terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Destrinchando o yuan



Por Yu Yongding - Valor 31/01

De julho de 2005 até dezembro de 2011, o yuan chinês valorizou-se constantemente. Então, de forma inesperada, a moeda caiu e durante 11 sessões consecutivas chegou ao limite mais baixo da faixa diária de negociação determinada pelo Banco do Povo da China. Embora o yuan, desde então, tenha retomado sua trajetória anterior de lenta valorização, o episódio pode ter indicado uma mudança permanente no padrão de oscilação da taxa de câmbio.

Anteriormente, desde que a China tivesse superávit comercial e entrada líquida de investimentos externos diretos, o yuan continuava com pressão para valorizar-se. Os fluxos de capital de curto prazo tinham pouco impacto na direção da taxa de câmbio do yuan.

Havia dois motivos para isso. Primeiro, graças a um regime de controle de capitais eficiente - embora poroso - na China, o "dinheiro quente" de curto prazo (capital entrando para especulação, arbitragem e "busca de renda") não podia entrar (e, depois, sair) livre e rapidamente. Segundo, os fluxos de capital de curto prazo normalmente fortaleceriam, em vez de enfraquecer a pressão sobre a taxa de câmbio do yuan, porque os especuladores, persuadidos pela abordagem gradual da China de aumento de valor, apostariam na valorização.
Então, por que, se a China ainda tem superávits consideráveis em conta corrente e de capital de longo prazo, o yuan teve essa desvalorização repentina e obrigou o Banco do Povo da China a intervir (embora não com muita força) para evitar que caísse ainda mais?

Muitos economistas fora da China argumentaram que a desvalorização em dezembro resultou de apostas de investidores de que as autoridades monetárias chinesas, deparadas com a perspectiva de pouso brusco da economia, iriam desacelerar ou interromper a valorização da moeda. Se isso fosse verdade, no entanto, agora estaríamos vendo saídas significativas de capital de longo prazo e vendas pesadas de yuans em troca de dólares no mercado de câmbio chinês.

Na verdade, a queda repentina do yuan em dezembro reflete a liberalização dos fluxos de capitais entre fronteiras adotada pelo governo da China. Esse processo começou em abril de 2009, quando a China lançou o Esquema de Liquidação de Câmbio do Yuan (conhecido como RTSS, pela sigla em inglês), permitindo que as empresas, especialmente as maiores, canalizem seus fundos entre a China continental e Hong Kong. Como resultado, um mercado de câmbio de yuans fora do continente, conhecido como mercado CNH, foi criado em Hong Kong, coexistindo com o mercado no continente, agora apelidado de CNY.

Em contraste ao CNY, o CNH é um mercado livre. Tendo em vista as expectativas de valorização do yuan e a diferença positiva entre as taxas de juros entre a China continental e Hong Kong, a moeda tinha um valor maior em termos de dólares no mercado CNH do que no CNY. A diferença alimentou movimentadas operações de arbitragem de taxas de juros por importadoras no continente e empresas multinacionais - uma forma de fluxo de capital saindo de Hong Kong em direção à China continental. Analogamente, o passivo em yuan devido por empresas multinacionais e pelos chineses no continente aumentou, assim como os ativos em yuan em mãos de residentes em Hong Kong.

As operações de arbitragem de taxas de juros por importadores no continente e multinacionais criam pressão de valorização no CNY e de queda no CNH. Em uma economia com taxas de câmbio e de juros flexíveis, a arbitragem elimina rapidamente a diferença entre taxas de câmbio. Na China, como as taxas de juros e de câmbio não são flexíveis, a diferença entre o CNH e o CNY persiste e os que fazem arbitragem têm capacidade para colher lucros gordos à custa da economia.

Em setembro, contudo, as condições financeiras mudaram repentinamente em Hong Kong. A escassez de liquidez provocada pela crise das dívidas soberanas europeias levou os bancos dos países desenvolvidos - especialmente os bancos europeus com exposição em Hong Kong - a retirar seus fundos, levando dólares embora. Como resultado, o CNH caiu em relação do dólar. Ao mesmo tempo, a escassez de dólares ainda não havia afetado o CNY, que continuava relativamente estável.

O CNH, portanto, estava mais barato que o CNY. Em consequência, os importadores e multinacionais no continente deixaram de comprar dólares no mercado CNH e voltaram ao CNY. Ao mesmo tempo, os exportadores no continente pararam de vender dólares no mercado CNY e voltaram as atenções ao CNH.

A escassez de dólares criou pressões pela desvalorização no CNY, que o Banco do Povo da China ateve-se de contrabalançar. O CNY estava, portanto, destinado a cair, o que aconteceu em setembro.

A arbitragem reversa provocou fluxos de saída de capital da China continental. De forma análoga, os passivos em yuan devidos pelas multinacionais e chineses no continente diminuíram, assim como os ativos em yuan em mãos de residentes em Hong Kong. Na verdade, aumentos nos custos de financiamento e a incerteza em relação à valorização do yuan desencadearam uma onda parcial de vendas de ativos em yuan por residentes em Hong Kong.

Em resumo, como o RTSS facilitou muito as movimentações de capital entre fronteiras, os fluxos de curto prazo transformaram-se em um fator importante na determinação da taxa de câmbio do yuan. Choques externos afetam primeiramente a taxa de câmbio fora do continente e, então, filtram-se até chegar à taxa de câmbio dentro do continente.

O yuan vai continuar com tendência de valorização no futuro próximo, influenciado pela força dos fundamentos da economia, mas a instabilidade inerente dos fluxos de capital de curto prazo tornarão sua taxa de câmbio mais volátil. Essa mudança está destinada a trazer novos desafios para as autoridades nos Estados Unidos e China, especialmente quando estão empenhadas em uma nova rodada de discussões sobre a política cambial chinesa. (Tradução de Sabino Ahumada)



Yu Yongding é presidente da China Society of World Economics, ex-membro do comitê de política monetária do Banco do Povo da China e ex-diretor do Instituto de Economia e Política Mundial, da Academia Chinesa de Ciências. Copyright: Project Syndicate, 2012.



População japonesa encolherá 30% até 2060



Reuters

A população do Japão deve encolher 30%, para menos de 90 milhões, em 2060 e duas em cada cinco pessoas terão 65 anos ou mais, disse uma agência do governo, ressaltando os encargos financeiros que pesam sobre a sociedade em rápido envelhecimento.

A previsão evidencia o fracasso dos incentivos às pessoas para terem mais filhos e tornará mais urgente implementar os esforços em matéria fiscal e reforma da previdência social, além de provocar um debate sobre a imigração.

Em 2060, o número de pessoas com 14 anos ou menos deverá ser inferior a 8 milhões de japoneses, ao passo que haverá cerca de 35 milhões de pessoas com 65 anos ou mais, passando a representar 39,9% da população, em comparação com 23,0% em 2010.

A população está envelhecendo em ritmo mais rápido nos países desenvolvidos devido a baixas taxas de natalidade e a expectativas de vida longa.

"A tendência de envelhecimento populacional continuará e é difícil esperar que a taxa de natalidade cresça significativamente", disse Osamu Fujimura, secretário-chefe de Gabinete, a jornalistas. "Por isso, é necessário uma abrangente reforma tributária e da previdência social."

O primeiro-ministro Yoshihiko Noda prometeu dobrar um atual imposto de 5% sobre o consumo em duas etapas até outubro de 2015, para ajudar a financiar os crescentes custos da seguridade social, que estão crescendo à base US$ 13 bilhões por ano e agravando uma dívida pública que já é o dobro do PIB, de US$ 5 trilhões.

Mas o maior partido de oposição, apesar de concordar com a necessidade de aumentar impostos, ameaça bloquear o projeto de lei na Câmara Alta do Parlamento. Argumenta que o plano do governo de reformar o sistema de público de pensões, exigirá um ônus tributário maior do que o planejado.

A população, de 128 milhões em 2010, deverá cair para menos de 100 milhões em 2048 e encolherá ainda mais, para 86,74 milhões, em 2060, segundo projeção do Ministério da Saúde.

A estimativa também mostra que a expectativa média de vida aumentará em mais quatro anos, por volta de 2060: 84,19 para os homens e 90,93 para as mulheres.

A taxa de fertilidade, número de crianças nascidas por casal, deve chegar a 1,35 em 2060, contra 1,39 em 2010, e abaixo dos 2,08 necessários para impedir que a população encolha. No mundo, a taxa média é de 2,5. O Japão vem tentando aumentar a taxa de natalidade há duas décadas, embora sem sucesso, e os críticos dizem ser crucial facilitar que as mulheres trabalhem e criem filhos ao mesmo tempo.

Alguns especialistas têm defendido a liberalização das leis de imigração, mas muitos japoneses estão cautelosos quanto a abrir as portas a estrangeiros que, muitos acreditam, têm dificuldade para se assimilar num país onde a homogeneidade tem sido considerada uma fonte de estabilidade.

É o câmbio, é o câmbio...



Por Antonio Delfim Netto - Valor 31/01

Há algumas semanas tive a oportunidade de afirmar nesta coluna que muitos economistas altamente qualificados manifestaram, no início dos anos 90 do século passado, dúvidas a respeito da possibilidade de uma moeda única poder funcionar na Comunidade Econômica Europeia.

Na antevéspera do lançamento do euro, 150 dos mais renomados e bem apetrechados economistas alemães assinaram um "manifesto" em que condenavam a precipitação de instituir o euro sem antes ter construído uma "área monetária ótima", acompanhada de uma forte coordenação das políticas fiscais entre os países e a construção de um Banco Central autônomo, que pudesse, de fato, exercer a sua função de "emprestador de última instância" nos momentos de crise. Essas, seguramente, pela própria natureza da economia de mercado, viriam a existir. Recebi um e-mail de um gentil leitor perguntando se poderia dar exemplos além dos economistas alemães.

Vou tentar atendê-lo revelando as opiniões de dois brilhantes monetaristas que em 1963 publicaram uma das obras-primas da literatura econômica do século XX, Milton Friedman e Anna Schwartz ("A Monetary History of the United States: 1867-1960"). Em entrevistas independentes, dadas, respectivamente, em junho de 1992 e setembro de 1993 para a magnífica revista do Federal Reserve Bank of Minneapolis, eles falaram sobre o assunto.

À pergunta (junho de 1992): "Qual é a sua opinião sobre o projeto de uma moeda única na eurolândia?", Friedman respondeu: "Não creio que funcione na minha geração. Talvez na sua, mas não tenho qualquer certeza"... e acrescentou: "Seria altamente desejável que a Europa tivesse uma única moeda, da mesma forma que temos nos EUA. Mas para tê-la você precisa de uma área onde as pessoas e os bens movam-se livremente e na qual exista suficiente homogeneidade de interesses, para que não haja estresse político criado pelo desenvolvimento desigual das diferentes partes da área. Para ilustrar. Temos hoje (1992) uma região dos EUA ("Northeast in general"), em grave dificuldade. Se ela fosse um país separado dos EUA, com outra língua e com um suposto governo nacional próprio, seria fortemente tentada a realizar uma desvalorização cambial, o que não pode fazer... Além do mais, a eurolândia deveria ter um verdadeiro Banco Central com toda autoridade, o que implica fechar a Banque de France, a Banca d'Italia e o Deutsche Bundesbank... Os planos pretendem isso, mas é claro que entre pretender e fazer há uma imensa distância"...

