribuído, mas reside no padrão de controle social que é exercido pela pessoa e por aqueles que a cercam”. (Goffman, 2003, p. 142).
Goffman, para desenvolver a sua análise vai apropriar-se de conceitos introduzidos por Mead: I – O “eu” espontâneo; Me – o “eu” socializado o autor centra-se, fundamentalmente, no “eu” socializado e as interacções do co-presença física, para tal, previlegia a observação “in loco” de modo a analisar os elementos quer físicos quer expressivos. Temos, deste modo, um estudo ao “nível micro”, em que o investigador interage no mesmo espaço onde estão os seus objetos de observação. Isto porque, segundo Goffman, é nestas interacções face a face, que vemos como os indivíduos representam o seu “eu”.
“ No ciclo usual de socialização de adultos, esperamos que a alienação e a mortificação sejam seguidas por um novo conjunto de crenças a respeito do mundo e uma nova maneira de conceber os eus.” (Goffman, 2003, p. 143).
segunda-feira, 19 de julho de 2010
quinta-feira, 15 de julho de 2010
CAMBIO
Da Reuters News:
"Aposta de estrangeiros por baixa do dólar é a maior desde 2008
A posição vendida (aposta em queda do dólar ante o real) de investidores não residentes nos mercados futuro de dólar e de cupom cambial (DDI) superou US$ 6 bilhões na quarta-feira, maior volume nesse sentido desde julho de 2008, antes do aprofundamento da crise global financeira, de acordo com dados compilados a partir de informações da BM&FBovespa.
As vendas líquidas de estrangeiros somaram US$ 6,293 bilhões em números consolidados, ante 2,245 bilhões de dólares no fim de junho.
No período, o dólar à vista acumula queda de pouco mais de 2%."
Isto pode se confirmar como tendência, talvez, turbinada pela alta da Selic.
Talvez tratar-se, em sua maioria, de capital especulativo.
Ainda não atingimos os níveis de 2008, mas com a derrocada do euro, parece provável que deixemos os níveis de 2008 para trás, rumo ao desastre.
A rota pode ser inferida pelos dados abaixo divulgados pelo BC:
Contratação de câmbio no primeiro semestre mantém um crescimento registrado de 11,3% na primeira metade de 2010, mas não recupera níveis de 2008.
O volume de operações no mercado de câmbio brasileiro registrou um montante de USD 1,68 trilhão contratado entre janeiro e junho de 2010, valor 11,3% superior ao resultado do semestre imediatamente anterior. Entretanto, esse volume é 16,5% menor do que o registrado no 2º semestre de 2008 (USD 2,0 trilhões). O Gráfico 1 mostra a evolução do volume total de câmbio contratado nos últimos cinco semestres.
"Aposta de estrangeiros por baixa do dólar é a maior desde 2008
A posição vendida (aposta em queda do dólar ante o real) de investidores não residentes nos mercados futuro de dólar e de cupom cambial (DDI) superou US$ 6 bilhões na quarta-feira, maior volume nesse sentido desde julho de 2008, antes do aprofundamento da crise global financeira, de acordo com dados compilados a partir de informações da BM&FBovespa.
As vendas líquidas de estrangeiros somaram US$ 6,293 bilhões em números consolidados, ante 2,245 bilhões de dólares no fim de junho.
No período, o dólar à vista acumula queda de pouco mais de 2%."
Isto pode se confirmar como tendência, talvez, turbinada pela alta da Selic.
Talvez tratar-se, em sua maioria, de capital especulativo.
Ainda não atingimos os níveis de 2008, mas com a derrocada do euro, parece provável que deixemos os níveis de 2008 para trás, rumo ao desastre.
A rota pode ser inferida pelos dados abaixo divulgados pelo BC:
Contratação de câmbio no primeiro semestre mantém um crescimento registrado de 11,3% na primeira metade de 2010, mas não recupera níveis de 2008.
O volume de operações no mercado de câmbio brasileiro registrou um montante de USD 1,68 trilhão contratado entre janeiro e junho de 2010, valor 11,3% superior ao resultado do semestre imediatamente anterior. Entretanto, esse volume é 16,5% menor do que o registrado no 2º semestre de 2008 (USD 2,0 trilhões). O Gráfico 1 mostra a evolução do volume total de câmbio contratado nos últimos cinco semestres.
Discriminadamente por mercados, o primeiro semestre de 2010 apresentou o montante de USD 473,5 bilhões de contratações no mercado primário1, USD 1,188 trilhão no secundário2 e USD 14,1 bilhões no terciário3, o que representa 28,3%, 70,9% e 0,8%, respectivamente, do total das operações celebradas no período.