No mesmo diapasão, temos Anna Schwartz. À pergunta (setembro de 1993) "Tem a história alguma lição a dar aos planejadores da união monetária da Europa?", ela respondeu: "Os planejadores da União Europeia deveriam estudar com muito cuidado as razões pelas quais o 'gold standard'-, anterior à Primeira Guerra Mundial, foi um regime bem-sucedido; por que a Conferência Econômica de Gênova, de 1922, e a Conferência Econômica de Londres, de 1933, falharam; por que o 'gold standard' entre as duas guerras entrou em colapso; por que o acordo de Bretton Woods não sobreviveu à inflação dos EUA; por que o Exchange Rates Mechanism (firmado ente os países europeus para coordenar suas taxas de câmbio) está nas 'cordas' desde 1992. A lição do passado é que um regime monetário só é bem-sucedido quando países com os mesmos objetivos sofrem os mesmos choques. Os países-membros devem estar dispostos a ceder sua soberania a uma autoridade monetária transnacional. Num mundo de incertezas e choques não antecipados, os países têm prioridades nacionais, que não podem prescindir do uso de políticas monetárias domésticas e, portanto, resistem a assumir compromisso com um único objetivo: a estabilidade dos preços". E termina afirmando que "a história dos regimes monetários internacionais sugere que a união monetária europeia é a non starter"!

Vemos que Friedman e Schwartz (com alguma teoria e muita história) colocam o dedo na real dificuldade do euro: o desequilíbrio das taxas de câmbio nominalmente fixadas na moeda única, mas "virtualmente" flutuantes dentro da zona do euro, pelo dinamismo diferente da economia de cada um de seus membros.

Esse problema só desaparece quando temos uma federação de fato, como é o caso dos EUA, do Brasil e da Alemanha, onde um poder central redistribui para as regiões, que têm um déficit "virtual" em contas correntes, parte dos recursos tributários recolhidos nas outras, sem que aquelas tenham de reduzir seu crescimento ou endividar-se.

Nada disso é novidade. Aliás, foram as dificuldades cambiais dentro do "gold standard" que levaram à tentativa de mimetizar uma desvalorização cambial sem, de fato realizá-la. Um exemplo é o esquema primitivo de Keynes nos anos 30: uma tarifa "ad-valorem" sobre todas as importações e o uso dos seus recursos para subsidiar as exportações, que recebeu o nome de "desvalorização fiscal".

Quem tiver disposição para ver os "progressos" dessa ideia usando o modelo novo keynesiano de Equilíbrio Dinâmico Geral Estocástico (DSGE), não deve perder o artigo "Fiscal Devaluation", (NBER - Working Paper 17.662, de dezembro/ 2011), onde outros instrumentos para tentar realizá-la (aumento de impostos indiretos e redução das contribuições sociais) são sugeridos. Fé, coragem e bom apetite!



Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Como a Europa pode voltar ao trabalho



Por Klaus F. Zimmermann - Valor 30/01

Sem sombra de dúvida, a reforma dos mercados de trabalho é a parte mais crítica do processo de reforma na zona do euro e em toda a União Europeia. Somente medidas bem-sucedidas nessa área poderão induzir uma recuperação duradoura e focada no futuro da Europa. Os chefes de Estado europeus têm uma excelente oportunidade para focar sua reunião de cúpula de hoje em estratégias para reduzir o desemprego.

Embora o objetivo seja claro - o crescimento deve ser estimulado em todos os países e o desemprego precisa encolher - é preciso resistir à tentação de acreditar na existência de alguma solução de "tamanho único". Longe disso. Cada país pode, e cada país deve, desenvolver sua própria estratégia para reforma do mercado de trabalho. Cada país, e não Bruxelas ou qualquer outra pessoa, é, portanto, responsável por seu próprio destino. E isso tem uma razão muito simples. As condições, necessidades, opções e desafios do mercado de trabalho, são distintas, em cada país, muitas vezes significativamente, em diferentes países.

Alguns países têm um componente muito grande do setor de serviços em sua economia nacional e, portanto, dependem em grande parte da demanda doméstica. Outros dependem fortemente de exportações e devem preparar-se contra um possível desaquecimento nessa frente. Existem, ainda, aqueles que ainda precisam evoluir de uma dependência excessiva de estruturas agrárias. E outros, ainda, precisam concentrar-se principalmente em reduzir os enormes níveis de desemprego juvenil.

Porém mesmo países onde o desemprego já é bastante baixo, como a Alemanha, têm de lidar com sérios desafios. Uma força de trabalho em encolhimento e pressões sobre os sistemas de seguridade social sugerem incentivos para adiar a idade de aposentadoria e fazer muito mais para integrar as mulheres na força de trabalho. Essa é uma área onde a França e os países escandinavos têm dado exemplos notáveis de como fazer a coisa certa.

E embora não caiba à Comissão Europeia em Bruxelas prescrever qualquer caminho específico e, possivelmente, até mesmo uniforme, de reforma, há um papel útil que a Comissão poderia desempenhar. Ela deveria acompanhar e incentivar o progresso dos países quanto à liberalização do mercado de trabalho e criação de novos empregos. Incentivar mudanças positivas seria um uso verdadeiramente construtivo dos recursos de controle da Comissão. A mentalidade atual - obcecada com o desempenho orçamentário dos países e a imposição de sanções a países que já se encontram em graves dificuldades fiscais - tende a ser contraproducente.

Especificamente, a Comissão Europeia pode melhorar a mobilidade laboral na Europa, promovendo colaborações entre os birôs de trabalho nacionais para intercambiar informações sobre vagas e trabalhadores interessados e criar o extremamente necessário mercado de trabalho online europeu. Uma mobilidade muito maior da mão de obra dos trabalhadores europeus é a chave para gerar crescimento adicional mediante redução do desperdício de recursos humanos. Da mesma forma, nós, europeus, podemos falar um total de 23 línguas oficiais na UE, mas isso não deveria nos impedir de fazer muito mais para reconhecer os certificados de treinamento profissional de uma forma muito mais aberta de outros países.

Nesse aspecto, a Alemanha pode se tornar um centro precoce de atenção e reforma. Por causa do crescimento econômico sustentado, o mercado de trabalho alemão está se aproximando do pleno emprego. Com o gradual declínio da população total do país, as chances são de que haverá mais empregos a serem preenchidos, na Alemanha, no futuro, do que o número de novos trabalhadores que entram no mercado de trabalho a cada ano. Ao mesmo tempo, os alemães têm estado na vanguarda daqueles particularmente preocupados em ter o certificado "apropriado" de formação para novos funcionários.
Não posso imaginar que num mercado de trabalho de 500 milhões de pessoas, com muitos jovens sem um emprego, os empregadores alemães não conseguiriam encontrar pessoal adequado em outros países. Na era de mídias sociais e do Skype, não é muito difícil selecionar talentos, mesmo a longas distâncias. A médio prazo, essa é uma estratégia de RH muito mais produtiva, para as grandes empresas, do que a prática em que estão começando a se envolver: tentar usar caça-talentos para roubar uns dos outros jovens profissionais que estão apenas em seu primeiro emprego. Esse é, efetivamente, um jogo de soma zero.

Uma mentalidade mais arejada e internacional também seria um elemento poderoso rumo à eventual criação de economias mais dinâmicas nos países de origem dos migrantes. Tomemos o exemplo da Turquia. Embora o país não seja sequer membro da UE e a barreira de idioma seja certamente alta, a Turquia tornou-se uma economia manufatureira muito atraente. Uma parte fundamental do dinamismo recém-redescoberto baseia-se na transferência de competências dos trabalhadores turcos que trabalhavam na Alemanha antes de retornarem a seu país e criarem pequenas empresas. Desnecessário dizer que os 27 países da UE deveriam fazer, cada um em relação aos outros, o que a Alemanha e Turquia fizeram, juntas, durante as últimas décadas, sem qualquer ato de planejamento governamental.

Levar honestamente em conta particularmente as necessidades e responsabilidades do norte da Europa também nos leva a pensar muito diferentemente sobre o Norte da África, especialmente as pessoas com formação superior na Tunísia ou no Egito. Falamos muito sobre o rápido envelhecimento na Europa. Enquanto isso, a idade média no Egito é de 24 anos e na Tunísia de 29,7 anos.

Se o exemplo turco demonstrou alguma coisa é que ambos os lados podem se beneficiar, mesmo de formas inesperadas, do processo de intercâmbio. Esse exemplo nos ensina que devemos abrir nossos olhos para o potencial. O fato de as estratégias destinadas a suprir as necessidades de nossos mercados de trabalho precisarem também se alinhar muito bem com a estratégia da União Europeia em matéria de política externa certamente não fará mal algum. (Tradução de Sergio Blum)



Klaus F. Zimmermann é diretor do IZA, Instituto para o Estudo de Trabalho, Bonn, Alemanha

Os grandes desafios do etanol brasileiro



Por Ricardo Mollo - Valor 30/01

O mundo vem buscando alternativas aos combustíveis fósseis há muitos anos. Diversas são as iniciativas, contudo, a maioria delas inviável financeiramente. O etanol brasileiro tem sido apontado como o único biocombustível com condições financeiras de substituir a gasolina. Porém, meus estudos indicam que, no médio prazo e nas condições atuais de mercado, a rentabilidade das destilarias brasileiras tende a ser fortemente afetada, o que pode colocar em risco o seu desenvolvimento sustentável.

Apesar da alta volatilidade dos preços do petróleo nos últimos anos, o preço da gasolina teve aumentos comportados, o que de certa forma tem contribuído para a contenção da inflação, o que beneficia consumidores, mas produz efeito inverso sobre a rentabilidade do etanol brasileiro. Grande parte dos consumidores optou por comprar carros flex nos últimos anos, tendo assim a possibilidade de uso tanto da gasolina como do etanol. A conta é simples: se o preço do etanol estiver abaixo de 70% do preço da gasolina, é vantajoso utilizar o etanol. Para o consumidor é ótimo ter essa opção. Entretanto, como o preço da gasolina teve reajustes moderados nos últimos anos, o preço do etanol tem superado o teto de 70% do preço da gasolina. O problema é que nos últimos 5 anos o preço da cana-de-açúcar subiu 50%, aumentando muito os custos dos produtores de etanol e diminuindo drasticamente sua rentabilidade.

Durante o ano de 2011, vimos o preço do etanol subir de forma acelerada, atingindo patamares superiores a R$ 2,50 por litro, o que trouxe enormes preocupações para o governo. Mas por que, apesar do alto preço do etanol e da enorme demanda pelo produto, poucos investimentos no setor foram anunciados? Não há resposta simples para essa pergunta, porém, a origem da controvérsia está na produção de cana, no preço do açúcar, no custo logístico brasileiro e no preço das terras.

O setor sucro-alcooleiro brasileiro tem por volta de 400 unidades produtivas, usinas e destilarias, sendo que 60% delas podem produzir açúcar e álcool. Como a rentabilidade do açúcar nos últimos anos tem sido muito mais alta do que a do etanol, os produtores têm destinado a maior parte do caldo de cana extraído para a produção de açúcar, em vez de utilizá-lo para fazer etanol. Em consequência, grande parte dos investimentos do setor tem sido destinada para aumento de capacidade de produção de açúcar e co-geração de energia. A margem operacional das usinas de açúcar tem se mantido alta, em torno de 30%, porém o mesmo não ocorre com as destilarias de etanol, com margens em torno de 15%.

Destilarias de pequena escala tendem a ter margens operacionais ainda menores, atingindo, em média, menos de 10%. Com esse nível de rentabilidade, diversas destilarias tiveram problemas para o pagamento de suas dívidas e foram obrigadas a refinanciá-las, ou mesmo, a parar suas atividades.

Grandes players nacionais e internacionais compraram nos últimos cinco anos por volta de 100 empresas em dificuldades, principalmente em função de sua alta alavancagem financeira. Neste momento são poucas as oportunidades de boas compras, porém o processo de consolidação ainda está em andamento. A maioria desses players continua cogitando aquisições, mas estão focados na integração dos negócios adquiridos e na expansão de suas capacidades de produção. O grande problema tem sido o acesso à matéria prima, a cana-de-açúcar. A competição por cana tem sido acirrada, uma vez que uma boa parte da cana utilizada pelas usinas é comprada de terceiros. O seu preço subiu quase 50% em 5 anos, de R$ 51,00 a tonelada, em 2006, para mais de R$ 70,00, em 2011. Isso se deu pelo aumento do custo de plantio e pela quebra de safra deste ano.

Outro fator que tem pressionado os custos e a rentabilidade dos produtores de etanol é o preço das terras e, por consequência, o preço do seu arrendamento. O Estado de São Paulo produz aproximadamente 60% da cana do Brasil, principalmente no nordeste do Estado, o que valorizou demais as terras na região. Esse fato dificultou ainda mais a expansão de novas capacidades produtivas de etanol e diminuiu a margem do produto.

Algumas companhias tentam deslocar sua produção e novas unidades para outros estados em busca de terras mais baratas e de menor concorrência na compra de cana de terceiros, contudo, o custo logístico aumenta consideravelmente. Diversos investimentos têm sido desenvolvidos para diminuir custos logísticos, inclusive a construção de dutos para transporte de etanol, porém sua evolução é gradativa e lenta.

Neste momento, o governo está concentrado em garantir a oferta de etanol para os consumidores a preços competitivos, o que é justo, uma vez que a população aderiu em massa à compra dos carros flex. A Petrobras tem papel fundamental para garantir esta oferta de etanol, porém o país não pode depender somente dela para isso. O BNDES, recentemente, lançou novas linhas interessantes de financiamento para renovação de canaviais e para etanol celulósico. Contudo, não resolvem o problema de rentabilidade das destilarias.

Existe um consenso de que não faltará demanda para o etanol brasileiro. O grande problema é como tornar sua produção rentável atraindo novos investimentos. É evidente que, para que haja uma resposta imediata dos empresários do setor em relação às novas expansões, é necessário um esforço do governo para que se aumente a rentabilidade dos investimentos, pois dadas as condições atuais, provavelmente no médio prazo teremos menos destilarias rentáveis, o que é insustentável. A solução para esta equação deve-se basear em três fatores: a desoneração tributária do etanol, a aceleração dos investimentos em logística para o deslocamento de produção para outros Estados e, principalmente, o incentivo para o aumento de plantio de cana-de-açúcar.



Ricardo Mollo é professor de Finanças do Insper, PhD candidate na University of London. Trabalhou por 20 anos no Mercado Financeiro tendo sido diretor do Unibanco. E-mail: ricardorsm@insper.edu.br

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O retorno à semiestagnação



Por José Luis Oreiro - Valor 27/01

Atualmente vive-se um clima de grande otimismo com as perspectivas de crescimento da economia brasileira. A crise na Europa e nos Estados Unidos, somada ao bom desempenho que a economia brasileira mostrou em 2010, tem levado várias pessoas a pensar que finalmente o gigante adormecido despertou e que o Brasil se encontra em vias de alcançar o nível de renda per capita dos países desenvolvidos, entrando assim para o seleto clube dos países do primeiro mundo. A realidade, porém, não é tão rósea como parece. Passados os efeitos da crise de 2008 sobre a economia brasileira, acumulam-se sinais preocupantes de que nosso país está voltando ao padrão de "semiestagnação" prevalecente no período 1994-2005.

O grau de dinamismo de uma economia é determinado pelas perspectivas de expansão daquele setor de atividade que for mais favorável ao crescimento de longo prazo. Esse setor é, e continuará sendo por um longo tempo, a indústria. O setor industrial é o ramo de atividade econômica responsável pela origem e difusão do progresso tecnológico para a economia como um todo, fonte de economias estáticas e dinâmicas de escala e que possui os maiores efeitos de encadeamento para frente e para trás na cadeia produtiva. Em função dessas características peculiares do setor industrial, as perspectivas de crescimento da economia como um todo dependem, em larga medida, da dinâmica da produção industrial.
No Brasil verificamos uma estreita correlação entre o crescimento do valor da produção industrial e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Com efeito, no período compreendido entre o primeiro trimestre de 2004 e o segundo trimestre de 2010, a correlação entre o crescimento do PIB industrial e o crescimento do PIB foi igual a 0,84.

Quando nos debruçamos sobre os dados da produção física da indústria, constatamos que no acumulado dos últimos 12 meses, a taxa mensal de crescimento da produção industrial tem se reduzido continuamente desde o segundo semestre de 2010. Mais grave ainda, desde abril de 2011, a taxa de crescimento da produção física da indústria tem ficado ligeiramente acima de zero, fazendo com que a produção industrial ainda se encontre 3% abaixo do valor de pico verificado em outubro de 2008, passados mais de três anos da falência do Lehman Brothers.

Deve-se observar que a desaceleração e consequente estagnação da produção industrial se iniciam no segundo semestre de 2010, anteriormente, portanto, ao recrudescimento da crise fiscal na Europa, a qual data de meados do primeiro semestre de 2011.

A razão para a perda de dinamismo da produção industrial é de ordem interna da economia brasileira. Com efeito, a perda de dinamismo da indústria deve-se aos efeitos retardados da forte apreciação da taxa real de câmbio verificada no segundo semestre de 2009. A apreciação cambial tem gerado um forte movimento de substituição de produção doméstica por importações, fazendo com que a produção física da indústria brasileira apresente um baixo dinamismo, apesar da expansão robusta da demanda agregada doméstica.

Esses dados apontam para uma conclusão bastante preocupante. Se a perda de dinamismo da indústria brasileira está relacionada com a tendência a apreciação da taxa real de câmbio, a qual, diga-se de passagem, é uma constante na economia brasileira ao menos desde 2005; então, mesmo passados os efeitos da atual crise econômica nos países desenvolvidos, a indústria brasileira não irá recuperar o seu dinamismo.

Se a perda de dinamismo da indústria brasileira for de caráter permanente, e ao que tudo indica é, então podemos antecipar uma redução do potencial de crescimento da economia brasileira para os próximos anos. Entre o último trimestre de 2008 e o segundo semestre de 2011, o PIB industrial cresceu a uma taxa anualizada média de 4,05%, a qual é ligeiramente superior ao crescimento observado no segundo trimestre de 2011, indicando, portanto, um viés para baixo do crescimento do PIB industrial. Supondo que a correlação entre o PIB industrial e o PIB total se mantenha constante ao longo do tempo, um crescimento de 4,05% do PIB industrial aponta para uma expansão de 3,41% do PIB geral da economia brasileira nos próximos anos.

Entre 2004 e 2010, a economia brasileira cresceu próximo de 5% em função da existência de capacidade ociosa na indústria, força de trabalho abundante e relativamente barata, preços das commodities elevados nos mercados internacionais e grande expansão do crédito doméstico. Essa conjugação de fatores permitiu uma forte expansão da demanda agregada e, consequentemente, do nível de produção e de emprego sem a ocorrência de estrangulamentos pelo lado da oferta agregada ou do balanço de pagamentos.

Contudo, essas condições excepcionais se esgotaram. Além disso, a sobre-valorização cambial não só está acelerando o processo de desindustrialização do país como também está atuando no sentido de desestimular o aumento do investimento em máquinas e equipamentos, sem o qual é impossível aumentar o ritmo de expansão da produtividade do trabalho. Nesse contexto, um crescimento sustentado de 5% desejado pelo governo é apenas um "delírio de grandeza".



José Luis Oreiro é professor do departamento de economia da Universidade de Brasília e pesquisador Nível 1 do CNPq. E-mail: joreiro@unb.br.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Os libertários e os lobistas



Por Simon Johnson  - Valor 26/01

Nos três anos desde a emergência da crise financeira mundial, surgiram duas visões dominantes sobre o que houve de errado. É crucial entendermos ambas, porque suas implicações para as autoridades monetárias - e, portanto, para a estabilidade e saúde futura da economia mundial - não poderiam ser mais importantes.

A primeira visão é a de que os governos simplesmente perderam o controle da situação, seja por incompetência ou porque os políticos defendiam apenas suas próprias agendas. É a visão observada com mais frequência na direita política - por exemplo, entre as pessoas que consideram a política imobiliária do governo como o maior problema prévio ao desmoronamento financeiro em 2008.

Nos Estados Unidos, entre os candidatos ainda concorrendo pelo Partido Republicano para poder desafiar Barack Obama na eleição presidencial de novembro, Ron Paul sobressai-se por argumentar sistematicamente que o governo é o problema, não a resposta, no que se refere ao setor bancário. Se o governo fosse afastado mais completamente do setor financeiro (inclusive com a abolição do Federal Reserve, Fed, o banco central dos EUA), argumenta Paul, a economia funcionaria melhor.

A segunda visão é a de que o setor financeiro fez lobby arduamente pela desregulamentação nas últimas décadas, tendo gastado grandes somas de dinheiro e tempo para persuadir políticos de que isso constituía uma abordagem moderna e segura para a área bancária. De acordo com essa visão, as políticas governamentais não fracassaram; ao contrário, operaram exatamente como se pretendia - e para o que foram pagas.

Se essa visão estiver correta, o tipo de receita política recomendada por Ron Paul é menos atraente. A menos que você ache que o setor financeiro moderno realmente pode operar sem regulamentação de qualquer tipo (supostamente, nem mesmo as regras de seguros de depósitos bancários), o verdadeiro problema não são as preferências políticas das autoridades, mas o que elas podem ser persuadidas a fazer pelos lobistas do setor financeiro.

Novas evidências respaldando a segunda visão agora estão disponíveis na forma de um recente estudo de Deniz Igan e Prachi Mishra, do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em "Three's Company: Wall Street, Capital Hill e K Street" (algo como, "Confusão a Três: Wall Street, Capitólio e K Street", em inglês), os autores avaliam os dados - montes de dados - sobre o lobby das empresas do setor financeiro nos EUA.