1 - Contratos tipos 1, 2, 3 e 4 ( exportação, importação e transferências financeiras do e para o exterior).
2 - Contratos tipos 5 e 6 ( operações interbancárias e de arbitragem).
3 - Contratos tipos 5 e 6 celebrados com o Banco Central.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
A Europa e o discurso da austeridade
Podemos acreditar piamente em equivalência ricardiana?
Por werter.macedo
O pensamento econômico dos novos clássicos postula aquilo que ficou conhecido como equivalência ricardiana.
Em uma famosa passagem de seu clássico trabalho “Princípios de Economia Política e Tributação”, o grande economista inglês David Ricardo sugeriu que a forma de financiamento do déficit não teria efeitos sobre o emprego pelo menos no longo prazo. E chegou a essa conclusão mediante um exercício mental que consiste na antecipação, pelos agentes econômicos, dos efeitos futuros das medidas econômicas.
Esse argumento seria retomado pelos novos clássicos e incorporado na noção de expectativas racionais. Apesar de toda a formalização, as idéias essenciais do pensamento e do debate econômico contemporâneo estão todas contidas no pensamento dos economistas clássicos.
Para David Ricardo, o financiamento dos déficits fiscais pela via do endividamento público não teria o condão de influenciar o nível de emprego porque os agentes econômicos interpretariam aquele aumento da dívida como uma postergação de aumentos futuros nos impostos e de redução futura na despesa pública.
E a informação relevante para os agentes econômicas seria a renda permanente, ou seja, a renda de longo prazo.
É essa idéia que parece inspirar as medidas de austeridade fiscal que estão implementadas na Europa que Belluzzo questiona no artigo abaixo publicado no jornal “Valor Econõmico”.
Vai na mesma linha das críticas de Paul Krugmann.
A Europa e o discurso da austeridade (Valor Econômico)
Por Luiz Gonzaga Belluzzo
Lá pelos idos de março, os mercados mostraram os dentes e jogaram às nuvens os spreads das dívidas soberanas dos periféricos europeus. Depois de um período de subterfúgios ideológicos e negaceios políticos, as lideranças europeias cederam às imposições da realidade.
Como é sabido, o programa da Eurolândia contou com a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) e envolveu compras de títulos públicos e privados pelo Banco Central Europeu (BCE), além de provimento de liquidez e interposição de garantias nos mercados interbancários, cujas conexões estavam obstruídas pelo chamado risco de contraparte.
Esse risco se manifesta sob a forma da recusa dos bancos emprestarem uns aos outros, desconfiados que o vizinho possa estar carregado de papéis ilíquidos ou encontra-se na iminência de passar para a insolvência.
Os frugais alemães aceitaram o inevitável, ainda que se recusem a admitir que a temperança de seus assalariados e pensionistas aliou-se aos destempero de seus bancos pródigos para vender bem e emprestar ainda melhor aos malditos gastadores gregos, espanhóis e portugueses.
Mais uma vez, tão logo resgatados pela vigorosa intervenção das agências do Estado encarregadas da gestão da moeda, do crédito e das finanças públicas, os senhores da banca cuidaram de transmutar a garantia pública em poder privado. Argúem, como sempre, as razões indisputáveis da ciência econômica (e quiçá os princípios universais da moral e dos bons costumes) para exigir um ajuste fiscal sem precedentes na economia da Eurolândia. A novidade das últimas semanas, dizem os economistas Laurent Jennaud e Gillaume Duval, é a adoção de políticas fiscais restritivas nos países que ficaram à margem dos processos de endividamento
excessivo - privado ou público.
A Alemanha pretende reduzir o déficit público de 5% para 3% até 2013, a Holanda projeta um déficit zero em 2015 e a França pretende alcançar 3% em 2013, escapando dos atuais 8%. A palavra de ordem é aplacar a desconfiança dos gestores privados da riqueza coletiva, atingindo indiscriminadamente virtuosos e pecadores.
Nos próximos meses, os rumos da economia europeia continuarão a depender das avaliações dos bancos e quejandos a respeito do "ajustamento fiscal" e da evolução do endividamento público nos países submergentes. Na visão dos pregadores da austeridade generalizada, o setor privado não reage aos estímulos fiscais, porquanto as expectativas de longo prazo estão insensíveis aos sinais emitidos pelo governo. Sendo assim, dizem eles, as projeções do setor privado - empresas e famílias - a respeito da evolução do déficit fiscal e do crescimento da dívida pública acentuam as antecipações pessimistas e não conseguem promover o crescimento da produção e do emprego.