Os parlamentares, é claro, têm diferentes preferências sobre os tipos de lei que apoiam, o que pode dificultar o estudo dos mecanismos de influência política de forma mais precisa. Igan e Mishra, no entanto, abordaram o problema de uma forma perspicaz - eles observaram os casos em que autoridades eleitas mudaram de posição em votações legislativas propostas mais de uma vez. E empenharam-se profundamente para descobrir o que motivou a mudança.

Além de analisar informações sobre os gastos dos lobbies, os autores mapearam a rede de conexões dos lobistas (conhecidos coletivamente como "K Street", porque muitos têm seus escritórios em Washington nessa rua) e parlamentares. Por exemplo, muitas vezes, os lobistas haviam sido funcionários de parlamentares em suas equipes.

Os resultados são simplesmente desconcertantes - embora certamente não uma surpresa para os lobistas profissionais. Um grande aumento nos gastos em lobby ajuda a persuadir parlamentares a mudar seus votos. E "caso algum dos lobistas empenhado em projeto de lei também tenha trabalhado para um parlamentar no passado, isso inclina a posição sobre esse projeto de lei em favor da desregulamentação".

O que as firmas financeiras querem, naturalmente, é a desregulamentação - menos regras e menos supervisão de qualquer tipo. E é realmente uma questão de quem você conhece e de como você os conhece. Em particular, seu valor como lobista parece depender pesadamente de quem foi seu empregador no passado. Igan e Mishra concluíram que "gastar um dólar é quase duas vezes mais eficiente na mudança de posição de um parlamentar se o lobista tem conexões com o parlamentar, em comparação aos casos em que o lobista não tem conexões".

As pontes entre o Congresso e as firmas de lobby parecem ter sido fundamentais na forma como o setor financeiro tornou-se desregulamentado, o que na prática permitiu a assunção excessiva de risco no período prévio à crise. Em outro estudo, Igan e Mishra, trabalhando com Thierry Tressel, detectaram que as empresas que assumiram mais riscos antes de 2008 também eram as que se empenhavam mais em fazer lobby.

Basicamente, as firmas financeiras compraram o direito de assumir mais riscos. Quando a situação ia bem, os executivos dessas empresas desfrutavam a parte boa - principalmente, em termos de remuneração imediata, já que poucos executivos são remunerados com base em retornos ajustados pelo risco. Isso significa que quando os riscos se materializaram e as firmas tiveram prejuízos, os custos recaíram sobre os contribuintes.

Ron Paul está certo ao apontar desequilíbrios de poder e imensas distorções dentro do setor financeiro. Ele também está correto ao dizer que muitas políticas governamentais favorecem relativamente poucas grandes firmas - e as favorecem de uma forma que encoraja a assunção perigosa e excessiva de riscos.

Paul e outros, no entanto, estão errados ao argumentar que o governo é a causa definitiva de todos os males financeiros. Executivos das empresas financeiras querem assumir grandes riscos. Eles gostam da disposição sob a qual saem ganhando mesmo quando perdem.

As grandes firmas financeiras podem facilmente comprar a proteção política necessária (na forma de desregulamentação), o que lhes permite ficar ainda maiores e mais perigosas. Essa estrutura de incentivos tornou-se ainda mais extrema desde a crise financeira de 2008. (Tradução de Sabino Ahumada)



Simon Johnson foi economista-chefe do FMI e é cofundador do blog sobre economia BaselineScenario.com, professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional e coautor de "13 Bankers" (13 banqueiros, em inglês), com James Kwak. Copyright: Project Syndicate, 2012. Podcast no link:



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www.project-syndicate.org

As 7 lições para consertar o capitalismo



Por Martin Wolf
Financial Times
 
Três anos atrás, quando a pior crise financeira e econômica desde a década de 1930 tomou conta da economia mundial, o "Financial Times" publicou uma série sobre "o futuro do capitalismo". Agora, depois de uma recuperação fraca nos países de alta renda, o "FT" publicou uma série sobre "o capitalismo em crise". As coisas parecem ter piorado. Como podemos explicar isso?

Em 2009, o mundo encontrava-se em estado de choque. Agora, apesar dos esforços bem-sucedidos de estabilização das economias, as pessoas estão mais perto do desespero. Algo parece estar errado com o sistema. Mas o quê, e o que precisa ser feito?

O capitalismo sempre mudou. Essa é sua genialidade. Os choques de hoje justificam reformas urgentes. Consideremos sete desafios. Alguns relacionados ao próprio capitalismo, outros ao contexto em que opera.

Estabilidade inerente?

Um dos maiores debates, em economia, é se uma economia capitalista moderna é inerentemente estável. Antes da crise, a visão ortodoxa era de que seria, se tivéssemos uma economia competitiva e um banco central que ancorasse as expectativas de inflação. Os acontecimentos têm refutado essa visão.

O falecido Hyman Minsky, em sua obra-prima "Stabilizing an Unstable Economy" (estabilizando uma economia instável), produziu, incomparavelmente, o melhor relato de por que essa teoria está errada. Períodos de estabilidade e prosperidade semeiam as sementes de sua queda. A alavancagem dos retornos, principalmente mediante endividamento, é então vista como um caminho certeiro para enriquecimento. As pessoas envolvidas no sistema financeiro criam - e lucram muito com - tal alavancagem. Quando as pessoas subestimam os perigos, como o fazem nos bons tempos, a alavancagem explode.

A atividade financeira, então, progride da fase que Minsky denominou "hedge" (cautela), quando juros e capital são remunerados pelo fluxo de caixa esperado, para "especulativa", em que os juros são pagos com o fluxo de caixa, mas a dívida tem de ser rolada e, finalmente, "Ponzi" (esquema fraudulento de investimento do tipo pirâmide), em que tanto os juros como o principal tem de ser pago com ganhos de capital. Soa familiar? Certamente deveria.


Qual é a resposta? Podemos ver três elementos se colocarmos de lado a noção de que deveríamos retornar ao padrão ouro do século XIX ou suprimir o sistema bancário.

O primeiro é reconhecer que, como os críticos há muito observaram, crises são inerentes ao capitalismo de livre mercado. Isso se deve em parte à maneira como o capitalismo se comporta. Também se deve ao fato de que todos os participantes, inclusive agências reguladora e até mesmo economistas, agem e pensam pró-ciclicamente.

Segundo, a chamada política "macroprudencial" - a supervisão sobre o sistema financeiro como um todo - é importante. As agências reguladoras precisam ficar de olho no acúmulo de alavancagem. Também precisam assegurar níveis adequados de capital para absorção de prejuízos em instituições financeiras e seus tomadores finais de empréstimos.

Finalmente, o governo e suas agências, inclusive o banco central, têm um grande papel. Eles agiram como forças de estabilização durante a crise. Mas eles também atuaram como forças desestabilizadoras antes da crise: os bancos centrais reagiram com extrema agressividade a recessões incipientes em décadas anteriores e os governos estavam por demais dispostos a incentivar alavancagem excessiva no setor das famílias. Esses erros graves não devem ser repetidos.

Dando um jeito nas finanças


O sistema financeiro é uma parte essencial de qualquer economia de mercado. Mas baseia-se em uma rede complexa e frágil de confiança. A lição da crise é que essas redes tendem a ser alvo de abuso e, então, sofrer colapsos.

Mais uma vez, qual é a resposta? É proteger o mundo financeiro da economia e a economia do mundo financeiro. Isso exige amortecedores maiores. Se essa mudança for feita, as disciplinas normais do mercado poderão operar como deveriam: seria o fim de "grandes demais e interligados demais para falir". No entanto, erros ainda serão cometidos. As pessoas são sempre influenciadas por ondas e modas do momento. Mas se o sistema financeiro for mais robusto, estará em melhor condição para sobreviver a tais erros.

Quais são os elementos dos amortecedores de choques? O mais importante é muito mais capital. As instituições financeiras centrais não devem, em longo prazo, ficar alavancadas em proporção superior a dez para um. Um requisito adicional é um regime de resolução que permita às autoridades agir prontamente quando as instituições estiverem à beira de perder sua capacidade de financiar-se. Além disso, como a comissão independente do Reino Unido para o setor bancário (do qual o autor deste artigo era membro) também recomendou, a gestão do sistema de pagamentos e a provisão de crédito às famílias e às pequenas e médias empresas deveria ser mantido separado da atividade bancária de investimentos, para eliminar subsídios implícitos.

Finalmente, com demasiada frequência, os consumidores não conseguem compreender o que estão comprando. O princípio "caveat emptor" - o comprador que se acautele - não funciona. As pessoas necessitam proteção contra as práticas predatórias notórias vistas nos EUA no caso dos empréstimos subprime antes de 2008.

Desigualdade e emprego

Como mostrou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), think-tank com sede em Paris, em relatório recente, países de alta renda têm registrado grandes aumentos na desigualdade ao longo das últimas três décadas. Esse fato é capturado no slogan do movimento de protesto Ocupem Wall Street: "Nós somos os 99%". O aumento da desigualdade é resultado de forças complexas: globalização, mudanças tecnológicas, mercados onde "o vencedor leva tudo", nascimento de setores novos e dinâmicos, mudanças nas normas sociais envolvendo remuneração, ascensão do mundo financeiro e mudanças na tributação.

Muitas dessas mudanças eram irresistíveis e são irreversíveis. Mas o nível e o crescimento da desigualdade varia, efetivamente, de país para país, o que sugere que estruturas econômicas e políticas econômicas modificam os resultados. A partir da década de 1980, os EUA e o Reino Unido, por exemplo, viram uma elevação muito mais rápida da renda real no decil superior do que no decil inferior da distribuição de renda domiciliar. Na França, isso foi no rumo oposto.

Muitos argumentariam que a desigualdade não é importante. Para isso, há duas respostas poderosas. A primeira é que é importante se for politicamente relevante. E é. A segunda é que a desigualdade de consequências tem forte influência sobre a igualdade de oportunidades, sobre a qual muito mais pessoas se importam. É mais difícil para as crianças que crescem em privação terem acesso a um começo razoável, na vida, do que as pessoas criadas em condições mais felizes. O esforço torna-se ainda mais difícil se os pais não conseguem encontrar trabalho que os remunerem adequadamente e os jovens não têm chance disso ao entrar no mercado de trabalho.

Quais são as respostas? Entre elas está, necessariamente, uma explícita redistribuição fiscal dos vencedores para os perdedores, e particularmente para os filhos dos perdedores; subsídio ou disponibilização direta de postos de trabalho; grandes esforços para melhorar a qualidade da educação e dos cuidados com a infância para todos, inclusive financiamento público de acesso ao ensino superior e uma determinação no sentido de sustentar a demanda de forma mais eficaz em meio a crises graves.