Trata-se da hipótese sobre os "efeitos não keynesianos da política fiscal" que sustentam a irrelevância dos multiplicadores de renda e emprego gerados pela elevação do déficit do governo.
Os advogados da austeridade generalizada, diz o economista Roberto Tamborini, acreditam que, mesmo em uma situação recessiva, ocorre o fenômeno da expulsão do gasto privado pelo dispêndio público, chamado no jargão dos economistas de "crowding out". Assim, o reequilíbrio das contas públicas, ainda em uma conjuntura recessiva, libera recursos e, ao mesmo tempo,
infunde "confiança" ao setor privado. Creiam, infiéis gastadores!
Na contramão do pensamento purificador, os keynesianos temem a possibilidades de um duplo mergulho recessivo na Eurolândia, com efeitos desagradáveis na economia global. Ainda que essa trajetória indesejável não se realize, as perspectivas mais otimistas são de baixo crescimento para os próximos anos. Não é difícil imaginar, argumentam, que as políticas de redução do dispêndio e aumento de impostos resultem, ironicamente, na ampliação dos déficits, caso o gasto privado em consumo e investimento não responda à hipótese heroica e improvável dos economistas conservadores a respeito do "crowding out". Numa situação de desemprego elevado e capacidade ociosa idem, essa turma não acredita nas relações virtuosas entre austeridade fiscal e "recuperação da confiança".
Isso para não falar das agruras do povaréu - submetido aos rigores do ajustamento, depois de um período de euforia promovida pelo crédito fácil. Gregos, espanhóis e portugueses sofrerão as dores do cinto apertado: redução de salários, corte dos benefícios sociais, aumento de impostos, desemprego em alta. Aplicada numa economia balbuciante, essa receita poderá deprimir ainda mais o consumo e o investimento privados, contrariando a "reversão de expectativas" almejada pelos que advogam os programas de austeridade fiscal generalizada.
Sendo assim, os investidores, surpreendidos pelos efeitos adversos de seus clamores, elevam o prêmio exigido para absorver os papéis de dívida, sejam eles soberanos ou privados. Uma nova rodada de contração do crédito que não só reduz a capacidade de gasto das famílias e das empresas, como também compromete a própria capacidade dos Estados de emitir dívida nova e de administrar o estoque de endividamento existente.
Por werter.macedo
O pensamento econômico dos novos clássicos postula aquilo que ficou conhecido como equivalência ricardiana.
Em uma famosa passagem de seu clássico trabalho “Princípios de Economia Política e Tributação”, o grande economista inglês David Ricardo sugeriu que a forma de financiamento do déficit não teria efeitos sobre o emprego pelo menos no longo prazo. E chegou a essa conclusão mediante um exercício mental que consiste na antecipação, pelos agentes econômicos, dos efeitos futuros das medidas econômicas.
Esse argumento seria retomado pelos novos clássicos e incorporado na noção de expectativas racionais. Apesar de toda a formalização, as idéias essenciais do pensamento e do debate econômico contemporâneo estão todas contidas no pensamento dos economistas clássicos.
Para David Ricardo, o financiamento dos déficits fiscais pela via do endividamento público não teria o condão de influenciar o nível de emprego porque os agentes econômicos interpretariam aquele aumento da dívida como uma postergação de aumentos futuros nos impostos e de redução futura na despesa pública.
E a informação relevante para os agentes econômicas seria a renda permanente, ou seja, a renda de longo prazo.
É essa idéia que parece inspirar as medidas de austeridade fiscal que estão implementadas na Europa que Belluzzo questiona no artigo abaixo publicado no jornal “Valor Econõmico”.
Vai na mesma linha das críticas de Paul Krugmann.
A Europa e o discurso da austeridade (Valor Econômico)
Por Luiz Gonzaga Belluzzo
Lá pelos idos de março, os mercados mostraram os dentes e jogaram às nuvens os spreads das dívidas soberanas dos periféricos europeus. Depois de um período de subterfúgios ideológicos e negaceios políticos, as lideranças europeias cederam às imposições da realidade.
Como é sabido, o programa da Eurolândia contou com a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) e envolveu compras de títulos públicos e privados pelo Banco Central Europeu (BCE), além de provimento de liquidez e interposição de garantias nos mercados interbancários, cujas conexões estavam obstruídas pelo chamado risco de contraparte.