Governança empresarial

A instituição nuclear do capitalismo contemporâneo é a companhia de responsabilidade limitada. É uma brilhante invenção social. Mas tem falhas inerentes, sendo a mais importante delas a de que as companhias não têm, efetivamente, donos. Isso as torna vulneráveis a ser saqueadas. Incentivos supostamente concedidos para alinhar os interesses dos funcionários de mais alto escalão com os dos acionistas, como opções (de compra) de ações, criam incentivos à manipulação dos lucros das empresas à custa da saúde de longo prazo da companhia. O controle pelos acionistas é frequentemente uma ilusão e a maximização de valor para o acionista é uma armadilha, ou pior.

Qual é a resposta? Infelizmente, não existe remédio simples. As companhias são a melhor instituição que conhecemos para execução de empreendimentos grandes, complexos e dinâmicos. É certamente importante assegurar que tributação e regulamentação não obstruam outras formas de controle proprietário, como sociedades e sociedades mútuas. É vital incentivar a criação de conselhos diretores genuinamente independentes, diversificados e bem-informados. É sensato que pacotes de remuneração sejam transparentes e que sejam eliminados quaisquer incentivos a formas destrutivas de remuneração. Mas, exceto em bancos, onde o interesse social exige intervenção nos incentivos de gestores, os governos não devem intervir diretamente.

Mudando a tributação

O ímpeto geral das discussões políticas, muito particularmente nos Estados Unidos, é contra toda e qualquer tributação. No entanto, os impostos têm um papel decisivo, para o bem e para o mal, na determinação de como funciona a economia de mercado. Os impostos determinam os recursos disponíveis para a disponibilização de bens e serviços públicos essenciais. Finalmente, os impostos podem fazer uma grande diferença no que diz respeito à desigualdade.

Quais são as respostas? Uma das tarefas mais importantes é eliminar os incentivos à alavancagem incorporados nos impostos sobre pessoas físicas e empresas. No que diz respeito à tributação sobre empresas, tratar ações e dívida em iguais condições pode reduzir significativamente a fragilidade. Outra ideia sensata é transferir a carga tributária da renda para o consumo e a riqueza. Ainda outro objetivo é assegurar que as pessoas mais ricas paguem impostos. Atualmente, uma série de brechas legais protegem os ricos, inclusive a possibilidade de converter renda em ganhos de capital. Parte disso exige cooperação em nível mundial, algo terrivelmente difícil de obter.

Proteção à política

Entre as maiores preocupações deve estar a relação entre os ricos e a política democrática. Política e mercados têm, cada um, suas esferas adequadas. O mercado se baseia nos papéis das pessoas como produtores e consumidores. A política se baseia em seus papéis como cidadãos. Na ausência de proteção para o mundo político, o resultado é plutocracia. Plutocratas gostam de sistemas políticos e econômicos fechados. Mas se têm êxito, eles minam o acesso aberto do qual dependem a política democrática e uma economia de mercado competitiva. Proteger a política democrática contra a plutocracia é um dos maiores desafios para a saúde das democracias.

O que fazer? Para proteger a política das investidas do mercado é necessária a regulamentação do uso do dinheiro nas eleições e da disponibilização de recursos públicos para as pessoas nelas envolvidas. É inescapável ao menos um financiamento público parcial de partidos e eleições.

Globalização de bens públicos

Por fim, porém não menos importante, o capitalismo contemporâneo é globalizado. Isso cria uma série de desafios e restrições.

Um problema é como regulamentar as empresas que operam em vasta escala mundial. Isso revelou-se particularmente difícil no mundo financeiro. Há duas opções: alinhar apoio em momentos de dificuldade com regulamentação em nível nacional e assim acabar com o sistema financeiro global integrado ou alinhar um apoio a regulamentação em níveis mais elevados e avançar para uma política europeia ou mundial mais integrada.

Em plano mais amplo, o descompasso entre o nível em que opera a política e os níveis em que o mundo dos negócios e a economia funcionam é uma preocupação. Entre as questões que isso levanta está como fornecer uma série de bens públicos mundiais mediante acordo entre uma série de Estados bastante distintos. Esses bens compreendem mercados abertos, estabilidade monetária e financeira, segurança e, acima de tudo, proteção do ambiente.

Quais são as respostas? Em mais longo prazo, a resposta estará provavelmente em mais governança em nível mundial. Será isso viável? Não no futuro próximo, em muitas áreas.

Uma crise, já se disse, "é uma coisa terrível de se desperdiçar". O capitalismo sempre mudou. O sistema precisa mudar agora para que possa sobreviver e prosperar. Precisamos encontrar as reformas práticas específicas dentro do capitalismo e rever o referencial em que atua.

Mas capitalismo precisa continuar sendo capitalismo. É extremamente imperfeito. Mas também somos imperfeitos. O capitalismo continua sendo um sistema econômico excepcionalmente flexível, ágil e inovador. Pode estar "em crise" agora. Mas continua sendo uma das invenções mais brilhantes da humanidade. É a base da prosperidade que tantos hoje desfrutam e a que muitos mais aspiram. Está transformando a vida de bilhões de pessoas. Esforcemo-nos para torná-lo melhor.

Crises têm o poder de desencadear reformas estruturais


Por Financial Times

O capitalismo tem um extraordinário instinto de sobrevivência. Isso se deve, em parte, ao fato de as crises desencadearem reformas que o tornam mais robusto, eficaz e politicamente legítimo. Quanto maior a crise, maiores as reformas. Como a Grande Depressão da década de 1930 foi a maior crise econômica da história, ela gerou reformas igualmente substanciais. A Segunda Guerra Mundial colaborou nesse esforço, ao enfatizar as terríveis consequências de crises, aglutinando os aliados e tornando a sociedade mais coesa.

As reformas resultantes nasceram da própria experiência e da revolução no pensamento econômico - o keynesianismo - que a experiência deflagrou. Muitos governos, inclusive o dos EUA, promulgaram o objetivo do pleno emprego e aceitaram o papel primordial da política fiscal. O objetivo do pleno (ou "máximo") emprego continua sendo, juntamente com a estabilidade de preços, uma das missões geminadas do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA). A economia keynesiana também moldou o pensamento sobre o novo regime monetário mundial, consagrado no Fundo Monetário Internacional. O objetivo de conversibilidade monetária foi, em consequência, limitado a transações em conta corrente, uma vez que os fluxos de capitais livres eram considerados desestabilizadores.

A experiência da década de 1930 produziu três reformas adicionais.

A primeira foi a regulamentação financeira e os controles sobre os fluxos de capital. Nos EUA, a lei Glass-Steagall separou as atividades bancárias de investimento das operações bancárias comerciais. Controles rígidos sobre o mundo financeiro foram introduzidos em toda parte.

A segunda área de reformas foi o nascimento, ou pelo menos o rápido desenvolvimento, do Estado de bem-estar social em muitos países. Nos EUA, isso foi produto do New Deal, de Franklin Delano Roosevelt. No Reino Unido, o relatório Beveridge abriu caminho para o Estado de bem-estar atual. Ideias semelhantes sobre a disponibilização, pelo Estado, de uma rede de segurança social disseminaram-se por todo o Ocidente.

Finalmente, após a Segunda Guerra Mundial, teve início uma reversão cuidadosamente administrada do protecionismo dos anos 1930. Ela foi consagrada no Acordo Geral de Tarifas e Comércio e, em última instância, na Organização Mundial do Comércio; e também nos precursores da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da União Europeia.

A crise atual é menor do que a da década de 1930 - até agora. No entanto, trata-se de um evento de grandes proporções, especialmente em associação com uma migração do poder econômico para o Oriente. Se isso trará grandes reformas ainda não está claro. Mas é possível.


quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O fim de uma era para as exportações do Japão



Por Phred Dvorak e Takashi Nakamichi
The Wall Street Journal, de Tóquio

Uma das maiores potências exportadoras do mundo está perdendo força.

Durante décadas, o Japão usou uma combinação de poder industrial e uma política de comércio exterior voltada à exportação para inundar mercados ao redor do mundo com seus carros, eletrônicos e semicondutores.
Isso acabou.
O governo japonês estava para anunciar na manhã de quarta-feira - ontem à noite em Brasília - que o país registrou seu primeiro déficit comercial anual desde 1980. Se o iene continuar forte e a demanda mundial fraca, o Japão pode ter déficits pelos próximos anos, alertam economistas.

A impressionante mudança é, em parte, resultado de fatores temporários como os desastrosos terremoto e tsunami de março passado, que destruíram fábricas, aleijaram cadeias de suprimento e paralisaram muitos dos reatores nucleares do país. Mas o sismo parece ter acelerado tendências - como uma queda na competitividade das empresas - que há anos vinham ganhando corpo enquanto a superpotência exportadora se transformava num país de aposentados.

Mais e mais empresas japonesas estão transferindo produção para fora do país. "Este é um momento crucial para nós", diz Masahiko Mori, presidente da fabricante de máquinas-ferramentas Mori Seiki Co., que foi fundada em 1948 e este ano está abrindo sua primeira fábrica fora do Japão - nos Estados Unidos. Mori diz que, dentro de cinco anos, ele quer fazer cerca de 40% das máquinas da Mori Seiki fora do Japão.

Se antigamente o Japão forçava o resto do mundo a marchar no seu ritmo, agora a país está sendo varrido por grandes forças globais fora de seu controle. O forte crescimento de economias como China e Brasil empurrou para cima o custo que o Japão paga por petróleo, gás e terras-raras que importa para fabricar máquinas fotográficas, celulares ou carros. Mori diz que os preços de metais terras-raras dobraram o custo de ímãs usados nos motores que sua empresa necessita.

As doenças fabris do Japão estão se refletindo na balança comercial. Para os primeiros 11 meses de 2011, o país divulgou um déficit comercial de 2,3 trilhões de ienes (US$ 30 bilhões), depois de ter tido superávit de 6,6 trilhões de ienes para todo o ano de 2010. Analistas dizem que é quase impossível para o país divulgar um superávit grande o bastante no relatório desta quarta, referente a dezembro, para superar o déficit do resto do ano.

"Eu não nego que existe uma tendência que pode levar a um déficit comercial de longo prazo, se não fizermos nada", disse o ministro da Economia e do Comércio Exterior, Yukio Edano, ao The Wall Street Journal na semana passada.
Hiromichi Shirakawa, um ex-diretor do banco central, o Banco do Japão, que hoje chefia análise econômica no Credit Suisse em Tóquio, prevê que o Japão vá ter déficit comercial este ano, assim como em 2011. Ele diz que não há chance de voltar a superávits enquanto o iene permanecer perto de seus recordes de alta em relação ao dólar, os combustíveis continuarem caros e a demanda mundial relativamente fraca.

Salientando as dificuldades do país, o Banco do Japão anunciou ontem que espera que a economia se contraia em 0,4% neste ano fiscal, revisando uma projeção anterior de um ganho de 0,3%. O banco central afirmou que o enfraquecimento de outras economias e a valorização do iene continuam a impedir o crescimento do país.

É uma situação tenebrosa para o Japão. Se os déficits comerciais continuarem, o país pode passar de um constante provedor de capital para um devedor líquido. O Japão pode acabar tendo de financiar uma dívida que já é maior que a da Itália como porcentagem da economia. Embora o iene esteja tão alto agora, ele vai acabar despencando se o Japão continuar com déficits. Um iene fraco ajudaria os industriais japoneses, mas causaria estrago numa economia cada vez mais dependente de importações.

Nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, o Japão praticamente inventou o crescimento liderado por exportações, gerando uma impressionante criação de riqueza propagandeada pelos líderes nacionais como o "milagre japonês". Um grande alvo das exportações foi a então pujante economia americana - e os carros japoneses fizeram tanto sucesso nos EUA, que em 1981 o governo começou a pressionar as montadoras do Japão a limitar "voluntariamente" suas exportações. Depois, os EUA acusaram o Japão de despejar semicondutores baratos nos mercados mundiais.

Como parte de um esforço para enfrentar a potência exportadora japonesa, os EUA, as maiores economias da Europa e o Japão assinaram o Acordo de Plaza em 1985 - batizado com o nome do hotel nova-iorquino onde foi assinado - para reforçar o iene ante as maiores moedas do mundo, o que aumentava o custo de produtos feitos no Japão no mercado internacional. O acordo teve um forte impacto sobre o câmbio: o iene subiu de 239 por dólar em 1985 para 128 em 1988.

Mas a mudança não acabou tendo o efeito desejado de encolher os enormes superávits comerciais do Japão, em parte porque as autoridades japonesas tentaram mitigar o impacto econômico inundando a economia com dinheiro barato. A consequente bolha de ativos criou grandes distorções na economia e nos mercados financeiros do Japão, e seu estouro deu início a duas décadas de estagnação. O trauma do Acordo de Plaza tem sido mencionado por autoridades chinesas como um grande motivo pelo qual hesitam em responder à pressão similar dos EUA hoje para apreciar o yuan.

Manufaturas japonesas em anos recentes começaram a perder terreno para rivais de países como a China ou a Coreia do Sul, cujos produtos geralmente são tão bons quanto os japoneses e cujos custos são muito menores. Uma pesquisa de 2010 com executivos mundiais de manufatura, conduzida pela Deloitte Touche Tohmatsu e pelo Conselho de Competitividade dos EUA, projetou que o Japão continuaria a ficar para trás de países em desenvolvimento e também dos EUA em competitividade de manufatura pelos próximos anos, conforme a população envelhece e o custo de fabricar produtos no país cresce.

Intensa concorrência no exterior tem derrubado os preços que pesos pesados da manufatura japonesa, como Toyota Motor Co. ou Sony Corp., podem obter por seus produtos no exterior, enquanto o iene forte tem tornado mais difícil extrair lucros.

O desastre nuclear na usina Fukushima Daiichi, que na prática paralisou o uso de energia nuclear no Japão por enquanto, também está levando a um aumento nos preços de energia.

A operadora da usina, a Tokyo Electric Power Co., anunciou semana passada uma alta de 17% em média, a primeira desde 1980, em suas tarifas básicas de eletricidade para empresas, citando uma maior dependência de petróleo em face da resistência do público quanto a religar os reatores.

Outras empresas japonesas de serviços públicos também estão tendo dificuldades para reiniciar reatores. E o governo está alertando que todas as usinas nucleares do país - que respondiam por cerca de 30% da energia consumida pelo Japão um ano atrás - poderiam permanecer fechadas durante o verão, quando a demanda por eletricidade chega ao pico. Isso pode implicar racionamento ou até apagões programados. As empresas se preparam para o pior. Mori, por exemplo, está lançando medidas de economia de energia em suas fábricas.

Alguns dizem que os desastres só aceleraram uma mudança muito mais ampla na economia do Japão. "Isso é parte do processo de se tornar uma economia madura", diz Hiroyuki Ishige, que foi uma autoridade comercial do país nos anos 80 e agora chefia a Organização de Comércio Exterior do Japão. A entidade surgiu em 1951 com o objetivo de promover as exportações japonesas, e desde então passou a encorajar o investimento no Japão, assim como a dar consultoria para pequenas empresas que querem entrar no mercado internacional, diz ele.

O Japão ainda é um país rico, com uma gama de indústrias que têm grandes fatias no mercado mundial de vários produtos, de automóveis a endoscópios. Alguns dos fatores que têm derrubado as exportações do país são temporários, como a queda na demanda internacional por produtos causada pela fraqueza econômica na Europa e a alta do iene diante do dólar e do euro. Um enfraquecimento da moeda japonesa poderia mudar a equação em favor dos industriais japoneses.

E o Japão ainda tem 251 trilhões de ienes a mais em reservas estrangeiras e investimentos - como títulos de dívida do Tesouro dos EUA - do que outros países detêm em papéis japoneses, segundo o Ministério da Fazenda. Isso é um superávit de capital maior do que o de qualquer outro país.

"É verdade que a tendência é de déficits comerciais, mas enquanto o Japão continuar tendo superávit em conta corrente, isso não importa", diz Eisuke Sakakibara, uma ex-autoridade econômica. A conta corrente reflete a diferença entre o que um país poupa e o que ele investe. Ela inclui a importação de bens e serviços, mais o retorno sobre investimentos no exterior, em comparação com as exportações. Quando a conta corrente fica negativa, isso quer dizer que os investimentos domésticos estão sendo financiados com dinheiro estrangeiro.

O enfraquecimento da balança comercial do Japão ocorre quando uma população que está envelhecendo e décadas de crescimento quase zero corroem a poupança que os japoneses amealharam quando a economia estava em alta. Isso, por sua vez, alimenta temores de que o Japão tenha, cedo ou tarde, dificuldades para financiar seus quase 1 trilhão de ienes em dívida pública.

A Mori Seiki, de Mori, é um exemplo das forças que estão atuando sobre o Japão. A empresa faz máquinas usadas na fabricação de carros, aviões e outros produtos. Ela faz 98% de suas máquinas no Japão, usando peças fornecidas por empresas japonesas.

Isso foi um problema ano passado, depois do terremoto e tsunami que tornaram certos componentes difíceis de encontrar.

Além disso, a Mori Seiki agora ganha cerca de 65% de seu faturamento de US$ 1,5 bilhão fora do país, e ela tem sofrido com a valorização do iene.

Mori diz que, quando US$ 1 compra 80 ienes ou menos - hoje compra cerca de 77 -, fica mais lucrativo fabricar nos EUA equipamentos que serão vendidos nos EUA. No ano passado, ele decidiu abrir uma fábrica na Califórnia, onde ele espera produzir cerca de 20% dos produtos da Mori Seiki, além de outros 20% na Europa.

A fome mundial de bens públicos



Por Martin Wolf  - Valor 25/01

Bens públicos são os elementos constituintes da civilização. A estabilidade econômica é, em si mesma, um bem público. Também o são segurança, ciência, ambiente limpo, confiança, governança honesta e liberdade de expressão. A lista poderia ser bem maior. Isso é relevante, porque é difícil conseguir um suprimento adequado desses bens. Quanto mais mundiais os bens públicos, mais difíceis de obter. Ironicamente, quanto mais nos capacitamos a ofertar bens privados e, assim, mais ricos nos tornamos, mais complexos são os bens públicos de que precisamos. Os esforços da humanidade no sentido de enfrentar esse desafio poderão revelar-se a história definidora do século.

A leitura da série Capitalismo em Crise, do "Financial Times", sublinha essa lição. Um elemento central do debate é a forma de evitar instabilidade financeira extrema. Essa instabilidade é um mal público. Evitá-la é um bem público. Aqueles que agem no sistema de mercado não têm nenhum incentivo para disponibilizar o bem ou evitar o mal.

Para os não familiarizados com essa terminologia, o que é um bem público? No jargão, um bem público é "não excludente" e "não competitivo". Não excludente significa que não se pode impedir não pagadores de desfrutar os benefícios. Não competitivo significa que seu desfrute por uma pessoa não se dá à custa de outra. A defesa nacional é um bem público clássico. Se um país mantém-se a salvo de ataques, todos se beneficiam, inclusive os residentes que em nada contribuem. Novamente, o desfrute dos benefícios por alguns não reduz o defrute por outros. Da mesma forma, se a economia mantém-se estável, todos gozam o benefício e ninguém pode ser privado desse direito.

Bens públicos são um exemplo daquilo que os economistas denominam "falha de mercado". Esse aspecto é generalizado na terminologia relativa a "externalidades" - consequências, boas ou más, não levadas em conta por aqueles que tomam as decisões. Nesses casos, a mão invisível de Adam Smith não funciona como poderíamos desejar. Alguma forma precisa ser encontrada para mudar comportamentos; bens públicos normalmente envolvem alguma verba estatal; as externalidades geralmente envolvem um imposto, um subsídio ou alguma mudança em direitos de propriedade. Economistas de livre mercado, como Tyler Cowen, da George Mason University, preferem este último.

Os economistas tendem a assumir que a economia de mercado é intrinsicamente estável. Se assim fosse, a estabilidade seria disponibilizada automaticamente. Infelizmente, as coisas não são assim. A economia de livre mercado pode expandir o crédito sem limites, a custo zero. Uma vez que a oferta monetária é simplesmente o passivo contraparte de decisões de crédito privadas, a instabilidade é um ingrediente do bolo econômico. Por essa razão, a estabilidade econômica é um bem público que temos grande dificuldade em suprir. As consequências de repetidos fracassos nesse sentido também podem ser terríveis. Até mesmo o falecido Milton Friedman acreditava na necessidade de intervenção governamental, por meio de bancos centrais, para evitar longas séries de colapsos bancários.

Muito mais pode ser dito sobre as facetas de bem público da estabilidade financeira e econômica. Mas há um aspecto mais profundo em tudo isso. A história da civilização é a história de bens públicos. Quanto mais complexa a civilização, tanto maior o número de bens públicos que precisam ser fornecidos. A nossa civilização é, de longe, a mais complexa que a humanidade já desenvolveu. Por essa razão, sua necessidade de bens - e bens com características de bens públicos, como educação e saúde - é extraordinariamente grande. A instituição que, historicamente, disponibiliza bens públicos é o Estado. Mas não está claro se os Estados contemporâneos têm condições de - ou se lhes será permitido - disponibilizar bens que agora exigimos.

A história dos bens públicos remonta ao nascimento dos Estados, que foram resultado da revolução agrícola. Essa revolução tornou populações vulneráveis a salteadores - que o falecido Mancur Olson denominou "bandidagem errante". A reação foi o "bandido estacionário": o Estado. Não foi uma resposta perfeita. Mas funcionou o suficiente para permitir aumentos substanciais de população. O Estado provia defesa em troca de tributação. Os impérios - seja Roma ou a China - gozaram de economias de escala ao oferecer segurança. Quando Roma caiu, a segurança foi privatizada por gangsters local, a enorme custo social: foi o que hoje denominamos feudalismo.