Esse risco se manifesta sob a forma da recusa dos bancos emprestarem uns aos outros, desconfiados que o vizinho possa estar carregado de papéis ilíquidos ou encontra-se na iminência de passar para a insolvência.
Os frugais alemães aceitaram o inevitável, ainda que se recusem a admitir que a temperança de seus assalariados e pensionistas aliou-se aos destempero de seus bancos pródigos para vender bem e emprestar ainda melhor aos malditos gastadores gregos, espanhóis e portugueses.
Mais uma vez, tão logo resgatados pela vigorosa intervenção das agências do Estado encarregadas da gestão da moeda, do crédito e das finanças públicas, os senhores da banca cuidaram de transmutar a garantia pública em poder privado. Argúem, como sempre, as razões indisputáveis da ciência econômica (e quiçá os princípios universais da moral e dos bons costumes) para exigir um ajuste fiscal sem precedentes na economia da Eurolândia. A novidade das últimas semanas, dizem os economistas Laurent Jennaud e Gillaume Duval, é a adoção de políticas fiscais restritivas nos países que ficaram à margem dos processos de endividamento
excessivo - privado ou público.
A Alemanha pretende reduzir o déficit público de 5% para 3% até 2013, a Holanda projeta um déficit zero em 2015 e a França pretende alcançar 3% em 2013, escapando dos atuais 8%. A palavra de ordem é aplacar a desconfiança dos gestores privados da riqueza coletiva, atingindo indiscriminadamente virtuosos e pecadores.
Nos próximos meses, os rumos da economia europeia continuarão a depender das avaliações dos bancos e quejandos a respeito do "ajustamento fiscal" e da evolução do endividamento público nos países submergentes. Na visão dos pregadores da austeridade generalizada, o setor privado não reage aos estímulos fiscais, porquanto as expectativas de longo prazo estão insensíveis aos sinais emitidos pelo governo. Sendo assim, dizem eles, as projeções do setor privado - empresas e famílias - a respeito da evolução do déficit fiscal e do crescimento da dívida pública acentuam as antecipações pessimistas e não conseguem promover o crescimento da produção e do emprego.
Trata-se da hipótese sobre os "efeitos não keynesianos da política fiscal" que sustentam a irrelevância dos multiplicadores de renda e emprego gerados pela elevação do déficit do governo.
Os advogados da austeridade generalizada, diz o economista Roberto Tamborini, acreditam que, mesmo em uma situação recessiva, ocorre o fenômeno da expulsão do gasto privado pelo dispêndio público, chamado no jargão dos economistas de "crowding out". Assim, o reequilíbrio das contas públicas, ainda em uma conjuntura recessiva, libera recursos e, ao mesmo tempo,
infunde "confiança" ao setor privado. Creiam, infiéis gastadores!
Na contramão do pensamento purificador, os keynesianos temem a possibilidades de um duplo mergulho recessivo na Eurolândia, com efeitos desagradáveis na economia global. Ainda que essa trajetória indesejável não se realize, as perspectivas mais otimistas são de baixo crescimento para os próximos anos. Não é difícil imaginar, argumentam, que as políticas de redução do dispêndio e aumento de impostos resultem, ironicamente, na ampliação dos déficits, caso o gasto privado em consumo e investimento não responda à hipótese heroica e improvável dos economistas conservadores a respeito do "crowding out". Numa situação de desemprego elevado e capacidade ociosa idem, essa turma não acredita nas relações virtuosas entre austeridade fiscal e "recuperação da confiança".
Isso para não falar das agruras do povaréu - submetido aos rigores do ajustamento, depois de um período de euforia promovida pelo crédito fácil. Gregos, espanhóis e portugueses sofrerão as dores do cinto apertado: redução de salários, corte dos benefícios sociais, aumento de impostos, desemprego em alta. Aplicada numa economia balbuciante, essa receita poderá deprimir ainda mais o consumo e o investimento privados, contrariando a "reversão de expectativas" almejada pelos que advogam os programas de austeridade fiscal generalizada.
Sendo assim, os investidores, surpreendidos pelos efeitos adversos de seus clamores, elevam o prêmio exigido para absorver os papéis de dívida, sejam eles soberanos ou privados. Uma nova rodada de contração do crédito que não só reduz a capacidade de gasto das famílias e das empresas, como também compromete a própria capacidade dos Estados de emitir dívida nova e de administrar o estoque de endividamento existente.
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