A revolução industrial expandiu as atividades do Estado de inúmeras maneiras. Isso ocorreu fundamentalmente por causa das necessidades da própria economia. Os mercados não poderiam, por conta própria, disponibilizar uma população educada ou grandes infraestruturas, defender a propriedade intelectual, proteger o ambiente e a saúde pública, e assim por diante. Os governos sentiram-se obrigados a - ou tiveram prazer em - intervir, como fornecedores e agentes regulamentadores ou subsidiadores e coletores de impostos. Além disso, a chegada da democracia tornou crescente a demanda por redistribuição, em parte como resposta à insegurança dos trabalhadores. Por todas essas razões, o Estado moderno, muito mais poderoso do que qualquer outro antes existente, explodiu, em termos do leque e da escala de suas atividades. Será, isso, revertido? Não. Será que funciona bem? Essa é uma boa pergunta.



Mas considere onde estamos agora. O impacto da humanidade é, como o da economia, cada vez mais mundial. A estabilidade econômica é um bem público mundial. O mesmo vale, na era das armas nucleares, para a segurança. E o mesmo vale, em aspectos importantes, para o controle do crime organizado, falsificação, pirataria e, acima de tudo, poluição. E também, até mesmo, para a oferta de educação ou de serviços de saúde. O que acontece em qualquer lugar afeta a todos - e cada vez mais.

Nossos Estados não podem fornecê-los por conta própria. Eles precisam cooperar. Tradicionalmente, a maneira menos ruim de assegurar essa cooperação é através de algum tipo de liderança. O líder atua a despeito dos que vão de carona. Em consequência, alguns bens públicos globais têm sido supridos adequadamente - ainda que imperfeitamente. Mas à medida que avançamos novamente para uma era multipolar, a capacidade de algum país suprir tal liderança será limitado. Mesmo nos dias unipolares, isso só funcionou onde a potência hegemônica quis fornecer o bem público em questão.

Eu comecei falando de estabilidade econômica porque a grande surpresa dos últimos anos é exatamente com tem sido difícil proporcionar até mesmo isso. A questão com que quero concluir é muito mais ampla. Nossa civilização é cada vez mais mundial, exigindo a prestação de uma ampla diversidade de bens públicos. Precisamos pensar sobre como administrar esse mundo. Será necessária uma criatividade extraordinária. (Tradução de Sergio Blum)



Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

PETROFOSTER

Valor 24/01

"ADilma do Petróleo". A frase é quase inevitável quando se conversa com alguém que convive ou conviveu profissionalmente com Maria das Graças Silva Foster, 58 anos, ou simplesmente Graça Foster, indicada pela presidente Dilma Rousseff para substituir José Sérgio Gabrielli na presidência da Petrobras, a estatal que é a maior empresa do país e uma das maiores do mundo no setor.

Depois que a notícia foi confirmada em um comunicado da estatal informando que o nome de Graça Foster será indicado na próxima reunião do conselho da empresa, marcada para o dia 9 de fevereiro, as ações da Petrobras subiram no pregão da BM&FBovespa: as ordinárias, 3,6%, e as preferenciais, 3,94%.

Graça Foster é uma mineira que cresceu em favela do Rio de Janeiro nos anos 50, o Morro do Adeus (zona norte), que hoje faz parte do Complexo do Alemão, ocupado pela polícia em 2010. Foi lá que viveu até os 12 anos de idade, quando a família mudou-se para a Ilha do Governador (zona norte). No morro, começou a trabalhar, aos 8 anos, como catadora de papel, garrafas e latas que vendia para comprar material escolar.


Ao contar sem pieguice a infância dificílima em entrevista no ano passado, Graça protestou quando ouviu a repórter concluir que era estudiosa para chegar onde chegou. Afinal, é uma tarefa e tanto formar-se em engenharia química, ter mestrado em engenharia de fluidos, pós-graduação em engenharia nuclear e MBA em economia saindo de uma infância com tão poucos recursos. Ela discordou.

"Eu sempre estudei porque precisava estudar, precisava sobreviver e cuidar da minha mãe", corrige. Essa trajetória, sem dúvida, ajudou a moldar sua personalidade adulta. "A necessidade que eu tive de superar a mim mesma tantas vezes desde a minha infância me trouxe muita força, muita coragem e muita confiança. Tive que comprar minha borracha, minha caneta e acho que começou aí a necessidade de cuidar de mim e o entendimento que eu tinha também que cuidar dos meus pais", contou.

Ainda na faculdade, Graça teve a filha Flávia, que lhe deu a neta Priscila. As três são virginianas. Do terceiro casamento, nasceu o filho Colin Foster, que tem o mesmo nome do pai.

A comparação da engenheira com a presidente da República, avalista da ascensão profissional recente, é feita pelos observadores sob dois pontos de vista que se relacionam: a fama de eficiência técnica e de dureza no trato profissional que ambas ostentam e que, no caso da futura presidente da Petrobras, lhe rendeu um impressionante histórico de admiração mesclada com temor.

A indicação de Graça era esperada há mais de um ano e por isso não causou surpresa no mercado. Fontes ligadas à indústria não acreditam que a mudança na Petrobras ficará apenas na presidência. A primeira grande pergunta é quem vai substituir Graça na diretoria de gás e energia. O nome mais lembrado pelo mercado é o de José Lima de Andrade Neto, funcionário de carreira da estatal, ex-secretário de petróleo e gás do Ministério de Minas e Energia e atual presidente da BR Distribuidora, cargo que assumiu substituindo Graça. Mas a executiva também pode ter negociado sua substituição por um de seus gerentes-executivos.

Os nomes mais cotados são o de Richard Olms (responsável por logística e participações em Gás Natural) e o de Antonio de Castro (marketing e comercialização de gás e energia). Também são grandes as expectativas de mudança em outras diretorias, como a de exploração e produção (com Guilherme Estrella) e da área internacional, que hoje é dirigida por Jorge Zelada por indicação do PMDB do Rio de Janeiro.

Graça Foster conheceu a presidente Dilma Rousseff em 1998, quando trabalhava na TBG, empresa controlada pela Petrobras responsável pela construção e operação do trecho brasileiro do Gasoduto Bolívia-Brasil. "Ela era secretária de energia do Rio Grande do Sul. Começamos a trabalhar juntas e estamos juntas trabalhando, assim como os outros diretores estão juntos trabalhando com a presidenta. O governo é o controlador e ela representa o controlador", explicou Graça em entrevista no ano passado.

Uma das mudanças que a executiva deve fazer no comando da Petrobras é a adoção de um sistema de gerenciamento em todas as área da empresa com os projetos catalogados e com sua base orçamentária anexada. A executiva é extremamente organizada e toda a carteira de projetos da área de gás e energia segue esse padrão. Trabalhadora compulsiva, Graça é uma chefe exigente com prazos e metas. Atrás de sua mesa ela tem um calendário de "marcos" que detalha datas das diferentes fases de todas obras da sua área. Em um dia de novembro do ano passado estava marcado o vencimento do prazo de autorização para construção e montagem da estação de compressão de Pilar. O quadro com os marcos de 2011 foi arquivado em novembro e substituído pelo de 2012, onde já estão previstos todos os projetos da área de gás e energia que fazem parte do Plano Estratégico da Petrobras até 2016.

"É a forma mais primitiva de gestão, a mais simples, você saber o que tem que fazer. Todos os gerentes sabem o que precisam fazer, e os coordenadores dos projetos sabem todos os marcos", explicou Graça em uma entrevista ao Valor no final do ano passado.

É possível perceber por aí que não deve ser fácil ter como chefe um "trator" como esses. Nos corredores da Petrobras, muitas histórias, com os exageros da transmissão oral, ilustram essa fama. Uma delas conta que, já como diretora de Gás e Energia da empresa, Graça pediu a uma pessoa da sua equipe um determinado trabalho. Conhecedora do estilo explosivo da chefe quando alguma coisa não saía como ela desejava, essa pessoa decidiu gravar o pedido para não cometer erros.

Dito e feito: na hora que recebeu o trabalho solicitado, na frente de várias pessoas, a diretora disse que estava tudo errado e que não fora aquilo que ela pedira. Como o célebre cacique Juruna, a pessoa recorreu ao gravadorzinho com o objetivo de mostrar que agira de acordo com a ordem recebida. Em um acesso de fúria, Graça então arremessou o equipamento que se espatifou contra a parede.

Dias depois, a pessoa ofendida recebeu um pequeno presente: ao abrir, verificou que era um gravador igual ao que perdera. Junto, havia um pedido de desculpas. Essa segunda parte evidencia outra face do temperamento da nova indicada para presidir a Petrobras: um misto de dureza extrema com ternura, ao melhor estilo de Ernesto Che Guevara, que, passado o rompante, a faz admitir seus excessos e se desculpar.

Por essas e outras é que um profundo conhecedor da Petrobras e do setor como um todo deu seu diagnóstico acompanhado de um pedido de discrição quanto ao seu nome: "Na média geral, a troca (de Gabrielli por Graça) é positiva para a empresa, só não sei se também para o subordinados".

Para esse observador, a futura presidente da estatal tem pulso firme e conhecimento do setor suficientes para corrigir problemas que a empresa vem enfrentando nos últimos anos. Um deles, a insistente desconfiança do mercado quanto à sua capacidade de gerar receita suficiente para remunerar consistentemente seus acionistas.

Graça chega cedo ao escritório, trabalha muito -há cinco anos não tira férias- e cobra mais ainda. Às vezes, prefere ouvir os técnicos de campo a seus pares de diretoria, deixando esses últimos um tanto constrangidos.

Mas a seu crédito consta o esforço recente para aumentar a disponibilidade de gás natural no mercado, seja com geração o própria ou com importação, minimizando a insegurança quanto ao abastecimento, especialmente para fins de geração elétrica. No comando da BR Distribuidora teria, entre outros, o mérito de combater incansavelmente os fraudadores de combustíveis que colocaram em cheque os mercados de distribuição e de revenda.

O físico Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), afirmou que discutiu muito com Graça no tempo do apagão elétrico brasileiro (em 2001), a criação de um programa específico para destinação do gás para a geração elétrica.

Para ele, ficou uma imagem de eficiência e trabalho. Quanto à fama de durona, o também polêmico diretor da Coppe tem um ponto de vista simples: "A gente não precisa de moleza".

O analista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), conhecido como um ferrenho adversário de Pinguelli, concorda com o diretor da Coppe quanto a Graça Foster. Pires vê na futura presidente da estatal a imagem de profunda conhecedora da empresa, onde está desde 1978, e o nome mais acertado para substituir Gabrielli.

Permanentemente preocupado com a rentabilidade da estatal para os acionistas privados, o técnico vê na relação estreita da presidente da República com a futura presidente da Petrobras a chance de a empresa ter uma gestão mais técnica e menos política que corrija as distorções há muito apontadas pelo mercado como causa da baixa rentabilidade da empresa.

A fama de durona e de íntegra não evitou que fossem levantadas suspeitas de favorecimento pela Petrobras da empresa C. Foster, pertencente a Colin Foster, atual marido de Graça. As suspeitas referem-se a 42 contratos, sendo 20 sem licitação, que a estatal teria assinado com a C. Foster para a compra de componentes eletrônicos desde que a futura presidente assumiu a diretoria de Gás e Energia da empresa. Segundo a Petrobras, nenhum contrato foi assinado com a área dirigida por Graça.

O risco externo dos bancos brasileiros



Por Sílvio Figer - Valor 24/01

Os desdobramentos da crise internacional nas economias centrais, desde o seu início, apontam para o verdadeiro fantasma dos bancos centrais: o mercado de crédito interbancário. Apesar de mencionado no noticiário quase que apenas nas entrelinhas - por motivos nada inocentes -, se prestarmos atenção, é este o alvo de todas as medidas de salvamento; e é esta a medida do quase-pânico com que os bancos centrais atuam, atropelando qualquer parâmetro de política monetária.

Nem é para menos. É no mercado interbancário que os bancos se financiam, trocando posições de excesso e falta de dinheiro, diariamente, em volumes que, em muitos casos, excedem o valor de seus patrimônios líquidos. Não bastasse tal disparate de risco, o leitor atento terá anotado o prazo de giro: diário. A cada dia se joga, nas mesas de operações, a liquidez do sistema financeiro inteiro. E isto implica em uma sutileza despercebida: os bancos centrais sempre estiveram preparados para uma corrida bancária, que requer uma rápida injeção de liquidez no banco-alvo para ser debelada

Já no mercado interbancário não há corrida, nem banco-alvo. O que há é uma súbita suspensão do crédito interbancário, por um surto de desconfiança entre todos os bancos, simultaneamente. É o temido risco sistêmico.

Um evento do gênero desencadearia uma quebradeira em cascata que, dada a globalização do sistema, atingiria a totalidade do sistema internacional, em questão de dias. Não foi outro o argumento do então secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, quando, acompanhado do presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Ben Bernanke, reuniu-se a portas fechadas, com os líderes do Congresso americano, após a quebra do Lehman Brothers: "Ou os senhores nos dão US$ 700 bilhões agora, sem votação, ou o sistema econômico mundial recuará décadas, em questão de dias". Há testemunhas disso. Motivo: em setembro de 2008, os mercados interbancários estavam paralisados.

Foi o início da incontinência monetária dos bancos centrais, que, agora, com a crise europeia, atinge o seu paroxismo. Em novembro de 2011, um sexteto de bancos centrais - o Fed, o Banco Central Europeu (BCE), e mais os da Inglaterra, Japão, Suíça, e Canadá - anunciou a ampliação dos fundos de resgate, por meio de linhas de swaps cambiais. Estas linhas funcionam pela simples troca de moedas nacionais (sempre abundantes) por moedas estrangeiras (eventualmente escassas), entre os BCs, para atender os mercados interbancários garantidos por cada um deles. No caso, estamos falando de uma cesta de dólar americano, euro, libra esterlina, iene, franco suíço, e dólar canadense - o núcleo das moedas que movimentam o mundo, que assim ficam comprometidas, para pior.

Se, do fim de Bretton Woods (1971) aos dias de hoje, o câmbio caracterizou-se pela volatilidade, é de se imaginar daqui para frente, com divisas estrangeiras podendo ser livremente obtidas por swaps cambiais.

Não se tratou, como anunciou o Fed, de disponibilizar mais crédito para famílias e empresas - uma impossibilidade nas atuais condições. Assim como é meia-verdade que os swaps cambiais do sexteto representam a disponibilização de dólares pelo Fed aos demais. Falta dizer que os swaps cambiais operam igualmente para o Fed resgatar um banco americano, curto de francos suíços, ou de qualquer uma das demais moedas comprometidas. Tratou-se, mais uma vez, do quase-pânico provocado pela perspectiva de travamento dos mercados interbancários, desta vez pela exposição de centenas de bancos à inadimplência soberana.

Pois é neste contexto que o Banco Central do Brasil (BC) teve um cochilo macroprudencial, desconsiderando a volatilidade dos mercados interbancários. Assim dizemos porque permitiu aos bancos brasileiros alavancarem sua posição de endividamento externo, sujeitando-os aos humores súbitos deste mercado. Conforme informa o próprio BC, em setembro de 2008, por ocasião da quebra do Lehman Brothers, a dívida externa dos bancos brasileiros era de US$ 89 bilhões, que, em um movimento coerente com a situação de retração do mercado de crédito, foi se reduzindo até atingir US$ 63,6 bilhões em dezembro de 2009.

A partir daí, em um movimento ininterrupto e, estranhamente, na presença de um BC que, à época, se dizia preocupado com o excesso de crédito, a tendência se inverte, com o valor atingindo US$ 103,1 bilhões em dezembro de 2010. E esta tendência manteve-se até setembro de 2011 (último número publicado), com o valor atingindo US$ 139,7 bilhões. Um acréscimo de 120% em um ano e nove meses! Afinal, quem resiste a tomar recursos a 6% para emprestar a 38,96% (taxa média geral de aplicação), com a moeda de aplicação prometendo um prêmio adicional em relação à moeda de captação?! Considere-se agora a enxurrada de liquidez adicional que será criada, com a coordenação acordada entre os seis bancos centrais, e pode-se imaginar a tentação que aguarda os nossos banqueiros, atraídos por uma arbitragem de juros psicodélica.

Resta a verificação da hipótese de que esta dívida externa representaria números miúdos em relação ao porte de nossos bancos. Não parece ser o caso. O total do patrimônio líquido, do total do Sistema Financeiro Nacional (SFN), monta a R$ 458,3 bilhões (setembro de 2011). Convertendo-se a dívida externa dos bancos à taxa média de R$ 1,80, temos o valor de R$ 251 bilhões, o que representa 55% do total do patrimônio líquido do total do SFN. O mínimo que se pode dizer é que o risco está presente, apesar dos swaps cambiais. Ou, dito de outra forma: o endividamento externo dos bancos brasileiros compromete 40% das nossas reservas internacionais, de US$ 350 bilhões.



Sílvio Figer é economista e consultor de empresas.

Por que o FMI deve ficar longe da Europa



Por Wolfgang Münchau - Valor 24/01

O Fundo Monetário Internacional (FMI) alocou 91% de seus compromissos definitivos para programas na Europa. Mas existe agora sobre a mesa de negociações uma proposta que sugere que esse montante não é suficiente e deveria ser ampliado significativamente. Será justificado um aumento dos fundos do FMI para socorrer a zona do euro? Em especial, deveriam países fora da zona euro participar da captação desse novo capital? Penso que não.

O FMI está certo, é claro, em concluir que a crise da zona do euro é o principal risco com que agora se defronta a economia mundial. O mundo tem um forte interesse na solução da crise. Mas um envolvimento maior do FMI em programas específicos da União Europeia não é necessário, sendo, muito possivelmente, contraproducente.
O envolvimento não é necessário porque a zona do euro tem capacidade financeira para ajudar a si mesma. A região como um todo tem um pequeno superávit em sua balança corrente com o resto do mundo. Como resultado disso, a região não depende de financiamentos externos. A região tem seu próprio banco central, que pode, ao menos em tese, agir como um emprestador de última instância.

A zona do euro opera, como sabemos, sob limitações políticas e jurídicas, tais como as regras para déficits determinadas pelo tratado de Maastricht, a regra que proíbe socorros financeiros ou as regras que impedem o Banco Central Europeu de financiar governos.

No entanto, um observador externo teria razão em afirmar que essas regras são, todas, autoimpostas, e, portanto, reversíveis. A zona do euro deveria mudar suas regras, antes de rastejar até outros países, de chapéu na mão.

Considerando que a zona do euro é economicamente irrestrita e uma das regiões mais ricas do mundo, o pedido para envolvimento do FMI em hipotéticas operações de socorro futuro é moralmente repreensível. O que está acontecendo, nesse caso, é que os Estados membros da zona do euro têm dificuldade para comprometer fundos adicionais às operações de socorro e acreditam ser politicamente mais conveniente canalizar recursos por meio do FMI como uma forma de driblar parlamentos nacionais.

Mas, em minha opinião, existe um argumento ainda mais importante. A forma como os Estados membros da zona do euro têm lidado com a crise ampliou as chances de um resultado catastrófico. Uma extensão do engajamento do FMI muito provavelmente apoiará as políticas atuais.

A recessão em desenvolvimento é, em grande medida resultado de uma elevação prematura das taxas de juro pelo BCE, de uma resposta hesitante à crise, da não recapitalização do setor bancário após a crise financeira de 2008 e de uma reação instintiva em política fiscal pró-cíclica. O novo governo espanhol admitiu na semana passada não haver nenhuma possibilidade de que possa cumprir a meta de 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB) para o déficit deste ano, estabelecida numa época em que as autoridades podiam fingir que a economia iria se recuperar. A Itália já apertou a política fiscal apesar da recessão e também a Espanha ficará sob pressão para fazê-lo. Todo mundo está seguindo os passos da Grécia.

Os erros acumulados de política econômica na zona do euro estão transformando um aperto de liquidez numa crise de solvência. E aqui reside um risco grave para o FMI. Se a Itália ficar enredada em uma recessão prolongada, crescerá significativamente a probabilidade de que não seja capaz de pagar sua dívida, atualmente em 120% do PIB. Notícias da Itália sugerem que o FMI está prestes a prever uma recessão de dois anos para o país, o que poderá muito bem resultar em um aumento da proporção da dívida em relação ao PIB. A solvência futura da Itália é inteiramente dependente das taxas de juro de mercado e da perspectiva de um retorno a um crescimento econômico forte e sustentável.

Tenho dificuldades para ver como isso pode ser feito sem uma união fiscal e um compartilhamento bem maior dos encargos.

Existem argumentos técnicos adicionais que favoreceriam um envolvimento mais cauteloso do FMI. Mario Blejer, ex-presidente do banco central da Argentina, argumentou recentemente que o status de credor preferencial do FMI poderia tornar-se um problema, pois um empréstimo do FMI subordinaria automaticamente todos os outros detentores de títulos. A probabilidade de um default envolvendo esses títulos possivelmente impagáveis é, portanto, significativamente maior. Além disso, a situação poderia tornar-se tão grave que a senioridade do FMI poderia não se sustentar, o que por sua vez colocaria em risco sua capacidade de emprestar a juros baixos.

Existem várias propostas na mesa sobre a forma de envolver o FMI de maneira inteligente. Mas todas estão sujeitas ao mesmo problema. Qualquer tipo de ajuda de liquidez externa incentivaria a zona euro a seguir em frente com as políticas que estão agravando a crise.

A melhor contribuição que o FMI poderia fazer, portanto, é não envolver-se em outros programas além daqueles com que já se comprometeu. Se tiver de se envolver, deveria ao menos tentar condicionar quaisquer engajamentos adicionais a mudanças fundamentais de política econômica, tanto em nível nacional como da zona do euro. Em particular, o FMI deveria insistir em um grau mínimo de gestão econômica coletiva na abordagem de algumas das questões básicas, como a fragilidade do setor bancário e as políticas visando eliminar a interdependência dos bancos nacionais com os governos nacionais. Seria imprudente o FMI envolver-se nesses debates. (Tradução de Sergio Blum)



Wolfgang Münchau é editor e escreve sobre economia europeia no FT.